As ditas barchettas (“barquinho” em italiano) são carros fascinantes. Pegue um roadster, um conversível de dois lugares, remova o para-brisa e elimine a capota, e o que você tem é uma barchetta – um carro mais leve, capaz de proporcionar uma experiência de condução muito mais crua e orgânica, parecida com a de um monoposto. Os mais radicais dizem que uma barchetta não pode ter qualquer tipo de para-brisa. No máximo um defletor para desviar o fluxo de ar em alta velocidade do rosto dos ocupantes.
Já falamos de algumas barchettas diferentes aqui no FlatOut: a Ferrari F40 Barchetta, que é a única F40 sem teto que existe; a Red Barchetta, também conhecida como Ferrari 166MM, que inspirou um dos maiores sucessos do Rush; e a Fiat Barchetta, conversível que não era exatamente uma barchetta mas não deixava de ser um carro muito bacana por isso. Hoje vamos adicionar mais uma barchetta ao acervo: o Maserati Barchetta, carro de corrida feito para salvar a reputação da marca que quase, quase virou carro de rua. E acabou esquecido com o passar dos anos.
No início anos 90 a Maserati passava por uma crise de identidade. Apesar de seus carros de rua serem conceitualmente interessantes, modelos como o Maserati Biturbo – que foi o primeiro carro produzido em série com dois turbocompressores – sofriam com manutenção complicada e não eram lá muito confiáveis, o que manchou bastante a reputação da marca. Especialmente nos Estados Unidos, ao ponto de levar à retirada da marca daquele mercado.
Na época a Maserati pertencia a Alejandro De Tomaso, que havia adquirido a companhia em 1976. Sob seu comando, além do Biturbo a Maserati também havia colocado no mercado a terceira geração do sedã de luxo Quattroporte, projetada por Giorgetto Giugiaro. No fim dos anos 80, porém, De Tomaso percebeu que precisava fazer alguma coisa para melhorar a imagem da marca aos olhos do público. O plano era o seguinte: fazer com que as pessoas lembrassem do que era a Maserati nos anos 50 e 60.
E o que era a Maserati nos anos 50 e 60? Uma grande equipe de corridas: em 1957, Juan Manuel Fangio foi o campeão mundial de Fórmula 1 ao volante do Maserati 250F, que tinha um seis-em-linha de 2,5 litros e 220 cv. Fangio também venceu as 12 Horas de Sebring naquele ano, ao volante do Maserati 450S – uma barchetta com motor V8 de 4,5 litros e mais de 400 cv. E ainda havia o Maserati Tipo 61, também conhecido como Maserati Birdcage (“gaiola de passarinho”) por causa de sua estrutura tubular parcialmente exposta no cockpit. Movido por um seis-em-linha de 2,9 litros e 250 cv, o Birdcage venceu os 1.000 Km de Nürburgring em 1960 e 1961.
Inspirado pelo legado de sua companhia, Alejandro De Tomaso concebeu um superesportivo conceitual chamado Maserati Chubasco. Com carroceria desenhada por Marcello Gandini, o projetista do Lamborghini Countach, o Chubasco foi apresentado em 1990 e tinha o visual típico de um carro-conceito da época, com linhas arredondadas e carroceria em forma de cunha. Seu método de construção era do tipo espinha dorsal, como no antigo De Tomaso Vallelunga e também na maioria dos carros fabricados pela Lotus. Uma rígida travessa longitudunal ligava os conjuntos dianteiro e traseiro de suspensão pushrod, e também dava suporte ao conjunto de motor e câmbio central-traseiro. Este, aliás, deveria ser composto por um V8 biturbo de 3,2 litros e 435 cv e uma caixa manual de seis marchas, mas na prática o conceito era um modelo estático.
O Chubasco, cujo nome significa, em espanhol, uma forte tempestade com raios e trovões, foi recebido de forma meio morna pela imprensa e pelo público. Foi considerado radical demais e inviável para a produção em série. Então, partiu-se para o plano B.
Aproveitando a construção por espinha dorsal do Chubasco, a Maserati criou o Barchetta. O motor era o mesmo do Maserati Biturbo: um V6 de dois litros (1.996 cm³) com dois turbocompressores e 320 cv a 7.200 rpm e 38 mkgf de torque a 4.250 rpm. Era acoplado a um caixa manual de seis marchas, e o conjunto era capaz de levá-lo de zero a 100 km/h em 4,5 segundos, com máxima superior a 300 km/h.
Com a estrutura em espinha dorsal e carroceria de fibra de vidro, o Maserati Barchetta pesava 775 kg. Ele ainda tinha suspensão por braços triangulares sobrepostos nos quatro cantos, sendo que os braços da suspensão traseira eram presos direto à carcaça da transmissão; e rodas de 18 polegadas.
O interior era charmoso e minimalista, com um quadro de instrumentos bem destacado, um volante pequeno, dois bancos do tipo concha, cintos de competição e revestimentos reduzidos ao mínimo – era possível observar parte dos componentes mecânicos ao olhar por cima do volante.
A ideia era fabricar 25 exemplares para participar de uma competição monomarca e atrair os fãs de automobilismo de volta à Maserati. No fim, apenas 17 unidades foram produzidas entre 1991 e 1992, e o campeonato, chamado Grantrofeo Monomarca Barchetta Maserati, foi disputado em 1992 e 1993, com 16 corridas no total, quase todas na Itália.
E basicamente foi isto: os carros custavam caro e eram difíceis de manter, o que acabou minguando o interesse dos gentlemen drivers no Barchetta pouco tempo depois. A Maserati não teve alternativa se não cancelar a competição. Não sem antes brincar com a ideia de uma versão de rua – o Maserati Barchetta Stradale, exemplar único com faróis, revestimento de tecido xadrez nos bancos e sem gaiola de proteção exposta.
Sabe-se que outros exemplares de corrida foram convertidos para uso nas ruas nos anos 90 e 2000, e vez ou outra são flagrados em eventos de pista como track days e corridas pra carros históricos. O ronco do motor V6 biturbo é impressionante, e a experiência de guiar um Maserati Barchetta deve ser incrível. Pena que não deu certo.