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Car Culture

Meus sete filmes favoritos sobre automobilismo

A venda da Formula One Management para a Liberty Media, em 2017 realmente revolucionou a Fórmula 1. Para quem lembra da Fórmula 1 completamente fechada para a internet, severa na distribuição das corridas e até mesmo trechos mais relevantes de cada GP, é quase inacreditável que, em menos de dez anos ela teria serviço de streaming próprio, uma série no Netflix e, agora, um filme oficial, produzido em Hollywood e com estrelas do porte de Brad Pitt e Javier Bardem, co-produzido por Lewis Hamilton e com trilha sonora de Hans Zimmer.

A Fórmula 1 se tornou um espetáculo como só os americanos sabem fazer, e se tornou mainstream como nunca foi. Mesmo no Brasil, a torcida aprendeu a superar o passado e a admirar a categoria pelo que ela é, e não apenas porque os brasileiros estão ganhando. Os carros do filme agora são brinquedos do McDonald’s — e se esgotam por especuladores visando a alta demanda, tamanha a popularidade da categoria e do filme.

Mas “Fórmula 1 – O Filme” é apenas a chegada de um longo caminho iniciado há 60 anos, quando a primeira grande produção cinematográfica sobre a categoria foi produzida — estou falando de Grand Prix, de 1966. Depois dele, vários filmes sobre automobilismo foram feitos, uns mais obscuros, outros mais populares.

Eu assisti a “Fórmula 1 – O Filme” logo nos primeiros dias no cinema, mas ainda não quero trazer um review porque sei que muita gente não viu (foi por isso que fiz a enquete no Instagram) e não quero ser o cara que conta a história toda. Ao mesmo tempo, para aproveitar que estamos falando de filmes e corridas, decidi montar meu ranking com os meus filmes favoritos sobre automobilismo.

A lista tem praticamente todos os mais conhecidos, mas coloquei na ordem de preferência pessoal — primeiro o que eu mais gosto, por último, o que eu gosto menos, apesar de ainda gostar a ponto de incluí-lo nesta lista.

Acredito que ela seja parecida com a da maioria dos entusiastas, mas também acho que muita gente não viu ao menos um ou dois filmes da lista. Então, aí vão os meus filme favoritos de automobilismo — os sete que todo entusiasta deve assistir ao menos uma vez na vida.

 

Ford vs. Ferrari (Ford vs. Ferrari, 2019)

Ao fazer esta lista fiquei pensando se minha predileção por “Ford vs. Ferrari” não vem do fato de termos participado ativamente da promoção do filme no Brasil — e também por ter feito uma das séries mais legais que já publicamos por aqui. Mas refletindo sobre isso e revendo trechos do filme, cheguei à conclusão que não. “Ford vs. Ferrari” é meu favorito não só por que é um bom filme de automobilismo, mas por que é um bom filme por si.

O filme é baseado no recorte histórico do livro “Go Like Hell: Ford, Ferrari, and Their Battle for Speed and Glory at Le Mans”, do jornalista americano A.J. Baime. O contexto desta batalha entre as marcas é muito maior e mais profundo do que cabe nos 120-180 minutos de um longa-metragem. Há uma certa rixa pessoal de Carroll Shelby com Enzo Ferrari e também o fato da Ferrari só ter sido parada por Shelby em sua sequência de vitórias em Le Mans. Um filme não tem espaço para contar isso. Também não tem espaço para contar a história errática, tortuosa, porém autêntica de Ken Miles.

Fazer um filme é tomar uma decisão de escolher uma linha e segui-la, renunciando todo o resto. E é aí que está o risco — “Ferrari”, por exemplo, pega atalhos que deixam o espectador comum, não-iniciado, confuso. É preciso conhecer o contexto para entender plenamente o filme. Mas Ford vs. Ferrari não.

Ele consegue condensar o drama pessoal de Shelby, sua relação com Ken Miles e o conflito de ambos com os burocratas da Ford de forma brilhante. Tão brilhante que o título te engana: a verdadeira batalha não é contra a Ferrari — o próprio filme deixa isso claro, se você olha com atenção. É Shelby/Miles vs. Ford: um bando de burocratas carreiristas e um executivo orgulhoso, tentando ensinar dois garagistas experientes a vencer corridas.

Outro risco que “Ford vs. Ferrari” corria era o de deixar tudo muito chato, muito nerd demais, com apelo apenas aos entusiastas. Mas ele coloca Peter Miles na história, dá ênfase a amizade de Shelby e Miles e exagera na arrogância dos burocratas para trazer apelo popular e deixar a história mais digerível para quem não se importa com detalhes.

Mesmo assim, os bastidores do programa da Ford para Le Mans foram representados com muita precisão histórica e, mesmo as cenas inventadas, tiveram base na realidade. O peso das decisões nos bastidores, o risco, a adrenalina, o significado das lágrimas de Henry Ford II após conhecer o GT40… tudo isso não é apenas drama para quem quer cinema, mas também uma recriação fiel dos bastidores do automobilismo e todas as emoções que ele provoca.

Um filme deve contar uma história com começo meio e fim, com sentido e de forma objetiva. E “Ford vs. Ferrari” conta essa boa história da melhor forma possível. Sem contar a interpretação de Christian Bale, entregando um dos pilotos mais humanos do cinema — não porque era um herói, mas porque era imperfeito.

 

Grand Prix (Grand Prix, 1966)

Se Ford vs. Ferrari é o meu filme favorito sobre automobilismo porque ele é simplesmente um excelente filme, Grand Prix fica em segundo porque é um pouco inferior como filme, mas muitíssimo superior como retrato do automobilismo.

Ele é muito mais que o filme definitivo sobre a Fórmula 1 clássica — é um monumento cinematográfico, tecnicamente falando. À primeira vista alguém o acharia chato, mas é uma obra que exige tempo e, principalmente, respeito. Nenhum outro filme colocou o espectador tão dentro de um carro de corrida até hoje. Talvez Fórmula 1, com suas câmeras IMAX, mas de um jeito mais frenético, típico do século XXI. Isso, porque o diretor John Frankenheimer entendeu que a corrida não deve ser registrada apenas com cortes rápidos, câmera tremida e roncos envolventes. Ela também precisa de silêncio, câmeras baixas, tempo de pista e ambientação.

Por isso, ele é um filme que você coloca pra assistir achando que vai ver carros antigos e automobilismo de raiz, mas termina pensando em solidão, obsessão e responsabilidade — sentimentos comuns fora da pista, em uma época na qual o “automobilismo era perigoso e o sexo, seguro”. O que impressiona aqui é o que as corridas e os carros representam: liberdade, risco, vaidade, redenção.

“Grand Prix” foi o primeiro longa a filmar dentro dos cockpits de verdade. Não há efeitos digitais. Logo no começo, a tensão antes da largada é registrada com silêncio intenso, que é quebrado pela partida dos motores vista de cara para um cano de escape, seguida por takes que até hoje poucos diretores tiveram a habilidade de capturar.

O roteiro é irregular às vezes, e os diálogos nem sempre funcionam como deveriam. Mas isso é ruído de rádio perto do que o filme entrega em atmosfera e autenticidade. Grand Prix não é para quem quer ação fácil — é para quem entende o automobilismo romântico como um estilo de vida daqueles que fizeram parte dele.

 

Rush – No Limite da Emoção (Rush, 2013)

Rush é o filme mais equilibrado dessa lista. Ele não tem o peso técnico de Grand Prix, e toma ainda mais liberdades que “Ford vs. Ferrari” — Lauda e Hunt se provocam de forma quase infantil e Lauda é muito mais ranzinza do que realmente era. Mas ele tem algo que poucos filmes sobre automobilismo conseguiram capturar tão bem: a tensão psicológica que existe entre dois estilos de vive e de correr. A rivalidade entre Lauda e Hunt não é tratada como guerra de egos, mas como um duelo filosófico entre disciplina e instinto, precisão e caos.

O mérito aqui é não transformar nenhum dos dois em vilão ou herói. O diretor Ron Howard acertou o tom ao entender que a Fórmula 1 dos anos 1970 não era um esporte de gladiadores, mas que cada piloto entrava na pista por um motivo diferente. Além disso, a reprodução dos carros, capacetes e até do acidente de Lauda são muito precisas e fiéis à realidade.

Quando o filme foi anunciado, torci o nariz para Chris Hemsworth como James Hunt. Mas ele conseguiu entregar o carisma e, acima de tudo, as inseguranças de um homem que tem sua fantasia de super-herói destruída ao ver seu rival lutando pela vida. Daniel Brühl, por sua vez, praticamente incorpora Niki Lauda em uma atuação que arrancou elogios do próprio Lauda.

O que garantiu o terceiro lugar na lista para Rush foi também a reflexão contínua implícita no roteiro — o que leva um homem a correr sabendo que pode morrer, o que significa vencer, perder, ceder. Quando Lauda decide retornar poucas semanas após o acidente que quase o matou, ainda com o rosto colado por enxertos, porque queria disputar o título, ou quando James Hunt vomita antes de entrar no cockpit, com o estômago revirado pela ansiedade antes de uma corrida na época mais mortal do automobilismo. Ou ainda quando Lauda desiste de correr no Japão. É essa sinceridade e realismo psicológico — além da ação de pista, claro — que torna Rush tão bom.

 

As 24 Horas de Le Mans (Le Mans, 1971)

Le Mans não é um filme. É uma experiência. Talvez o mais puro retrato cinematográfico do que significa estar em uma corrida — não como espectador, mas como parte dela. E isso explica por que muita gente não gosta do filme.

O projeto foi um delírio pessoal de McQueen, ator e piloto nas horas vagas — ou seria o contrário? — que decidiu criar não apenas um filme sobre a 24 Horas de Le Mans, mas o filme definitivo sobre o automobilismo. Sem diálogos explicativos, sem drama pasteurizado, sem trilha sonora que tenta dizer como você deve se sentir.

McQueen queria mostrar a corrida como ela é: brutal, longa, bonita e, por vezes, mortal. A história está lá, mas ela é mínima, um pretexto para as cenas de corrida. O que importa aqui é o som do motor, a ação de pista.

A escolha por filmar as 24 Horas de Le Mans como se fosse um documentário, usando carros reais em ritmo de corrida — inscrevendo um carro câmera na prova — dá ao filme uma veracidade que nenhum outro conseguiu igualar. Nem mesmo “Grand Prix”. Não há “cenas de corrida” — há a própria corrida que aconteceu realmente.

Le Mans exige atenção, paciência e uma certa dedicação. Você precisa de um pouco mais que a mera paixão pelo automobilismo para encarar os 106 minutos do filme — tem que gostar também de cinema. Se você consegue, vai entender claramente por que “correr é vida, e todo o resto é só espera”.

 

Carros (Cars, 2006)

Pode rir. Pode achar que é um filme para crianças — embora ninguém que curta carros ache isso de verdade. Pode até torcer o nariz para a estética padronizada da Pixar.
Carros não é só sobre um carro falante que aprende a ser humilde. É uma carta de amor à história do automobilismo, à cultura automotiva americana e à era de ouro das viagens de carro — a uma época em que o caminho era tão importante quanto o destino. Fora que ele é cheio de referências em praticamente todas as cenas.

Relâmpago McQueen é o típico novato brilhante, arrogante, mimado pela mídia e pelos patrocinadores. A caricatura perfeita do piloto que acha que talento puro é suficiente. Mas o filme não está interessado apenas em transformá-lo num bom moço. Ele quer mostrar como esse tipo de personagem desconhece as raízes da cultura que o formou. E é aí que entra Radiator Springs.

Conheça os lugares reais que inspiraram Radiator Springs e os cenários de “Carros”

A cidade perdida na Rota 66, com sua estética retrô e personagens marcantes, não é só um pano de fundo nostálgico. É um comentário sobre como a sociedade, e a própria cultura automobilística, passou a ignorar sua história em nome da velocidade, do lucro e da autopromoção. Você já viu isso fora da tela — no fechamento das pistas de rua, na pasteurização do automobilismo, no fim dos muscle cars puristas, no esquecimento dos nomes que construíram o esporte a motor. Na construção de grandes corredores rodoviários que tiraram o trânsito das cidadezinhas e tornaram todos os caminhos iguais.

Tecnicamente, o filme é primoroso. A Pixar recria os carros com fidelidade surpreendente — desde os patrocínios falsos que parecem reais, até os detalhes mecânicos embutidos na personalidade de cada personagem. O som dos motores foi gravado com carros de verdade. A paisagem da Rota 66 tem montanhas com formato da cauda de Cadillac.

É irônico que Cars tenha virado uma máquina de vender brinquedo, porque no fundo, o filme fala exatamente sobre o que se perde quando tudo vira mercadoria. Mas mesmo com toda a engrenagem de marketing da Disney girando em volta, o filme ainda é uma grande carta de amor aos automóveis e à vida nas pistas e na estrada.

 

Dias de Trovão (Days of Thunder, 1990)

Days of Thunder é o lado hollywoodiano, pop e colorido do automobilismo. O filme não esconde que quer entreter — e nisso ele acerta com força total. Tom Cruise é um piloto que aprende que a corrida não é só acelerar, mas também entender os detalhes que ninguém vê, a dinâmica da equipe e, claro, lidar com o próprio ego.

O que me interessa em Days of Thunder não é a precisão histórica ou técnica — essas até vacilam — mas a energia do filme, a trilha sonora pulsante e a maneira como o automobilismo é apresentado como espetáculo, quase musical. Days of Thunder não é um documentário. Não está interessado em mostrar os bastidores técnicos da NASCAR, nem te explicar um superspeedway ou a arte do bump drafting. O que o filme quer é te fazer acreditar que uma corrida pode ser decidida na última curva, entre duas lendas do volante trocando tinta e ofensas, enquanto a câmera faz um movimento dramático e a trilha sonora te levanta da cadeira.

É caricato, mas é despretensioso. É um filme de corrida para a Sessão da Tarde — o que pode ser melhor? Não precisa da densidade intelectual exigida por McQueen em “Le Mans”. Você só precisa estar com os olhos abertos, ligado na TV.

A química entre Cruise e Robert Duvall (como o chefe de equipe Harry Hogge) é o coração do filme. Duvall, com seu ar de “velho sábio que já viu de tudo”, entrega as melhores falas e ancora o roteiro em algo vagamente crível. Nicole Kidman, no papel da médica Claire Lewicki, serve mais como catalisador do amadurecimento de Cruise do que como personagem com agência — mas, hey, anos 90.

E se tem uma coisa que Days of Thunder acerta em cheio, são as cenas de corrida. Os carros são reais, o som é alto, os acidentes são duros, e as filmagens nas pistas (Daytona, Phoenix, Darlington) colocam você literalmente no meio da ação.

 

500 Milhas (Winning, 1969)

Antes de formar a lendária Newman/Haas e antes de seu capacete Bell cruzar os pit lanes de Sebring, Lime Rock e Daytona, Paul Newman foi Frank Capua — o piloto protagonista de 500 Milhas, um filme de corrida que talvez você nunca tenha visto, mas que mudou a vida real de quem o estrelou.

A história é simples: Frank Capua é um piloto ambicioso, sonhando com a glória em Indianápolis, tentando equilibrar a carreira, a pressão e um casamento à beira do colapso.

Mas se o roteiro segue a cartilha dos dramas esportivos da época, o que realmente importa aqui é o contexto: “500 Milhas” foi o primeiro filme de Hollywood a mergulhar de verdade no mundo das corridas nos EUA. Sem musicalização, sem heroísmo, apenas roncos de motores em Indianapolis.

Foi durante as filmagens de Winning que Paul Newman teve seu primeiro contato real com carros de corrida — e isso acendeu algo que a dramaturgia não conseguia tocar. Depois disso ele virou piloto profissional de verdade. Newman competiu por décadas, venceu categorias e resistiu até os 70 e tantos anos como gentleman driver, além de ter criado a Newman/Haas e inspirado Patrick Dempsey. Tudo por culpa deste filme.

Mas Winning também tem seu mérito como filme, porque, embora o drama seja mais pessoal do que profissional — o conflito é interno, mais humano do que automobilístico — os carros são reais, filmados em Indy, Road America e Riverside. O som é puro, os planos são longos, há pouco efeito e muita imagem real.

A sequência final, com Capua encarando a Indy 500, é uma das primeiras tentativas sérias do cinema em capturar o que significa estar ali no grid, com 33 carros roncando, o capacete abafando os pensamentos e o mundo reduzido a um traçado oval de quatro curvas.

Sim, o filme é datado em muitos aspectos. Os diálogos parecem novela (algo típico dos romances da época), a narrativa tem uns furos, e a edição das cenas de corrida ainda está engatinhando. Mas o filme realmente queria mostrar o que é viver para vencer. O que é perder tudo fora das pistas para continuar correndo.