Os a sequência Need for Speed: Underground e Need for Speed: Underground 2 é idolatrada por milhões de fãs. Lançados em 2003 e 2004 (bons tempos de lançamentos anuais), NFSU e NFSU2 pegaram o auge da cultura do tuning e dos pegas noturnos ilegais. A estreia de “Velozes e Furiosos” em 2001 e sua popular sequência em 2004 ajudou a trazer os carros modificados que corriam na noite de Los Angeles desde a década de 1990 ao mainstream – de repente a car culture tinha virado pop culture.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais!
A maior parte eram carros importados do Japão – esportivos como o Toyota Supra, o Mazda RX-7 e o Honda S2000, mas também modelos mais comuns, como Mazda MX-5 Miata e Mitsubishi Eclipse. Além de ganhar preparação mecânica, eles eram customizados com inspiração nos carros de drift japoneses e influenciados pela estética ocidental.
Em pouco tempo, jovens que sequer tinham esportivos japoneses começaram a modificar seus carros – inspirados não apenas pelos carros japoneses preparados, mas com características próprias: luzes de neon, portas “Lambo doors”, sistemas de som exageradamente potentes, kits aerodinâmicos extravagantes e suspensão extremamente baixa. Muitos não estavam nem ligando para a performance – só queriam ter o carro mais equipado e chamativo que conseguissem.
O tuning estava por toda parte, e foi assim até o fim dos anos 2000. Esportivos e sedãs de luxo, SUVs e picapes, carros populares, shitboxes, clássicos. Estava em programas de TV, revistas, clipes de rappers e, claro, games. NFSU e NFSU2 conseguiam juntar tudo – você tinha carros tunados e à medida em que ia avançando no jogo, aparecia nas revistas e ficava famoso. E eram revistas de verdade!
É bem provável, aliás, que você tenha pensado neste momento em instalar um dos Underground no seu PC (ambos rodam na maior parte dos PCs modernos sem problemas) ou desenterrar seu console – PS2, XBox, GameCube, você escolhe – para matar a saudade. Mas antes, talvez você queira considerar outro título que trouxe o mundo do tuning e das corridas de rua antes dos jogos da EA.
Falo de Midnight Club: Street Racing, que completa 20 anos neste mês de novembro de 2020 – o game foi lançado em 2000 exclusivamente para o PlayStation 2, sendo na verdade um dos títulos de lançamento do console. Era uma empreitada da Rockstar Games antes do fenômeno GTA que, na época, ainda era um jogo 2D com visão aérea e em nada lembrava as superproduções de hoje (o primeiro GTA em 3D foi Grand Theft Auto III, de 2001). A série Midnight Club só foi consagrar-se com Midnight Club 3: DUB Edition, de 2005 – que era um grande jogo, sem dúvida, com gráficos mais bonitos e jogabilidade aprimorada. Mas, ao ser o primeiro Midnight Club a trazer modificações estéticas disponíveis para os carros, acabou se tornando uma imitação de seu imitador.
Por isso, o Midnight Club original merece ser exaltado – não apenas por ser o aniversário do game, mas por ser também o aniversário do PlayStation 2 às vésperas do lançamento do PS5.
Midnight Club foi desenvolvido pela antiga Angel Studios, que hoje se chama Rockstar San Diego e trabalhou em diversos títulos importantes, como o próprio GTA V, L.A. Noire e Red Dead Redemption 2. Embora tenha ficado associado à cultura do tuning americana, especialmente na cidade de Los Angeles, o game traz inspirações mais distantes – e o próprio nome entrega uma delas: o Mid Night Club, a gangue de pilotos de rua mais famosa do Japão e origem de uma série de preparadoras que hoje são lendárias.
Nas versões americana e europeia, o emblema do game traz os caracteres 湾岸, ou “wangan” – uma referência à Bayshore Route da rodovia Shuto Expressway em Tóquio. Não por acaso, este é o cenário da série de animes e mangás Wangan Midnight, que também traz inspiração no Mid Night Club.
Curiosamente, porém, Midnight Club não se passava no Japão. As corridas aconteciam em recriações virtuais de Nova York e Londres, e o jogador podia explorar as ruas livremente à procura de desafiantes. Embora obviamente pequenos e simples se comparados aos mundos abertos que temos hoje nos games, os mapas eram ricos e empoltanges para a época – e ajudaram a Rockstar a construir as bases para os GTA que viriam nos anos seguintes.
No jogo existe uma organização clandestina chamada Midnight Club, que promove corridas noturnas ilegais pelas ruas. Você é um taxista – e inevitavelmente acaba ouvindo falar deste clube. Naturalmente, seu personagem acaba atraído pela adrenalina e pela possibilidade de ganhar dinheiro e os carros dos rivais – e então, decide participar. É uma história simples e sem grandes reviravoltas, servindo apenas como um plano de fundo para as corridas de rua.
Como é praxe nos games da Rockstar, os carros que se pode usar não são licenciados. Cada modelo é inspirado por um ou mais carros da vida real, e há uma boa variedade deles – incluindo alguns não muito verossímeis, como táxis equipados com pás cavadeiras e automóveis flutuantes à la F-Zero. Seu primeiro carro é um táxi obviamente inspirado pelo Ford Crown Victoria usado como táxi em Nova York, mas os outros vão ficando mais interessantes – e quase todos eles são versões genéricas de carros icônicos do mundo real, como o Mini Cooper, o VW Golf, o Chevrolet Camaro e o Lamborghini Diablo.
As corridas são muito parecidas com as provas de outro jogo da Angel Studios: Midtown Madness, lançado em 1999 para PC, onde você joga em um mapa aberto da cidade de Chicago – tecnicamente, Midnight Club é como um sucessor espiritual de Midtown. Há tráfego nas ruas e nenhum tipo de sinalização sobre o caminho que você precisa seguir – apenas pontos que você deve atravessar marcados no mapa.
Algumas corridas traziam vários oponentes, enquanto outras eram te colocavam contra apenas um corredor – e, naturalmente, a polícia não te deixava aprontar por muito tempo.
Explicar o sucesso inicial de Midnight Club não é tão fácil. O jogo não tinha gráficos particularmente bonitos, é verdade – os modelos 3D dos carros ainda tinham poucos polígonos e texturas opacas, sem grandes efeitos de luz ou um modelo consistente de deformação. Dizia-se até que parecia um game do PlayStation, em termos de gráficos. Contudo, os controles dos carros eram bem acertados (melhor que nos Grand Theft Auto que vieram depois), havia uma boa sensação de velocidade e, no fim do dia, Midnight Club era simplesmente… divertido! Era como um aceno aos arcades mais antigos, com muito mais conteúdo do que qualquer outro game do gênero lançado até então. Need for Speed ainda não havia abraçado o conceito de mundo aberto, o que fazia de Midnight Club uma proposta única no mercado.
Assim, apesar do visual não muito impressionante, o game agradava por trazer representações fiéis de monumentos presentes nas cidades – como a Times Square, o Central Park e o Empire State em Nova York; ou o Big Ben, a Tower Bridge e o Palácio de Westminster em Londres. Além disso, havia espectadores ao longo do trajeto que reagiam de acordo com sua performance, vaiando quando você fazia alguma barbeiragem e te incentivando ao presenciar demonstrações de habilidade. Este tipo de coisa – detalhes que hoje mal percebemos, tamanho é o realismo de qualquer jogo de corrida moderno – era novidade na época, e certamente fez a diferença na hora de apresentar Midnight Club ao público. O site IGN dizia sem medo que a maior qualidade do game era sua atitude – mais até que o gameplay em si.
O sucesso de Midnight Club levou a outros três jogos para consoles domésticos – Midnight Club II, lançado em 2003; Midnight Club 3: DUB Edition, de 2005; e Midnight Club: Los Angeles, que foi lançado em 2008 para o PS3. O terceiro jogo acabou se tornando o mais elogiado, mas a verdade é que Midnight Club sofreu bastante com a chegada dos já mencionados Need for Speed: Underground.
Aparentemente a Rockstar Games não pretende trabalhar em um novo Midnight Club. Duas décadas depois, a desenvolvedora preferiu concentrar-se em GTA e Red Dead Redemption 2 – e este último, embora não tenha absolutamente nada a ver com carros, merece menção por ter vendido 17 milhões de cópias na primeira semana de lançamento em 2018. Midnight Club, para efeito de comparação, vendeu 2,5 milhões de cópias em seis anos, levando em conta os três primeiros jogos da série. Midnight Club: LA foi o melhor sucedido dos três, com quase sete milhões de unidades vendidas durante a geração do PlayStation 3.
Por outro lado, a série Need for Speed vem tropeçando repetidas vezes com seus últimos lançamentos – talvez fosse uma boa hora para que a Rockstar revivesse Midnight Club, aproveitando que remakes e remasterizações estão em evidência no momento. Pegaria os saudosistas de jeito.