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Car Culture

Minha primeira experiência em um track day – parte 2

Divertir-se em um Track Day com um carro simples e pouco (ou nada) preparado depende apenas do funcionamento da nossa própria cachola.  No meu caso, com um carro simples, o tesão foi explorar o meu limite, o limite da máquina, e aprender tudo o que pudesse com isso. É uma questão de se superar e evoluir, e você não precisa de um canhão pra isso.

Brigar contra o relógio volta após volta é tão hipnotizante e interativo, que o tempo simplesmente voa. Nessa onda, realizei 38 voltas com o Palio em apenas 3 horas do evento — que durava das 9h até as 17h. Acabei parando por aí, para não forçar demasiadamente o hatch.

Um tanto ambicioso, cheguei no AIC com o objetivo de virar em 2:00 o traçado. E digo ambicioso porque, embora seja jornalista do setor automotivo há alguns anos, essa foi a primeira vez que fiquei solto em um autódromo para sentar a lenha num carro pelo número de voltas e do jeito que eu bem entendesse — sem um instrutor do lado, segurando no PQP e gritando “Freia! Freia, seu maluco!”. Nunca fiz curso de pilotagem, minha experiência não é das mais vastas, e nem volante para o Playstation eu tenho. Eu me sentia um virgem entrando num harém. Na realidade, eu era um virgem mesmo, vivenciando a minha primeira vez.

Enquanto instalava os R888 no Palio, o vento gelado que batia no meu rosto (estava uns 10º naquele início de manhã, e ventava bastante. Um frio do c*cete) não impedia com que eu suasse bicas. Parte, porque eu estava fora de forma, mas também porque o ronco dos carros rasgando a reta do AIC fazia minha adrenalina correr solta. “Mais alguns minutos e estarei lá”, pensava repetidamente.  Eu queria me apressar para entrar na pista, mas acabei checando como um neurótico cada parafuso das rodas umas 3 vezes — já imaginou que “ejaculação precoce” perder uma roda dentro da pista por conta de um parafuso solto? Após esse penoso processo, ainda posicionei todas as GoPros no carro, acomodei o capacete na jaca, esperei o Palio atingir a temperatura de trabalho e alinhei para a saída dos boxes. Chegou a hora.

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Na pista

No primeiro momento, por questão de (in)segurança, pedi à minha namorada que ficasse nos boxes para que eu pudesse sentir o carro, a pista, e o clima entre os demais participantes. Retornei cinco voltas depois por conta de uma bandeira vermelha. Um Fiat Punto, infelizmente, teve o seu motor 1.8 ejetado para o espaço — o tipo de coisa à qual estamos sujeitos quando levamos nossas máquinas ao limite.

Nas 33 voltas realizadas depois, divididas em três baterias de 11 voltas cada, comecei a buscar o limite do Palito e, para minha agradável surpresa, logo na segunda volta, vi os dois minutos que eu queria atingir ser pulverizados: 1:57.07 registrados no Lap Timer da OMP que eu estava utilizando. E quase na volta 30, veio o tempo de 1:54.12, minha humilde melhor volta do dia. Talvez os dois minutos que eu buscasse fossem um número exageradamente modesto.

As modificações leves no sistema de freio ficaram satisfatórias para o meu tipo de condução — sabia que estava dirigindo um veículo basicamente sem preparação, portanto, procurava não exceder o limite do carro. Em nenhum momento dei patadas no pedal do freio; sempre iniciava as frenagens de modo progressivo. E como eu realizava uma volta de cool down a cada duas voltas quentes — principalmente por medo de elevar demasiadamente a temperatura do óleo do motor e também de perder eficiêcia de frenagem abruptamente —, o sistema manteve bom funcionamento e com boa progressividade no pedal. Mas não há como negar: seu o carro tivesse dois simples dutos de refrigeração, eu poderia usar a abusar muito, muito mais dos freios. Tive uma notável fadiga no sistema em apenas uma ocasião, no fim da volta mais rápida (você pode vê-la no final do vídeo acima).

Apesar dos pneus que aderiam como chiclete no asfalto, realizar mudanças de direção foi um sofrimento em função da suspensão original do Palio: uma entrada de curva mais empolgada, e a típica saída de frente era inevitável. E não adiantava tentar antecipar a aceleração nas saídas de curva também: a transferência de peso da suspensão fazia com que a roda do lado interno da curva perdesse tração com facilidade. Não tinha jeito: ou eu era delicado, entrava nas curvas com velocidade moderada e buscava aceleração gradual nas saídas, ou queimaria o diferencial, pneus e forçaria a suspensão sem ganhar tempo.

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Ficou nítido nessa experiência que moer o carro em um TD é inevitável. Se você tem dó, nem se aventure. Giro no talo, trocas de marchas rápidas, zebras e alicatadas fortes em alta velocidade causam estresse absoluto em todos os componentes mecânicos — imagino que só não seja pior que uma prova de rali. Mas é possível diminuir o desgaste por meio da condução. Minhas pastilhas de freio, por exemplo, instaladas antes da ida para Curitiba, duraram o Track Day e mais 2.750 km; tem gente que fica sem o componente antes mesmo do dia de pista acabar.  O consumo de combustível também é absurdo: na medição de “tanque a tanque” que realizei na pista, o pequeno 1.6 fez média de 3,5 km/l com etanol.

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Nos momentos de “calmaria” para deixar a adrenalina baixar, tivemos ótimas oportunidades de conversar e trocar informações com outros maníacos por automóveis

Era possível baixar o tempo com o Palio no AIC? Certamente sim. Mas nessas 38 voltas, esse foi o meu limite. E independentemente de conseguir ser mais rápido ou não, acredito que o mais valioso foi a nossa iniciativa, colocar a cara (e o carro) pra quebrar, sair do mundo do Gran Turismo e ir viver a coisa na prática. Foi um dos dias mais felizes das nossas vidas, e tenho certeza que pessoas desapegadas de projetos custosos se divertirão tanto quanto nós, ou até mais.

O que aprendi no TD

— A maior parte da segurança dentro da pista estará sempre a cargo do modo de condução e comportamento dos pilotos, não da mecânica. Gaiola de proteção, bancos concha, cintos de segurança, pneus, suspensão e freios são sempre muito bem vindos, mas manter a cabeça fria, dar um jeito de moderar a adrenalina, não se desconcentrar e respeitar os limites do carro sempre serão os melhores equipamentos de segurança.

— Mesmo a maior parte da segurança ficando a cargo do motorista, não é possível fugir do fato de que utilizar componentes de qualidade no carro fazem toda a diferença para evitar sustos na pista, ou contornar situações adversas — as quais SEMPRE estamos sujeitos. É possível ir com o carro original para a pista, mas recomendo investir em, no mínimo, pneus bons, aprimoramento do sistema de freios e suspensão com novo set up — não apenas molas esportivas —, além de um capacete de qualidade. Pode investir um pouco mais? Bancos concha e cinto de segurança de competição são sempre uma boa pedida, não apenas por ajudar a proteger no caso de um acidente, mas por melhorar consideravelmente a tocada em função do corpo melhor acomodado.

— Seja decidido nas manobras, mas não brusco. Caso vá ceder a ultrapassagem, sinalize com antecedência razoável qual lado você vai para dar passagem aos veículos mais rápidos do circuito. Nesses momentos, também é importante não perder muito tempo olhando no retrovisor para não acabar se perdendo na entrada de uma curva.

— No meu caso, o melhor modo de ver a aproximação de um veículo mais rápido é olhar para o retrovisor com breves pausas. Assim, ficava mais fácil calcular a velocidade de aproximação do carro que me ultrapassaria, e antecipar para onde eu me movimentaria, se fosse o caso. O negócio é frenético!

— As manobras agressivas e as guinadas bruscas no volante que vemos algumas pessoas realizando em Hot Lap e Pro Solo certamente causariam perda de controle e acidentes em um Track Day. No autódromo, onde a velocidade é muito mais elevada, é preciso manter o equilíbrio do carro e a suavidade da condução. Uma tocada limpa, sem esparramadas, faz toda a diferença, tanto para a durabilidade da máquina, quanto para o tempo de volta.

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O “casal track day”: muitos cálculos e meses de planejamento para ter a primeira experiência na pista. E os sorrisos dispensam descrição

[Fotos: Revista Trackday / Rafael Micheski]