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Pensatas Trânsito & Infraestrutura

Mortes no trânsito brasileiro aumentam 40% em dez anos – mas por quais razões?

Na última década o Brasil viu um aumento exponencial em sua frota de veículos automotores. As vendas de carros e motos bateram recordes consecutivos, alavancando um crescimento de quase 140% da frota nacional entre 2002 e 2012.

Logicamente, o aumento do número de veículos também aumenta a probabilidade de que ocorram acidentes e, como mostra o Mapa da Violência 2014, infelizmente essas probabilidades se concretizaram entre 2002 e 2012, resultando em aumento de quase 40% nas mortes por acidentes de trânsito nesse período de dez anos.

O Mapa da Violência é um estudo publicado anualmente sob a coordenação do sociólogo Julio Jacobo Waiselfiz, e tem como objetivo construir um panorama da violência urbana no Brasil com base em estatísticas sobre homicídios, suicídios e mortes acidentes de todas as naturezas.

A prévia do relatório deste ano, mostrou que o número de vítimas nos acidentes de transporte, passaram de 33.288 para 46.581 entre 2002 e 2012, um aumento de 38,3%, enquanto o aumento da população foi de 24,5%. Isso significa que, proporcionalmente, mais pessoas estão morrendo no trânsito brasileiro — uma marca que vai na contra-mão do que está acontecendo nos países desenvolvidos, que estão conseguindo reduzir cada vez mais o número de mortes em acidentes de trânsito. Um dos exemplos mais bem sucedidos é a Suécia, criadora do conceito Vision Zero, sobre a qual já falamos neste post, e que ajudou a reduzir o número de acidentes em 50% nos últimos 40 anos apesar do aumento populacional e do número de veículos.

Em todo o mundo, a maioria das vítimas de acidentes de trânsito são das chamadas “categorias vulneráveis”, que incluem os pedestres, ciclistas e motociclistas. No Brasil, essas categorias correspondem a 66% das mortes no trânsito, mas com um diferença marcante em relação ao resto do mundo: entre 2002 e 2012, a mortalidade de pedestres reduziu 18% e a mortalidade de ocupantes de automóveis aumentou 32% apesar do aumento de 104,5% na frota, enquanto a mortalidade de motociclistas aumentou espantosos 170% — o que levou o Mapa da Violência a concluir que “a mortalidade continua sua espiral de crescimento praticamente incontrolável, tomando com base quase exclusiva a morte de motocilistas“.

Isso logicamente tem uma relação direta com o aumento da frota de motocicletas ocorrido nos últimos anos, que foi de 4,5 milhões em 2002 para quase 20 milhões em 2012, embora não seja este o único motivo do aumento da mortalidade no trânsito brasileiro.

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Tabela com o número de mortes por ano entre 1996 e 2011

No Brasil temos alguns fatores agravantes em relação ao mundo desenvolvido, que contribuem para essa estatística mórbida. A primeira delas é a formação dos condutores, que já foi chamada de “adestramento” pelo presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho. Nosso processo de habilitação, além de ser insuficiente para formar bons motoristas, ainda é passível de fraudes, como falsificação de assinaturas e listas de presença em aulas obrigatórias.

Mas o nosso problema vai mais além.

Quando se fala em acidentes, a Organização Mundial da Saúde da ONU, e o próprio Ministério da Saúde do Brasil, trabalham com o conceito de mortes evitáveis, que são vidas que poderiam ser salvas nas atuais condições da infraestrutura social e institucional do país. Em outras palavras, alguns acidentes e mortes poderiam ser evitados caso as condições de infraestrutura fossem favoráveis.

Uma boa gestão de trânsito em vez da bagunça institucional que todos conhecemos nas cidades e estados, manutenção permantente da infraestrutura viária, fiscalização eficiente e educativa, e até melhores condições de socorro e atendimento médico-hospitalar aos acidentados — todos esses são fatores que contribuiriam para evitar acidentes e mortes.

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Mas o que se observa, segundo o estudo, é uma inversão de culpa generalizada, na qual muitas vezes as vítimas são responsabilizadas por suas próprias mortes, como se a impunidade não estimulasse as infrações que matam, e a omissão do poder público não deixasse ruas e estradas em condições precárias de tráfego e de segurança. Pense em quantas faixas de pedestres mal iluminadas, ou rodovias com a sinalização desgastada você já viu.

Some tudo isso à questão da insegurança dos veículos brasileiros, que só recentemente começaram a ser submetidos a testes de segurança independentes (com resultados assustadores, inicialmente) e só neste ano passaram a ser obrigatoriamente equipados com airbags e ABS, e você tem o cenário mórbido retratado pelo Mapa da Violência: 46.000 mortes por ano e um aumento de 40% nos últimos dez anos, enquanto o resto do mundo gira ao contrário.

[ Fotos: Milton Jung/Flickr (abertura), Diário do Nordeste (buracos) ]