Crianças são facilmente suscetíveis a estereótipos – adotando ou criando padrões –, e eu não era diferente: anos anos 90, quando pequeno, enxergava as motos de uma maneira muito simples: as motos esportivas, carenadas, eram todas Suzuki. As motos “normais” eram Honda. E as trail eram sempre Yamaha. Aos meus olhos fazia todo o sentido do mundo.
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Hoje, mais velho, entendo que não era totalmente sem motivo. Nos anos 1990 e 2000, a moto esportiva de que mais se ouvia falar era Suzuki Hayabusa. A Honda dominava o mercado das motos pequenas – como faz até hoje, ali – com a CG. E a Yamaha dominava o off-road com a YZ, a DT e a XTZ. E, de fato, foi a Yamaha que, na década de 1970, causou uma explosão na popularidade do segmento dual-sport (ou uso misto, em português) no Brasil: e ela o fez com uma moto bem específica: a Yamaha TT 125, sua primeira trail nacional.
Na época, o mercado de motos fora-de-estrada simplesmente não existia no Brasil. Da mesma forma que hoje, os modelos de baixa cilindrada dominavam as ruas. E a Honda CG125, lançada em 1976, já era a maior força do segmento. Quem não queria uma Honda tinha como alternativa a Yamaha – que, entre o grande público, até hoje é vista como a escolha “do contra”. Eu até gosto desta percepção, e ela teve certo peso no momento em que fui comprar a minha moto.
A oferta da Yamaha entre as motos pequenas era a Yamaha era a RX125 a partir de 1979. Da mesma forma que a Honda CG125, que era derivada da CB125 vendida lá fora, a Yamaha RX125 era uma versão nacionalizada de um projeto estrangeiro, a RS125. Segundo a fabricante, a RS125 brasileira trazia mais de 90% de componentes nacionais – apenas carburador, magneto, embreagem e outros pequenos itens eram importados. Seu desenho era charmoso, e a motocicleta tinha excelente dirigibilidade graças ao baixo peso e à boa ergonomia.
O motor dois-tempos de 123 cm³ era forte (12,5 cv a 7.500 rpm e 1,15 kgfm de torque a 6.500 rpm), robusto e de manutenção simples, além de trazer o sistema Autolube que dispensava a mistura de óleo no combustível. A alimentação ficava por conta de um carburador Mikuni VM24SH e, com diâmetro e curso de 56×50 mm, a moto respondia muito bem em baixas rotações.
A RX era a segunda Yamaha fabricada no Brasil – a primeira havia sido a RD50, lançada em 1974. Na época, a fabricante já planejava lançar uma trail pequena, a fim de repetir o sucesso da Yamaha DT nos Estados Unidos. Este plano foi concretizado ainda em 1979, quando foi lançada a TT125.
O TT não tinha nenhuma relação com o Tourist Trophy da Ilha de Man, muito menos com Time Trial. Era “Todo Terreno” e fazia todo sentido. A TT125 usava exatamente o mesmo quadro da RX125, bem como o motor, que trazia como única diferença o acabamento em preto fosco. O câmbio tinha cinco marchas, como na RX125, mas trazia novo escalonamento, com as marchas mais distantes entre si. Na transmissão, o pinhão de 14 dentes foi substituído por um de 12 dentes, que melhorava o desempenho da moto nas saídas e retomadas.
A suspensão da Yamaha TT125 trazia amortecedores dianteiros com mais curso – 120 mm em vez de 100 mm; enquanto a traseira adotava molas mais firmes, mantendo o arranjo monobraço. O que deixava claro que aquele era um projeto adaptado, e não concebido para o fora-de-estrada, era o posicionamento da saída de escape, igual ao da RX125, que “comia” cerca de 10 cm do vão livre do solo (em uma moto fora-de-estrada, o ideal é ter a saída elevada, logo abaixo do banco). Os freios também eram exatamente os mesmos da RX125, com tambor de 70 mm na dianteira e na traseira.
Esteticamente era o campo no qual a TT125 se distanciava mais da RX125. A inspiração eram as motocicletas de trilha vendidas lá fora, traduzindo-se no para-lama elevado de plástico com fendas na parte traseira, no tanque mais “empinado”, e no formato da rabeta. Era como uma versão em miniatura da TT500 – esta sim uma moto trail de verdade, que não podia rodar em vias públicas – vendida nos EUA e no Japão. Até mesmo o esquema de cores era semelhante.
A Yamaha TT125, com seu pioneirismo, foi razoavelmente bem sucedida e encorajou a Yamaha a seguir com a expansão de sua linha. Já em 1980 foi lançada a RX180 – uma versão com motor de 176 cm³ da RX125, sendo que o deslocamento fora obtido com o aumento no diâmetro e no curso do pistão (64,5×54 mm). Com 17,6 cv a 7.500 rpm e 1,6 kgfm de torque a 6.500 rpm, este motor também foi aproveitado na DT180, a sucessora da TT125, que chegou ao mercado em 1981, convivendo com a TT125 até 1983.
É bastante difícil encontrar uma TT125 à venda hoje em dia – ela foi vendida por pouco tempo e muitos proprietários seguiram à risca a proposta “todo terreno” da pequena trail. Com isto, boa parte delas simplesmente foi usada até acabar ou modificada para trilhas mais radicais. Até porque ela praticamente implorava para isto, com seu design minimalista inspirado no motocross.
Isto é um pouco triste, pois eu adoraria ter uma dessas na garagem. O visual limpo é justamente o que eu acho interessante nos projetos custom que se vê bastante hoje em dia, em uma pegada quase scrambler. Ela também era bastante leve – só 92 kg, exatos 39 kg a menos que a minha Crosser – e, claro, tinha o delicioso ronco de moto 2T que se pode ouvir no vídeo acima.
Eu não faria nada nela – deixaria completamente original, e cuidaria apenas da manutenção preventiva. Seria um pedacinho da história da Yamaha no Brasil guardado por mim com todo o carinho do mundo.