Você chega a um posto de combustível para calibrar o pneu e topa com aquele calibrador meio capenga, com a mangueira ressecada e a válvula mal encaixada. É bem provável que isso já tenha acontecido com você, e é provável que diante dessa situação, você tenha achado melhor deixar para depois.
Pois então… agora a Câmara dos Deputados aprovou recentemente um projeto que visa acabar com esse “problema” que afeta milhões de motoristas brasileiros. O Projeto de Lei 376/2011, de autoria da deputada federal Nilda Gondim, prevê a manutenção periódica obrigatória (por órgão fiscalizador a ser definido) de equipamentos de calibragem de pneus sob pena de multa aos que oferecerem um calibrador desregulado ou em mau estado.
A base para o projeto de lei foi uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília que observou ou comportamento dos pneus quando utilizados com pressão diferente da ideal. A pesquisa concluiu, resumidamente, que pneus descalibrados prejudicam o meio ambiente por terem sua vida útil reduzida, causam aumento de até 10% no consumo de combustível, e podem resultar em um prejuízo de até R$ 4.000 em três anos devido a esses fatores, além de trazer riscos à segurança.
A pesquisa também concluiu que muitos calibradores disponíveis ao público ficam desregulados, o que leva os motoristas a calibrar incorretamente seus carros. Assim, esses equipamentos mal-ajustados comprometem a segurança dos ocupantes do veículo e prejudicam o desempenho do automóvel. Como não há lei que obrigue a manutenção e regulagem desses equipamentos, nem fiscalização obrigatória e periódica, a deputada (e seus assessores) elaboraram este projeto de lei que visa garantir a segurança dos motoristas ao menos em relação à conservação e utilização dos pneus.
A intenção, como sempre, é nobre. Mas a proposta é um tanto controversa. Em primeiro lugar por que os calibradores são uma cortesia dos estabelecimentos, um chamariz para trazer motoristas e faturar algum dinheiro com outros serviços. É por isso, também, que bons postos têm interesse em manter o equipamento em bom estado.
Depois, há a questão da obrigatoriedade: você não é obrigado a calibrar seus pneus em um calibrador oferecido ao público, da mesma forma que postos e borracharias e oficinas não são obrigados a oferecer o serviço. A partir do momento em que o calibrador tornar-se um gasto inconveniente (com manutenções frequentes e multas), os estabelecimentos podem optar por deixar de oferecê-lo — ainda que isso implique no risco de perder clientes. Nesse caso, a lei teria um efeito adverso, levando à escassez de pontos de calibragem ou à cobrança pelo serviço.
Na verdade, você nem é obrigado a calibrar os pneus — o que as leis de trânsito exigem é que seu carro esteja em boas condições de rodagem e, a menos que seu pneu esteja completamente vazio, você dificilmente será multado por isso.
Por último, ainda que os calibradores estejam regulados, não existe uma forma de fiscalizar se o proprietário do veículo estará usando a pressão correta. Os motoristas têm a liberdade de calibrar seus pneus com a pressão que bem entendem, de acordo com seu gosto pessoal de condução. Não será um calibrador regulado ou desregulado que mudará isso.
Infelizmente, todos os anos morrem mais de 35.000 pessoas em acidentes de trânsito. As causas são conhecidas: falta de perícia/atenção, excesso de velocidade, alcoolismo e ultrapassagens proibidas/forçadas. Boa parte desses fatores já tem leis que visam coibi-los, mas a fiscalização ainda se limita a radares e ações pontuais de abordagem (blitze). A formação de condutores é reconhecidamente fraca, e não faltam escândalos de fraudes no processo. Contudo, até agora os poucos projetos de lei para melhorar a qualidade do processo de formação não foram adiante. A própria Câmara dos Deputados rejeitou a obrigatoriedade dos simuladores em auto escolas, por exemplo.
Uma lei como esta simplesmente não faz sentido. O número de acidentes graves relacionados a pneus descalibrados ou mal conservados é tão reduzido que sequer consta em estatísticas. Mas se a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei, é por que os legisladores acreditam que isso pode fazer alguma diferença — ainda que isso exija recursos públicos para ser efetivamente executado. Agora o projeto será levado ao Senado Federal, onde passará pelas comissões que verificarão sua viabilidade, aplicabilidade e plausibilidade. Caso seja aprovado, depois de 30 dias ele estará publicado no Diário Oficial da União, e será transformado em lei.
A íntegra do projeto pode ser acessada neste link.