Eduardo Cenci é engenheiro automotivo e piloto. Atualmente, ele é o brasileiro com o maior número de voltas em Nürburgring Nordschleife — foram pouco mais de 1.000 voltas. Ele também é um dos embaixadores da Subida de Montanha no Brasil e, claro, um membro do Clube FlatOuter.
Cenci participou neste ano das Subidas de Montanha de Grão-Pará e da Serra do Rio do Rastro. Nesta última, a terceira edição da subida, ele terminou em segundo lugar geral e também foi um dos dois pilotos, ao lado de Iures Delfino, que superou a marca do neozelandês Rhys Millen, ficando em segundo no desafio.
Uma característica dos carros de Cenci, é que todos eles eram estritamente originais de fábrica, sem modificações para otimizar a performance. Nesta matéria, ele conta por que optou por não modificar nenhum de seus carros, em vez disso priorizando o desenvolvimento de habilidades como piloto, trazendo um ponto de vista antagônico à noção generalizada de que o desempenho vem com as modificações no carro.- Leo Contesini
Any specific mods in the future?/ Tu pretende mexer algo no carro?
Me permitam a licença poética de não ser tão sucinto. Um dos meus objetivos aqui é prover uma perspectiva diferente. Este é um papo longo, mas não uma verdade absoluta — ele pode conviver em paralelo com outras práticas. Mas ofereço este ponto de vista como uma reflexão importante neste mundo de hoje de 1.000 cv, em que você só está fazendo algo significativo se está gastando rios de dinheiro, modificando veículos e muitas vezes comprometendo a confiabilidade e facilidade em ganhar horas de vôo. Porque a vida não tem segredo: horas de voo trazem experiência.
Novamente, tome esta pensata como “food for thought”, alimento para reflexão, e absorva o que fizer sentido para você, pois, repito, não se trata de uma verdade absoluta. Cada sub-tópico uma longa discussão, mas vou buscar ser sucinto em cada um.
Participo de trackdays no Brasil há 20 anos. Uma constante nestas duas décadas? Veículos originais. Bem nascidos, mas originais. Mazda Miata, Subaru BRZ, e agora um Porsche 718 Cayman GTS 4.0. Nenhum teles tem sequer a geometria de suspensão é fora da especificação original de fábrica. Claro, são carros esportivos bem-nascidos e pouco acessíveis para a maioria dos brasileiros.
Mas tudo começou com um Ford Focus Duratec Mk1.5 e uma frequência de a cada seis anos usando uma nova configuração mecânica para incrementar o desafio e absorver novas características dinâmicas de cada uma. Além disso, às vezes os pneus saem do range original do projeto, mas é uma licença para resistir à tentação de modificar o carro inteiro.
São passos de bebê. Vinte anos de foco na melhora pessoal de maneira incremental. É assim: você começa sempre muito aberto a se assumir ignorante em como fazer as coisas, usa referências de comportamento dinâmico — aqui começou com o sensacional Ford Focus Duratec Mk1.5, mas hoje em dia o Sandero RS é um equivalente para quem pretende entrar nessa —, e tenta sanar o que é “ruim” não pelo upgrade do carro, mas por um upgrade do piloto: refletindo sobre como a sua tocada está contribuindo para o desempenho do carro e quais ferramentas (técnicas de direção) você tem disponíveis para remediar os “problemas”.
O que chamo “referências de comportamento dinâmico” são aqueles carros que gente muito mais capaz que eu considera bons. E de layout em layout (FF, FR, MR) você senta no carro e sua primeira reação quando algo não acontece como esperado não é “o que mexer no carro?”, mas sim “o que mudar em minha tocada?” Você descobre que algumas coisas são inerentes a cada layout e você tem que aceitar. Tentar contornar alguns comportamentos vai apenas salientar o cobertor curto que é a engenharia automobilística. Faça tudo sem pressa, um passinho incremental atrás do outro.
A pressão por resultados específicos não vai ser incremental. Hoje tenho 1.034,5 voltas (mais de 21.000 Km) no Nordschleife de Nürburgring sem nenhum incidente com qualquer tipo de dano no veículo, sem tirar uma vez o motor de giro. Mas nunca, nunca coloquei o celular cronometrando a volta como referência, e filmei pouquíssimas voltas pois entendo o que me causa a pressão de “parecer bem na imagem” e quais os riscos da pista.
Harmonia. Este é o desafio almejado quando um carro é desenvolvido na indústria. Você pode melhorar um carro? Sem dúvida, sobretudo se o desejo é torná-lo dedicado a uma finalidade. Tenho o maior respeito e admiração aqueles que querem se desafiar nestas maratonas. Porque a busca da harmonia lhe levará a uma sequência sem fim de alterações.
Sem alterações, contudo, o que tens à frente é absorver detalhes, as minúcias, e ir entendendo o que faz um bom projeto. Dispensar as alterações te faz ganhar sensibilidade. Faz refletir sobre os prós, contras, e limites. Normalmente com a redução do risco da frustração de se fazer fazer todo esforço para participar de um evento… e o carro quebrar nas primeiras voltas.
Conforto. Você tem que fazer aquilo que lhe deixa confortável. É no “tentar ir além” — qualquer que seja o motivo, seja para impressionar alguém ou parecer bem para uma câmera — que problemas acontecem. Mas você não liga a chave do conforto ou grita para alguém “ficar confortável”. Você tem que trabalhar para ganhar conforto.
Para a terceira edição da Subida de Montanha da Serra do Rio do Rastro eu tinha um desafio: estar confortável em um carro totalmente novo. Um novo layout (MR) com o dobro de potência à qual eu estava acostumado, com apenas duas semanas de ambientação. Expatriado por um período curto na Alemanha, resolvi fazer uma boa caipirinha com os limões dados.
A estada se converteu em 325 voltas em 12 semanas no Nurburgring Nordschleife em um carro de tração traseira extremamente ágil, ajustável e de altíssima performance (sub-8 BTG), todas com ESP desligado. Foram muitos dias com mais de 30 voltas, saindo com as mãos tensas ao ponto de estarem doloridas, até que fui ganhando mais conforto. Todas voltas fazendo a Adenauer Forst de lado. Agradeço ao Léo Zanardi, da Nurblif, por umas voltas no carro e pelas dicas preciosas!
A Tesla tem o “Dojo” como supercomputador para treinamento das redes neurais de seus códigos. Para mim, o Nürburgring Nordschleife é um ambiente incomparável para rodar o maior número de iterações e treinar as suas redes neurais para um número enorme de condições dinâmicas, de pista e de gerenciamento de tráfego.
Risco. Obviamente em provas de Subida de Montanha há um risco grande de incidentes. Mas risco você gerencia e, particularmente, tenho baixíssima tolerância a alto risco. No Brasil, eu tinha apenas duas semanas para a ambientação com o carro da vez, o Porsche 718 Cayman. Decidi estruturar em três passos factíveis para mim: kartódromo local, campo de provas e pista. Nessa ordem, deslocando o veículo por cerca de 3.500 km para isso e, no processo, ganhando conforto na estrada com o manejo dos pedais, comandos, com a relação de marcha, potência, comportamento da suspensão etc. Aqui agradeço o pessoal do Dia de Pista e Overdrive.
No Kartódromo Speedway, em Balneário Camboriú/SC, pude desligar pela primeira vez os controles eletrônicos de estabilidade e entender o comportamento básico do carro e eletrônica “desligada”. Ainda não falei aqui, mas por sete anos fui engenheiro de calibração/aplicação de ABS/TCS/ESP. No jargão popular, fui “piloto de testes”. Dividido entre a paixão — por literalmente ajudar a salvar vidas e fazer carros divertidos seguros — e a necessidade de poder desligar “tudo” para uma experiência no limite com comportamentos previsíveis em que eu possa entender que o mérito do controle é meu.
Mas enfim, vi que com “tudo desligado” a luz espia do ESP pisca muito no painel, mas não percebi subjetivamente qualquer limitação de torque do motor ou de controle/amortecimento de ângulo de guinada. Leia-se: o carro roda e nada te salva. Nas transições de drift de um lado para o outro também (em que uma intervenção seria perigosa em não lhe permitir fazer o que pretendes) nenhum amortecimento subjetivamente percebível enquanto em controle. Chamamos de yaw damping, amortecimento do ângulo de guinada, as intervenções que tentam limitar a amplitude e maneira como o carro está rotacionando/girando (graus/segundo).
Mais alguns papos com colegas da indústria, observações em testes posteriores, e o que mais vai estar presente é o diferencial ativo por freio. Apesar do veículo ter um diferencial de deslizamento limitado (LSD), é normal ainda existir uma camada posterior de controle eletrônico pelo freio. No BRZ isso desliga completamente, mas com um diferencial Torsen Tipo 2 isso faz o veículo literalmente parar de acelerar nas curvas de hairpins/grampos com uma roda no ar. Então no caso concreto do 718 GTS 4.0 Manual: o que permanece te dá mais performance de aceleração, ainda provém um comportamento super previsível e orgânico, então está aprovadíssimo. Não tenho um estagiário alemão me dizendo que aquilo que quero fazer com o carro está errado.
Agradeço aqui a sempre calorosa receptividade no CTVI em Iracemápolis/SP. Lá pude perder o controle umas três vezes na VDA (vehicle dynamics area, área de dinâmica veicular) e entender que com 400 cv agora preciso modular o acelerador para manter um drift em ângulo elevado. Me fez ficar incrédulo com 1.0-1.1g de aceleração lateral atingidos em asfalto encharcado (na perfeita homogeneidade da superfície do VDA do CTVI, o maior VDA alugável do Brasil). Também perceber o quanto o carro é sensível e responde a pequenos inputs: soltar o acelerador é suficiente para fazer a traseira sair mas ao mesmo tempo com uma progressão tão linear e comunicativa que lhe dá tempo para decidir lentamente o que queres fazer.
Já na pista de handling, que seguindo o frequentemente praticado na indústria não tem muita área de escape, dei quatro voltas e parei. Parei e coloquei as mãos da cabeça, sem exagero. Depois de muito estudar e trabalhar com dinâmica veicular, explorar comportamento limite, agora finalmente entendi o que é um carro excepcional. Uau! É inacreditável o quanto você consegue fazer com o carro com tão curta ambientação e a diversão que ele te proporciona.Cavaleiro e cavalo como um só. Ou “Jinba Ittai” em japonês, um dos princípios fundamentais usados no desenvolvimento do Mazda Miata MX-5 desde seu princípio na década de 1980. Essa expressão descreve bem o nível da interação atingido em um veículo intuitivo e que rapidamente parece uma extensão sua.
Agradeço aqui a gentileza concedida pelo amigo Cacá Clauset, em conseguir espiar o grande projeto da atualidade, o Raceville. Dez voltas para conhecer a pista mas principalmente para andar com o carro no limite em velocidades maiores e em um espaço com maior margem de segurança. Embora o aprendizado com o carro fosse a prioridade, a experiência de levar uns amigos a uma pista dedicada e em um pulo almoçar uma feijoadinha em um restaurante de fazenda foi sensacional. Pista com mudanças de elevação bastante acentuadas, uso rico de cambagem, pontos de track-out cegos, sequências complexas de diferentes elementos misturados… uma pista não trivial, veloz, extremamente divertida, desafiadora, em que os tempos não vêm fáceis. Essas são as pistas que te prendem e fazem querer voltar.
Calibração. Tudo isso serve para você treinar seu cérebro, calibrá-lo, aos comportamentos de um veículo. Ao final você constrói um modelo mental e para cada input você já sabe o que o carro vai fazer, lida no momento com a diferença (como proveniente da condição do piso) e a usa para fazer a calibração fina on-the-go do controle ao modelo. Seu objetivo também é que a tarefa de guiar o veículo no limite ocupe ali talvez 60% da sua capacidade mental.
Como em um processador focado em respeitar o tempo de iteração de cada ciclo, chegar nos 100% significa começar a atrasar o processamento de diferentes tarefas levando a um desastre em cadeia. Você precisa da margem, da capacidade inerte de raciocínio, para lidar com o inesperado, ter sensibilidade para notar algo de errado no veículo, e estar o tempo inteiro confortável. E acredite, o desafio de uma subida de montanha é muitas vezes ~80% mental. Exige um nível de concentração extremamente alto.
Você treina para lembrar de respirar fundo em alguns pontos do traçado onde existem retas mesmo que diminutas. Isso abaixa o batimento cardíaco e por consequência melhora a precisão de seu controle motor. Medicamento para baixar batimento cardíaco é considerado doping na olimpíada por algum motivo.
Leitura de terreno. Para a primeira edição do evento (com o Subaru BRZ, em que acabei sendo P2 Geral e P1 no Desafio Rhys Millen) minha preparação principal foi um curso de rali. A famosa escola Team O’Neil não é muito longe de onde trabalho e moro nos EUA, e acabei fazendo dois treinamentos em diferentes datas. Um dedicado, no qual pedi foco em tração traseira.
Outro parte do programa de cinco dias de treinamento deles, onde consegui pular os dois primeiros dias. Fiz cerca de 30 treinamentos de direção dos mais diferentes tipos, mas nunca fiz algo que, no fim, me deixou tão embasbacado, incrédulo com o que estava fazendo ao final. Estar.. “FlatOut”, de lado, em trechos estreitos de terra com máquinas agrícolas ao redor, valetas, árvores, é uma coisa louca demais. Lá, três coisas se salientaram: primeiro, o básico de leitura de terreno do rali para antecipação do que vem adiante usando elementos que estão à sua volta, como copas de árvores.
Segundo, o lembrete de que: você vai para onde está olhando e deve manter o olhar distante. E isso é válido (o que só torna o ponto mais robusto) para um mundo de atividades, de categorias do automobilismo (da pista, drift ao rally), até a pousar um avião ou outros esportes (como esqui na neve). Você vê o benefício disto com o exemplo que nas provas de subida de montanha (Rio do Rastro, inclusive) eu não sei o trajeto de cor, simplesmente olho, leio o terreno e vou. Decoro pouquíssimas curvas por ordem te prioridade: Prioridade 1, onde posso me acidentar, leia-se curvas cegas ou de raio decrescente. Prioridade 2, onde poderia ganhar tempo e fazer as curvas mais rápido que antecipado. Mas, o quanto mais você decora, mais exposto fica a falhar em recordar com exatidão e portanto se acidentar. Claro, você também faz um reconhecimento lento para entender existência de buracos, viabilidade de utilização de acostamento etc.
Terceiro, a enorme utilização da frenagem com o pé esquerdo no rally. Você é apresentado a uma infinidade de situações que pode usar o pé esquerdo no freio como ferramenta de controle do veículo.
Frear com o pé esquerdo. Em 2019 decidi aprender a frear com o pé esquerdo com um ano de foco nisso, fazendo qualquer deslocamento para afazeres diários treinando. Se você começar, não vai entender porque não começou antes. Para mim, foi questão de apenas disponibilizar o pé em cima do pedal ao seu cérebro, o resto foi automático.
Vejo a frenagem com o pé esquerdo tanto uma ferramenta para aumento na segurança viária, na condução em situações triviais do trânsito, quanto uma ferramenta de performance pura. Não me entenda mal: haverá uma infinidade de pilotos muito mais capazes que eu que não o fazem, novamente estou aqui provendo uma perspectiva adicional.
Primeiro: tempo de resposta. É incomparável e uma vantagem competitiva irremediável. Importante para uso no trânsito urbano, na engenharia em testes com sistemas automatizados de direção (especialmente SAE nível L2+ e acima), e na pista para lidar com imprevisibilidades ou gerenciamento agressivo, mas seguro de tráfego.
No trânsito urbano, use ao cruzar uma região com faixas de pedestres oclusas por carros estacionados, transitar por estacionamentos, ultrapassar uma faixa de caminhões mais lentos que possam mudar de faixa abruptamente, o valor na segurança viária é enorme.
Em testes na indústria, você consegue conter acelerações involuntárias, perdas de objetos alvo pelos sensores, e também lidar com o desempenho sub-ótimo da calibração dos sistemas em fases pré-série. Na pista, você tem vantagem no gerenciamento de tráfego e consegue ser mais agressivo na proximidade com os outros competidores porém de maneira mais segura.
Porém onde a vantagem competitiva se faz ainda mais saliente são em ambientes com imprevisibilidade de pontos de frenagem, existência/intensidade/formato de curva, imprevisíveis níveis de aderência e necessidade de controle do veículo no limite com menos margem de erro em situações que também incluem saltos, irregularidades, e toda maluquice que você vai achar em rally ou… em uma subida de montanha longa como no Rio do Rastro. Mesmo incerto da geometria da curva, você pode ter velocidade de entradas as vezes acima da correta porém com a segurança da constante ajustabilidade provida pela técnica.
Segundo, controle do veículo: Tenho vídeos no meu canal fazendo também “ESP no pé” — claro que você está muito mais limitado — mas consegue escapar de muitas situações de sobresterço, subesterço, ou transições estabilizando e/ou ajustando a atitude do carro com o freio. Colocar carga no eixo dianteiro por intermédio da frenagem possibilita “fabricar grip” de uma maneira surpreendente em todo tipo de superfícies em entrada de curvas, sem falar na habilidade de rotacionar o veículo. O rally usa muito em antecipação a saltos gerenciando a compressão da suspensão e em trechos que você quer adicionar estabilidade mesmo com aplicação em paralelo do acelerador. E aqui, muito obrigado as montadoras orientadas a ainda tolerar alguma aplicação paralela dos pedais sem imediatamente cessar a entrega de torque do motor.
Prazer. Quando o prazer, a realização, vem do nível de interação seu com o veículo, é muito mais fácil e talvez barato estar satisfeito e realizado. Quando vem primariamente do tempo de volta você precisa cuidar bastante. E aquele pneu que tem aquele rendimento perfeito e vira temporal mas por apenas um determinado número de voltas e dentro de um determinado número de ciclos térmicos? Vai lhe colocar numa obsessão, preocupação e regime de gastos bem diferente.
A conclusão é fácil, muitas vezes quem tem o bolso mais profundo vai andar mais rápido e o custo x benefício deste caminho precisa estar claro desde o início. Talvez relaxe a obsessão em ser o primeiro, vá andar o máximo que puder, ganhar experiência, encontrar mais carros em pista, melhorar sua performance e tenha o prazer em conseguir ter o carro cada vez mais no seu domínio? Novamente não é o único caminho nem irá vestir a todos, mas vale conhecer sua existência.
Andar no limite em si pode ser muitas vezes a tônica. Um veículo se comporta de maneira exponencialmente mais sensível, responsivo e comunicativo quando no limite. Essa interação é por si só extremamente prazerosa e lhe provém um senso de realização único. Eu prefiro guiar um carro lento no limite que um carro rápido abaixo do seu limite. E se você foi meu passageiro em qualquer volta que ofereço de “Taxi” em eventos, possivelmente escutou: “E aí? Ficou em algum momento preocupado com o tempo de volta?
Leniência. Felizmente, ser um pouco macaco velho nos trackdays desde os idos dos fóruns (OktaneClub, NDA, HCC etc) e ir construindo relacionamentos, mostrando cuidado e respeito aos outros participantes, permitiu em pista conseguir se expor com frequência a condições de sobreesterço. No início você vai rodar um pouco, mas eu vejo como fundamental para conseguir dirigir um veículo no limite com segurança e conforto.
Motor central, tração traseira. Maior porção do peso no eixo traseiro comparado a um layout FR (Motor dianteiro, tração traseira). Menor momento polar de inércia, significando “maior facilidade” em “rotacionar”, em girar. Estes itens teóricos explicam algumas coisas, comparando com um veículo de Motor Dianteiro, Tração Traseira. Em uma primeira impressão o carro pode parecer bastante subesterçante (“saindo de dianteira”) se você não “carregar” a dianteira em entradas de curvas (precisa de técnica aplicada ou o carro passa muito menos confiança).
A tração é muito melhorada e mesmo em burnout o carro empurra muito para frente, ótima sensação em um tração traseira a ser superada apenas por um veículo com motor traseiro (olá 911). É impressionante o quão sensível a pequenos inputs o veículo é no limite, o que é delicioso para justar sua atitude em qualquer situação sob-demanda. O carro faz muito mais o que você quer com muito mais facilidade. A dicotomia de que ele teoricamente deveria rodar com extrema facilidade ainda preciso compreender, pois isso não acontece talvez tamanha a comunicabilidade passada ao motorista.
Porsche. Recentemente ouvi de alguém da área da educação algo mais ou menos assim: “Muitas pessoas não vão mais para Harvard pela qualidade do ensino, mas apenas pelo nome adicionado ao currículo, pelo status que dá”. Vou entediar bastante a maioria se tentar explicar os motivos para adquirir um Porsche, que não de status social mas de predicados técnicos. Já fazem mais de 10 anos, em um bar na Suécia cheio de engenheiros em testes de inverno, que conversei com um da marca trabalhando na obsessão deles de ter uma direção elétrica com um comportamento, um feedback, que se mantém constantemente na liderança e benchmark para toda indústria.
Naquele momento a Porsche já tinha — reconhecidamente pela crítica — a melhor direção elétrica de maneira disparada, mas isso não parecia significar nada. A Porsche já estava trabalhando numa versão muito melhor, ao que me contava o entusiasmado e orgulhoso engenheiro. O foco na melhoria contínua da performance, do feeling subjetivo, da robustez em todos sub-sistemas de um veículo é ímpar na indústria automotiva.
É sensacional ter a chance de conhecer o que é uma das melhores transmissões manuais do mundo. Um dos melhores powertrains aspirados da atualidade, com suavidade, linearidade e sonoridade ímpar. Uma das melhores suspensões do mundo, que ninguém de fora parece entender a magia negra de uma McPherson em cada canto se comportar com tamanha latitude de conforto e performance. Um projeto que já começa na teoria, no papel, seja pelo centro de gravidade, seja pela disposição das massas, como sensacional.
Experimentar esta harmonia é estar diante de um unicórnio. Uma confluência de fatores raríssimos que estão trazendo perenidade a um grupo de pessoas que se reúnem para juntas com um mesmo objetivo: de constantemente melhorar com muita seriedade e esforço um automóvel. Aproveito para agradecer todo suporte das oficinas nestas corridíssimas duas semanas: Porsche Stuttgart, Eurocar em Blumenau/SC, Stradale em São Paulo/SP.
Você não precisa de muito para começar. “Ah mas com um BRZ, um GTS originais, é bem diferente!”. É verdade. Ao mesmo tempo a pressão popular para “mexer” no “manco” BRZ sempre foi enorme. E como assim, não vai colocar um escape no GTS? Só estamos aqui com uma jornada que iniciou no Ford Focus, e o Renault Sandero RS é hoje tão referência dinâmica quanto estes carros muito mais caros, apenas em um layout diferente. Sandero RS, Ford Focus, Ford Fiesta, Ford Ka, o mercado de usado tem pontos de partida para todos bolsos.
Os anos 2000 foram ricos de ótimos hatches, como o Chevrolet Astra e o VW Golf, também. O meu ponto aqui nunca vai ser desmerecer carros preparados. Pelo contrário. Alguns dos carros mais legais existentes são nada originais, e meu lado hoonigan me puxa para algum dia ainda ter um carro de Gymkhana (sem falar da vontade de andar no Chevette R37 do nosso amigo Ricardo Gouveia!).
Meu ponto é que as vezes a cultura do “tem que mexer” restringe muito a diversão que é levar um carro a pista. Há uma pressão popular que nem todos conseguem suportar para desmerecer quem não gastar muito dinheiro em “melhorar” seu carro. Falo como dono de um Miata original há 12 anos — a zoeira dos amigos nunca termina. A obsessão por tempo de volta tem seu lugar (como no fantástico MBR) mas aplicada de maneira ampla afugenta quem não tem condições de acompanhar os custos e frustrações inerentes do processo.
Também tento mostrar o quão capaz são projetos originais e o valor que existe na ampla validação deles. E ao mesmo tempo demonstrando que você não precisa de muita parafernália acessória. Aqui, portanto, encerro meu caso — principalmente aos que hoje iniciam sua exposição ao mundo os automóveis em pista — dizendo que você pode ser um cara legal também sem mexer nada no seu carro. Vá pra pista se divertir e ande até dizer “chega!”
E porque toda esta pensata em um texto da Subida de Montanha? Porque nada é muito por acaso, e os vídeos com a tocada legal só existem com todo trabalho e mentalidade acima.
Quanto à Subida de Montanha no Brasil e o evento? Bem… sou suspeito para falar. Acho que, com a subida de montanha, temos à mão algo que podemos — como brasileiros — ter orgulho em um nível de destaque mundial.
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