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Automobilismo

Nelson Piquet, 70 anos – a “pré-história”

No dia 30 de julho de 1978 Nelson Piquet Souto Maior estava a pouco mais de duas semanas de completar 26 anos de idade. Naquele dia o piloto brasileiro alinhava para sua primeira corrida na Fórmula 1. Ninguém podia dizer ainda, mas ele se tornaria o primeiro brasileiro a se tornar tricampeão mundial — e um dos 10 maiores campeões da categoria. Bem… tudo tem um começo, não?

Nelson Piquet nasceu em 17 de agosto de 1952 na cidade do Rio de Janeiro, mas sua família mudou-se para a Brasília, a então recém-inaugurada capital brasileira, em 1960. Assim, Piquet passou boa parte da infância e da juventude nas ruas largas e vazias da nova capital nacional. Foi uma escola: muitas ruas, muito espaço, poucos carros, pouca gente e pouca patrulha. No asfalto recém-curado de Brasília, Piquet, digamos, exercitou suas habilidades.

O pai do futuro piloto era Estácio Gonçalves Souto Maior, médico e entre 1961 e 1962 foi Ministro da Saúde no governo de João Goulart. Nelson começou a jogar tênis aos 11 anos de idade, e jogava bem, chegando a vencer alguns campeonatos no Brasil e recebendo um convite para jogar nos EUA, com direito a uma bolsa de estudos em Atlanta. Além de aprender inglês, Nelson também chegou à conclusão de que o tênis não tinha emoção o suficiente. Especialmente depois de voltar ao Brasil e disputar provas de kart.

Seu pai não gostava da ideia , e queria que Nelson seguisse a carreira de tenista profissional. Havia motivos compreensíveis: seus dois irmãos mais velhos, Alexis e Geraldo, já tinham se envolvido em acidentes – Alexis bateu durante uma corrida e Geraldo sofreu uma queda de moto e machucou a cabeça.

Por isso, em seus primeiros anos nas pistas, ele usava o sobrenome da mãe, Clotilde Piquet – assinado como “Piket” para esconder sua identidade. Como pretexto para viver fora de casa, atrás dos carros, ele se matriculava em todos os cursos que encontrava. Quando o pai de Nelson descobriu o que o filho andava fazendo, disse a ele que jamais daria um centavo para ajudá-lo na carreira de piloto.

Aos 19 anos Nelson “Piket” conquistou seu primeiro título, no Campeonato Estadual de Kart de Brasilia. Em 1971 e 1972 ele foi Campeão Brasileiro de Kart, mas a falta de apoio financeiro da família lhe obrigou a financiar-se por seus próprios meios se quisesse seguir carreira.

Assim, em 1974 Nelson Piquet abandonou a faculdade de engenharia mecânica no segundo ano para ir trabalhar em uma oficina — a famosa Camber, de Alex Dias Ribeiro (sim, aquele Alex Dias Ribeiro) ao lado de Roberto Pupo Moreno (sim, aquele Roberto Pupo Moreno).

Alex Dias Ribeiro na Camber

Foi nessa época que ele participou do seu primeiro GP de F1, uma prova extra-calendário que inaugurou o autódromo de Brasília. É claro que, aos 22 anos, ele não pilotou. Foi mecânico de Carlos Reutemann, a quem superaria sete anos depois para ganhar seu primeiro título na F1.

Piquet, Moreno e o Brabham BT44 de Carlos Reutemann

Ainda naquele ano ele começou a competir em provas de fórmula Super Vee, categoria para monopostos com motor VW boxer 1600, e fez contatos que ajudaram a alavancar sua carreira: o mecânico Ronni Rossi, que lhe fornecia peças, o advogado Eduardo Prado, que lhe prometeu patrocínio caso o piloto conquistasse o título naquele ano, e Emerson Fittipaldi, campeão de Fórmula 1 em 1972 e 1974.

Fittipaldi aconselhou Piquet a mudar-se para a Europa tentar a sorte por lá. Em 1977, com o dinheiro dos patrocinadores contado, embarcou no avião para disputar a Fórmula 3 europeia.

Nelson Piquet e Chico Serra
Nelson Piquet na largada da etapa de Brands Hatch da Fórmula 3 britânica

Das 14 corridas na temporada Nelson Piquet venceu duas, e seu desempenho geral foi suficiente para ficar com o terceiro lugar na classificação geral, atrás apenas do italiano Piercarlo Ghinzani e do sueco Anders Olofsson.

Mesmo morando em um ônibus, como contou ao jornal canadense The Montreal Gazette em 1981 – “meu carro ficava guardado atrás do ônibus, eu tinha uma cama no fundo e uma geladeira na frente”, dizia Piquet – o piloto brasileiro seguia firme para construir sua reputação. Experiência era fundamental, e a estreia na Europa lhe permitiu conhecer melhor muitos dos circuitos que recebiam a Fórmula 1.

Em 1978 ele passou a competir na circuito britânico de Fórmula 3, que tinha mais visibilidade. O que era perfeito, pois Piquet venceu oito das 17 corridas, seis delas em sequência, e sagrou-se campeão em solo internacional pela primeira vez.

Nelson Piquet quebrou o recorde de vitórias em uma única temporada, que pertencia a Sir Jackie Stewart, vencedor de sete corridas na edição de 1964 da Fórmula 3 britânica. Foi o suficiente para que ele começasse a ser notado pela elite do automobilismo, o que lhe abriu os portões da Fórmula 1.

Três equipes britânicas entraram em contato com Nelson Piquet para lhe oferecer uma chance: a McLaren, a BS Fabrications (que competia usando carros fabricados pela McLaren) e a Ensign Racing. Foi esta última que fez a proposta mais interessante a Piquet: um lugar no Grande Prêmio da Alemanha de 1978, em Hockenheim, 11ª das 16 corridas da temporada.

A Ensign Racing era uma equipe pequena, que havia estreado em 1973 bancada por um piloto pagante, Rikky Von Opel – que, como curiosidade, era bisneto de Adam Opel, fundador da fabricante que leva seu sobrenome. A Ensign jamais venceu uma prova nos dez anos em que competiu na Fórmula 1, abandonando a categoria após a temporada de 1982. E, para falar a verdade, a estreia de Nelson Piquet na equipe definitivamente não saiu como esperado.

Com um carro apenas razoável, o Ensign N177, que era movido por um V8 Cosworth DFV como a maioria dos monopostos no grid mas sofria com aerodinâmica fraca, Nelson Piquet classificou-se na 21ª posição. Era uma temporada disputada: a Lotus estava em seu auge, com Mario Andretti e Ronnie Peterson na ponta, e Niki Lauda, na Brabham, estava na terceira posição. Emerson Fittipaldi, com sua própria equipe, largou em décimo. Havia ainda Alan Jones na sexta posição pela Williams e James Hunt largando em oitavo pela McLaren.

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A corrida começou bem para Peterson, que ultrapassou o colega Andretti logo na primeira volta, mas Andretti logo recuperou o posto no quinto giro. Logo atrás, Niki Lauda e Alan Jones alternavam o terceiro e o quarto lugares até que o motor de Lauda parou de funcionar na 11ª volta. Jones teve de abandonar a corrida na volta 31, depois de um problema com o sistema de injeção. James Hunt deixou a corrida depois de entrar em nos pits pelo lugar errado. Ronnie Peterson saiu na volta 36 por problemas no câmbio. Assim, um a um, os favoritos foram deixando a prova.

Bom para Nelson Piquet, que manteve ritmo constante e subia posições sempre que um colega abandonava a corrida. Obviamente ele não esperava uma vitória àquela altura: sua estratégia era acumular “horas de voo” e ao menos terminar sua primeira corrida. Mas não deu.

O motor do Ensign N177 já não ia bem havia algum tempo e abriu o bico na volta 32, com Piquet na 12ª posição e apenas 16 carros na pista dos 24 que largaram. Dito isto, apesar de não terminar a prova, Nelson mostrou que era um piloto promissor. Não fosse sua quebra, ele poderia ter terminado entre os dez primeiros, o que seria um grande feito para um piloto em sua primeira corrida na Fórmula 1.

Nas três corridas seguintes da temporada de 1978 – os Grandes Prêmios da Áustria, em Österreichring; da Holanda, em Zandvoort; da Itália, em Monza – Piquet conduziu o McLaren M23 da BS Fabrications. Ele não pontuou, mas atraiu a atenção de Bernie Ecclestone, que na época era o dono da equipe da Brabham e apressou-se em contratar o brasileiro para a última prova do ano, o GP do Canadá, no circuito da Île Notre-Dame em Montreal.

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Piquet correria com um terceiro carro, ao lado do britânico John Watson e de Niki Lauda. Foi a primeira vez de Nelson Piquet em uma equipe de primeiro escalão, na qual ele conquistou o 11º lugar e garantiu um posto fixo para o ano seguinte, tomando o lugar de John Watson. A decisão foi unânime na cúpula da Brabham – Ecclestone contratou Nelson Piquet com o apoio de Herbie Blash, o diretor da equipe, e de Gordon Murray, que na época era o projetista da Brabham.

“Em todo lugar na vida você encontra vencedores e perdedores. Nelson que vencer”, disse Ecclestone na época. “Ele tem ambição e capacidade. Muitas pessoas têm capacidade, mas não têm ambição.”

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Com a primeira aposentadoria de Lauda entre 1980 e 1981, Piquet assumiu o posto de primeiro piloto da equipe, terminando o campeonato de 1980 como vice-campeão e faturando seu primeiro título no ano seguinte. O resto, como dizem, é história. Uma história que todos conhecemos bem.