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Nosso adeus ao Dodge Viper: 15 fatos que fazem dele o maior supercarro americano de todos

Foi uma coincidência sombria e emblemática: enquanto Angela Merkel, chanceler do país que é o berço do automóvel, concordava publicamente que o banimento dos carros a gasolina e a diesel é a “solução” para um futuro limpo, a Dodge produzia a última unidade do Viper em sua fábrica da Conner Avenue, onde era fabricado desde 1995.

É o fim de uma era. Nos últimos 25 anos quem procurasse um supercarro V10 aspirado com câmbio manual e tração traseira, sabia que o Viper era uma opção segura. Bastava olhar para os EUA que ele estaria lá esperando ser escolhido. Depois tivemos o M5 E60, o Porsche Carrera GT, o Lamborghini Gallardo e o Audi R8. Mas todos eles se foram, e deixaram o Viper como o último de sua espécie.

Visceral, brutal, essencial. Ele passou a maior parte de sua carreira sem nenhum tipo de assistência eletrônica. Nem mesmo ABS as primeiras gerações tiveram. Quando ele voltou em 2013, ganhou controles de tração e estabilidade só porque o governo americano o obrigou. E você ainda tinha um botão para desativar o negócio.

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Mas àquela altura o mundo já era bem diferente. Sim, foram só dois ou três anos, mas foram dois ou três anos que viraram o mundo de cabeça para baixo. De repente o mundo percebeu que o petróleo vai acabar, aí inventaram o downsizing. Depois nos demos conta de que o mundo pode estar aquecendo, aí foi esta a justificativa para transformar carros como o Viper em um cigarro sobre rodas. Nocivo, prejudicial, sujo, anacrônico.

Como resultado, ninguém comprou o Viper. Quer dizer, ninguém além de uns rednecks parecidos com Walt Kowalski. Era tão pouca gente que a Dodge teve que suspender a produção do Viper por pouco mais de um mês para não fazer carros demais. Era o prenúncio do fim.

A Dodge ainda tentou dar uma levantada no Viper com uma nova versão ACR, mas no fim das contas a fábrica sequer manifestou apoio aos malucos que levaram o carro a Nürburgring para a despedida que ele merece. Giraram 7:03. Quem é anacrônico mesmo?

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O fim do Viper é um evento melancólico e simbólico, e embora não tenha causado tanta comoção entre os entusiastas, seu verdadeiro significado será compreendido no futuro. Daqui a dez, quinze, ou 20 anos, quando a aprovação de frau Merkel e seus vizinhos se tornar realidade.

Por isso achamos que o Viper merece uma despedida de verdade. Um elogio final. Nossa última homenagem ao carro que sempre esteve ali, mas de repente não está mais porque pertence a outro mundo.

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E como somos o FlatOut, não vamos contar sua história ou fazer uma supergaleria de fotos. Afinal, figurinha repetida não completa álbum, já dizia meu amigo baladeiro. Em vez de fazer um post a la Sessão da Tarde, com uma história que você já conhece e fotos que você já viu, vamos fazer diferente: vamos contar 14 fatos pouco conhecidos sobre o Dodge Viper.

 

O Dodge Viper foi idealizado pelo mesmo cara que criou as Séries da BMW

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Se você acompanha nossas histórias já sabe de quem estamos falando: Bob Lutz. Em 1987 ele era vice-presidente da Chrysler, mas àquela altura já havia passado pela General Motors nos anos 1960, pela BMW nos anos 1970, pela Ford na segunda metade dos anos 1970 e nos anos 1980.

Na GM Bob Lutz ajudou a desenvolver o Kadett C europeu e tirou do papel o Opel GT, transformando-o em carro conceito sem a aprovação dos chefes. Com a aceitação do público, foi fácil produzi-lo e transformá-lo no “mini Corvette europeu”.

Na BMW ele resolveu o problema do seu chefe, que não sabia como batizar os novos carros com motores iguais em categorias diferentes. Lutz sugeriu separá-los por séries numéricas que seriam subdivididas pela cilindrada do motor. Os compactos seriam a Série 3, os médios a Série 5. Com motor 2.0, eles se chamariam 320 e 520.

Quando chegou na Chrysler, certo dia ele conversava com Tom Gale, o chefe de design da fabricante, e teve a ideia de fazer um esportivo à moda antiga, porém construído com tecnologias modernas. Não seria um esportivo moderno com inspiração antiga. O que Lutz queria era um carro essencial como os velhos esportivos. Ele seria algo como uma versão moderna do Shelby Cobra. Motor, bancos, volante, carroceria, pneus e rodas e só. Mas tudo com tecnologia moderna.

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Em vez de carburadores ou injeção mecânica, ele usaria gerenciamento eletrônico no motor. O câmbio seria acionado por cabos, e a embreagem por atuador hidráulico. A suspensão seria desenvolvida em CAD, e os pneus teriam compostos de altíssimo desempenho — que estavam começando a aparecer depois da onda de supercarros surgidos nos anos 1980. Turbos, tração integral, câmbio automático, controles eletrônicos de estabilidade, ABS, tudo isso estava fora de cogitação.

 

Carroll Shelby foi seu “consultor de desempenho”

Por coincidência, nessa mesma época Carroll Shelby cruzou o caminho de Mr. Lutz com uma ideia muito parecida. Não poderia ser diferente: Carroll Shelby entrou no projeto e, juntos, eles começaram a desenvolver o protótipo do Viper.

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Shelby se envolveu com o design inicial do carro, mas logo seu velho problema de angina pectoris voltou a lhe incomodar e ele precisou se afastar do projeto para um transplante de coração, realizado em 1990. Por isso, ele não teve envolvimento direto na etapa de engenharia do projeto e manteve-se apenas “consultor de desempenho” do carro, e também foi o piloto do Viper Pace Car nas 500 Milhas de Indianápolis de 1991, quase um ano antes do lançamento do modelo.

 

O primeiro Viper não era vermelho e não tinha motor V10

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Em 1989 a Chrysler apresentou no Salão de Detroit o conceito RT/10, que era basicamente uma versão pré-produção do Viper. Era um roadster vermelho com visual agressivo e um motor V10 como nunca havia sido visto em um carro americano antes.

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Como ele só chegou às linhas de produção em 1992, muita gente pensa que aquele protótipo exibido em 1989 era o primeiro de todos os Viper. Mas houve um outro protótipo antes daquele. E ele não era vermelho. Nem tinha um motor V10.

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O primeiro de todos os Viper era branco, como os carros de corrida americanos. Ele também não tinha o santantônio estilizado na traseira, apenas um deck plano. As formas gerais eram basicamente as mesmas do modelo de produção: a dianteira arredondada em peça única, e a traseira estreita e arrebitada.

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Quanto ao motor. Lutz e sua equipe já haviam definido que o Viper usaria o motor V10 da Ram, mas ele era pesado demais. O jeito era usar um V10 de alumínio… que ainda não existia. Como o projeto estava em fase inicial, sem orçamento para fazer um motor exclusivo para o carro, eles usaram um V8 5.9 das picapes Ram da época. Com bloco de ferro fundido, ele tinha um peso próximo do motor V10 de alumínio. Assim os engenheiros poderiam adiantar o desenvolvimento do chassi, freios e suspensão antes mesmo que o motor V10 ficasse pronto.

 

Ele foi aprovado em meia hora

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Com o projeto avançado e os primeiros protótipos prontos, Bob Lutz foi apresentar o carro ao presidente da Chrysler, Lee Iacocca. Sendo um excelente vendedor, Lutz decidiu apresentar o carro da melhor forma que você pode apresentar quando quer convencer alguém a comprá-lo: levou o chefe para dar uma volta.

O carro era um dos protótipos do Viper, já equipado com o motor V10. Depois do passeio pela Motor City, a dupla de executivos encostou o protótipo no estacionamento da Chrysler e Iacocca saiu do carro dizendo: “O que você está esperando?”

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Foi assim, em 30 minutos de passeio pela cidade, que o Viper recebeu o sinal verde pera ser colocado em produção. As coisas eram bem mais fáceis naquela época.

 

Bob Lutz proibiu que ele tivesse um V8 Hemi

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A ideia de usar um V10 veio quando a Chrysler decidiu que a picape Ram usaria um motor a gasolina de 10 cilindros. Mas não foi assim desde o início. Nos primeiros dias do projeto, quando ele começava a sair do papel, o engenheiro-chefe do Viper, Roy Sjoberg, pensou em usar um motor V8 todo de alumínio, inspirado nos V8 Hemi de competição dos anos 1960 e 1970.

Por acaso, Sjoberg tinha um motor desses no departamento de engenharia da Chrysler e já estava pronto para colocá-lo no dinamômetro de bancada quando Bob Lutz soube de sua intenção, sacou o telefone e proibiu Sjoberg de fazer isso. Ter um motor V10 era essencial para o Viper, pois seria um de seus maiores apelos. Afinal, ninguém fazia supercarros com motor V10 naquela época.

 

Mas ele quase ganhou um irmãozinho com esse motor

Em 2005 a Chrysler usou a plataforma do Viper encurtada para criar o conceito Firepower Grand Tourer. Ele seria equipado com o motor V8 Hemi de 6,1 litros do 300C SRT, com 425 cv e certamente seria um rival à altura do Corvette. O problema é que a Chrysler não descobriu uma forma de fazê-lo custar o que custava o Corvette na época, e por isso o projeto foi cancelado no ano seguinte.

 

E tem um filho italiano

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Em 2010 a Zagato decidiu fazer uma versão de rua do seu Alfa Romeo TZ3 Corsa, um carro de corridas feito sobre chassi tubular e carroceria própria, equipado com um motor V8 de 4,2 litros do Alfa Romeo 8C.

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Na época a Fiat já havia abocanhado uma fatia da Chrysler, e por isso, em vez de usar uma base cara como um Maserati GranTurismo, a Zagato pegou nove exemplares do Viper ACR, removeu todos os paineis da carroceria original e substituiu pela roupa italiana.

O motor, portanto, é o americaníssimo V10 de 8,4 litros e 600 cv do Viper, assim como os elementos do acabamento interno, que não são muito parecidos com o que você espera de um Alfa Romeo. Mas quem se importa: olhe só para esse negócio. É o melhor dos mundos: design italiano com motor americano. Quando foi a última vez que vimos isso mesmo?

 

Seu motor veio de uma picape…

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O Viper nunca usou o motor V10 das picapes Ram. Quando as primeiras unidades ficaram prontas, o motor se mostrou pesado demais para manter o equilíbrio do Viper.

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Pudera: ele usava bloco de ferro fundido e não precisava ser leve, já que seria instalado em uma picape “heavy duty”. A solução foi refazê-lo usando materiais mais leves.

 

… mas foi desenvolvido pela Lamborghini

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Por isso a Chrysler chamou uma de suas marcas na época para fazer o trabalho de adequação e fundição: a Lamborghini. Sim: o V10 de picape foi praticamente copiado pelos italianos, que ainda refinaram as galerias de arrefecimento na parte superior do bloco e nos cabeçotes. A Lambo até fundiu blocos para o Viper entre 1992 e 1994, pouco antes de ser vendida pela Chrysler.

 

Ele nunca teve câmbio automático, mas a Dodge cogitou oferecer

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Se tem algo de que o Viper pode se orgulhar, é de nunca ter sido equipado com um câmbio automático. Seu conceito original era focado na experiência pura de pilotagem, e assim ele se manteve até esta semana, quando finalmente nos deixou.

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Essa trajetória, contudo, quase foi maculada por um de seus maiores admiradores: Ralph Gillies, que assumiu a operação do Viper em 2011 para desenvolver a última geração do esportivo. No início do projeto ele pensou em oferecer o Viper com um câmbio automático moderno, mas achou que o carro poderia acabar pesado demais.

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Durante o desenvolvimento, a equipe aumentou o uso de aços de alta resistência para aumentar a rigidez à torção, de forma que ele acabou praticamente todo feito destas ligas metálicas — o que teria permitido a adoção do câmbio automático. Gilles mais tarde diria que gostaria de ter visto um Viper com borboletas no volante.

 

Ele quase usou alumínio e fibra de carbono

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No final dos anos 1990, quando a Dodge preparava a nova geração do Viper, os planos eram substituir seu chassi de aço e sua carroceria de plástico reforçado por um chassi de alumínio e carroceria de fibra de carbono — algo que poderia ter reduzido o peso do carro em 90 kg.

No fim das contas, o fornecedor do chassi acabou não chegando a um acordo e a fibra de carbono se mostrou cara demais. O Viper só usaria fibra de carbono a partir de 2013, e somente em alguns paineis da carroceria.

 

Ele foi duas vezes o carro mais rápido em Nürburgring Nordschleife, e ainda detém um recorde

Em 2008 a Chrysler levou um Dodge Viper ACR a Nürburgring para registrar um tempo de 7:22 – o mais baixo obtido por um carro produzido em série na época. Seu recorde só foi quebrado dois anos depois pelo Porsche 997 GT2 RS, com 7:18.

Em 2011 eles voltaram com mais um Viper ACR para baixar o recorde para 7:12,13 e tornar-se o carro mais rápido em Nürburgring pela segunda vez. Aí a produção foi encerrada e foi a vez da Porsche recuperar o título novamente, agora com seu hipercarro híbrido, o 918 Spyder, que quebrou a barreira dos 7 minutos ao concluir a volta em 6:57.

Com tração traseira e um câmbio manual — uma desvantagem em relação ao Porsche e ao Lamborghini Huracán Performante, ambos automatizados e com tração integral — o Viper ACR voltou a Nürburgring através de uma iniciativa independente, mas com o mesmo Dominik Farnbacher dos outros dois recordes ao volante. Mesmo com recursos e tempo de pista limitados, em sua primeira tentativa o Viper se tornou o carro de tração traseira mais rápido da história do circuito alemão, com um tempo impressionante de 7:03,45.

É pouco provável que ele chegue perto dos dois recordistas, mas existe uma possibilidade de ele também quebrar a barreira dos 7 minutos. Mas se não conseguir, quem se importa? Eles não têm a história e o carisma que o Viper teve.

 

O Viper GTS foi inspirado no Shelby Daytona Coupé

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Em 1995 a Dodge começou a produzir a primeira versão fechada do Viper, o GTS. A supervisão do projeto teve participação direta de Carroll Shelby e provavelmente por essa razão ele acabou inspirado no Shelby Daytona Coupé.

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A semelhança entre os dois carros é tamanha que Tom Gale, chefe de design da Dodge na época, manteve correspondência com Pete Brock, ,autor do design do Shelby Daytona, para se certificar de que Brock aprovaria a inspiração. Mais tarde Brock disse ter ficado lisonjeado pelo contato e pela participação indireta no Viper GTS.

 

Fez seus engenheiros passarem uma noite em um albergue para moradores de rua

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Durante o desenvolvimento da atual geração do Viper, o líder do projeto Ralph Gilles, e o engenheiro-chefe Dick Winkles, estavam em uma viagem costa-a-costa com o carro quando foram forçados a parar em El Paso, no Texas, devido a uma nevasca fortíssima — algo incomum no Sul dos EUA.

Normalmente isso não é problema. Basta entrar em um hotel e mandar a conta pro chefe. O problema é que não havia hotéis disponíveis naquele dia, naquela hora. A solução foi passar a noite em um albergue para moradores de rua, naqueles quartos enormes cheios de camas lado a lado, dividindo o teto com os desabrigados de El Paso. Gillies disse que foi “a noite mais assustadora de sua vida”.

 

E saiu de linha duas vezes

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Em 10 de fevereiro de 2010 a Dodge começou a vender os últimos 50 exemplares do Viper, conhecidos como SRT10 “Final Edition”. Foram 20 cupês, 18 roadsters e 12 ACR, e o último deles saiu da linha de produção em 1º de julho daquele ano. Era um exemplar dourado com faixas laranja, que foi apresentado aos convidados do Viper Club of America em uma cerimônia especial comemorativa.

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A segunda morte do Viper aconteceu na quarta-feira, 16 de agosto de 2017. Diferentemente da primeira vez, não houve edição comemorativa, não houve cerimônia, nem mesmo uma foto oficial. Os únicos registros foram feitos pelo smartphone de Ralph Gilles, e publicados em seu perfil no Instagram.

So long… #Viper

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