Olá, amigos do FlatOut! Meu nome é Marcelo R e hoje vou apresentar a vocês o Project Car #06, um BMW 2002 ano 1968 que será preparado. Este é um projeto relativamente simples, e gosto de acreditar que isso se deve ao fato de que, por perfil, minhas prioridades sempre são voltadas para o uso de um carro. E dirigir é realmente o que eu mais gosto de fazer, mas a verdade mesmo é que eu não tenho a competência e nem a paciência necessárias para fazer nada muito além disso…
Embora eu goste da parte técnica e do “exercício” da preparação, não suporto passar muito tempo sem colocar um carro pra rodar. Por isso as modificações, ou melhorias, tendem a ser basicamente o que acontece entre a última saída e a próxima. São intervenções até regulares, mas sempre curtas, permitindo que eu suporte abstinência e evite ambições maiores que minhas capacidades.
Dizem que em casa de ferreiro o espeto é de pau, e deve ser verdade. Por razões profissionais, ao longo dos últimos vinte e poucos anos estive quase que exclusivamente dedicado a questões técnicas, quando o assunto é carros, motos ou motores. Mas fora do trabalho, meu interesse pela história de um modelo, nossas próprias histórias com um carro, e pelos efeitos de ambas nas modificações que fazemos e nas que nós mesmos sofremos é cada dia maior.
Por isso aqui vai um alerta! Se você não é muito fã de história e prefere não perder tempo com nada que não seja técnico ou voltado para Performance, pule os primeiros parágrafos e comece diretamente no subtítulo “Aspectos técnicos e definição do projeto”
Mas se quiser saber mais sobre a história do 2002, da própria BMW e sobre o nascimento do conceito de sedãs esportivos, continue daqui mesmo.
Capitulo 1 – Quando engenheiros, executivos e terroristas eram gearheads
O que chamou a atenção dos vizinhos não foi aquele senhor de cabelos brancos acelerando um BMW pelas ruas do Bairro. Eles já haviam visto Herr Alex testando seus carros e motos modificados, quase sempre da marca bávara, inúmeras outras vezes. Tampouco estranharam o ronco incomum, rouco e encorpado, vindo de uma pequena BMW 1600, acostumados que estavam a ouvir tantos outros carros de corrida e modificados sendo pilotados por ele. O que chamou a atenção de todos, inclusive do próprio Alex, foi ver dois BMW cor de creme, com o mesmo incomum ronco rouco e encorpado, lado a lado.
Ainda surpreso, Alex reconheceu o motorista do outro BMW. Era Helmut Bönsch, que por coincidência era seu colega de trabalho, por coincidência também era apaixonado por carros, motos e velocidade, e por coincidência havia tido exatamente a mesma ideia que ele: colocar o motor M10 2.0, que o próprio Alex havia projetado, em seu pequeno BMW 1600 de uso diário.
Enquanto isso, do outro lado do mundo, o BMW 1600 ti, versão esportiva derivada do bem sucedido Neue Klasse, teve sua importação vetada para os Estados Unidos por não atender os limites de emissões. Não que isso tivesse muita importância, já que ninguém sabia que havia uma demanda por pequenos sedãs esportivos alemães na América. Ninguém exceto Max, um apaixonado por carros e velocidade, idealizador da Porsche 356 speedster, da Alfa Giulietta Spider, e importador oficial da BMW para os EUA. Max vinha implorando a tempos por uma versão esportiva do Neue Klasse que pudesse ser importada.
O diretor de design da BMW na época, Wilhelm Hofmeister “Kink”, o homem por trás da tradição de que todo BMW deveria ter tração traseira, comprou a ideia de que a recém lançada série 02, menor e mais leve que o Neue Klasse original, seria a base ideal para o novo modelo. Foram providenciados aumentos na rigidez, melhorias na suspensão, modificações nos freios, direção e outros aspectos de acabamento e design. O objetivo era produzir algo inovador, um esportivo leve, potente e barato, um sedan com características de cupê esportivo.
O ano era 1966, e Alex Falkenhausen, Helmut Bonsch, Max Hoffmann e Wilhelm “Kink”, não sabiam ainda, mas eram todos legítimos gearheads! E daquela série de coincidências, de inspiração, engenharia, determinação e rebeldia, surgiria o predecessor de uma nova categoria de carros, os sedans esportivos, que quebrariam todos os recordes de vendas até então, e ajudariam a salvar uma das Marcas mais icônicas de todos os tempos.
O novo modelo foi batizado de 2002 em alusão a capacidade cúbica do motor M10 com comando no cabeçote, e também à carroceria exclusivamente de duas portas. Todos os modelos eram equipados com uma transmissão de quatro marchas, suspensões independentes e pesavam cerca 940 kg. A versão base entregava 100 cv e passava dos 180 km/h de máxima. Também havia uma versão TI com dupla carburação Solex (120 cv), que mais tarde evoluiu para Tii, que substituía a dupla de Solex, por uma injeção mecânica, e chegava aos 130 cv.
Em 1974 foi lançada ainda a lendária versão Turbo que, usando o mesmo sistema de injeção da Tii, associada a uma Turbina KKK, entregava incríveis 170 cv a 5.800 rpm. Se você tem um Playstation e o jogo GranTurismo, e nunca dirigiu uma 2002 Turbo antes, pare de ler agora e pegue esse carro para dar umas voltas. Depois me conte aqui nos comentários, o que achou desse devaneio germânico.
O vídeo a seguir, de 1968, está em alemão, mas a linguagem dos velocímetros e tacômetros é universal!
Se você já deu umas voltas com o 2002 no Playstation, não vai ficar surpreso em saber que logo no primeiro ano ele conquistou o Campeonato Europeu de Turismo no Grupo 5, repetindo o resultado em 1969 à frente da equipe de fábrica da Porsche. Isso sem falar nas vitórias no Campeonato Europeu de Hillclimb, Campeonato Alemão de Rally e na incrível 24hs de Nurburgring de 1970, quando 9 dos 10 primeiros colocados eram BMW 2002!
Essa história, embora incrivelmente verídica (na sua maior parte…), já foi contada inúmeras vezes, mas seu encanto permanece como um símbolo do tempo em que executivos não eram apenas homens de negócio, mas entusiastas, e engenheiros construíam protótipos nas garagens de suas casas.
Porém, há uma história bem menos conhecida, mas não menos importante para o legado da BMW e seus sedans esportivos…
No final dos anos 1960 a BMW ainda não havia superado completamente a crise financeira que assolou toda a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Seus carros já tinham reputação de serem bem construídos e velozes, mas também de serem fáceis de fazer ligação direta. Parte da fama foi potencializada pelo Baader-Meinhof Gang (BMG), um grupo terrorista urbano, liderado por um gearhead extremista e uma jornalista sensual, que pretendiam chamar a atenção para os males do capitalismo e o imperialismo americano, financiando suas ações com roubos a bancos e até filmes eróticos — e com a participação das ativistas!
Embora eles também roubassem carros da Mercedes, Porsche e Alfa, a associação dos nomes BMW e BMG foi inevitável. Até a polícia fazia bloqueios parando apenas carros da marca, e em documentos oficiais descrevia os terroristas como “jovens com preferência por carros rápidos, principalmente BMW”. Não demorou muito para que surgisse o termo Baader-Meinhof Wagen, e que os donos de BMW colassem adesivos com a mensagem “Ich gehöre nicht zur Baader-Meinhof Gruppe” (Eu não pertenço ao Grupo Baader-Meinhof).
As pessoas viam o BMG como um grupo de jovens descolados e revolucionários e apoiavam sua causa anticapitalista/antifascista, pelo menos no princípio. Assim, a associação acabou sendo uma imensa divulgação para a marca, que involuntariamente se beneficiou da imagem de arrojo e glamour daquele grupo de jovens descolados que assaltava bancos, e incrivelmente não foi afetada quando a coisa toda se tornou um banho de sangue. Na opinião de historiadores e estudiosos da marca, o episódio parece de alguma forma ter um papel na imagem atual da BMW, desde então ligada a emoção, esportividade e prazer de dirigir.
Para saber mais sobre o BMG, sua ligação com a 2002 e a marca BMW assista o vídeo abaixo .
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Aspectos técnicos e definição do projeto
A Frida, como chamo meu 2002, saiu da fábrica em 1968, na primeira leva da série 2 com o motor M10 de 1990 cm³. A carroceria em monobloco era derivada da Neue Klasse, mas reduzida e com rigidez melhorada. O entre-eixos e a bitola traseira também foram reduzidos, contribuindo para o famoso comportamento afiado e esportivo. O carro era oferecido exclusivamente na versão duas portas, e pesava aproximadamente 940 kg.
O célebre motor M10 de quatro cilindros com bloco de ferro, cabeçote de liga leve e comando de 264◦ era alimentado por um problemático carburador Solex 40 PDSI. Acoplado à transmissão Getrag de quatro marchas, alcançava 100 cv a 5500 rpm, e torque de 15 mkgf a 3500 rpm, suficientes para uma velocidade máxima de 181,85 km/h, segundo a revista AutoSport. A suspensão do tipo MacPherson na dianteira e independente na traseira, e tinha calibragem esportiva para a época. Os freios recebiam discos de 240 mm com pinças de dois pistões na dianteira, e tambores na traseira.
A qualidade de construção e a simplicidade do projeto permitiram que a Frida chegasse aos 46 anos em plena forma, ostentando no para-brisa muitos selos de participações em Ralis de Clássicos, e Mil Milhas Históricas. A sua disposição e a diversão que proporciona a quem dirige são tão grandes, que alguns mimos e cuidados podem ter sido adiados em alguns momentos, e mesmo que não existam problemas sérios, em Agosto deste ano decidi que era hora para uma renovação.
Mas um dilema se apresentava: manter a originalidade máxima, ou aproveitar para fazer algumas mudanças?
Entre as pessoas cuja opinião realmente importava havia um racha. Minha esposa sugeriu instalar o comando opcional da BMW de 300◦, vender o carro, vender todos os carros, vender qualquer coisa que tivesse um motor, comprar um carro normal e nunca mais ter que ouvir falar sobre carros. Já meus filhos (oito e 11 anos) eram a favor de modificações, rodas, turbo, spoilers e faixas, e até apresentaram alguns desenhos com propostas, afinal, o primeiro carro que um gearhead aprende a desenhar, mesmo sem saber disso, é sempre o 2002!
Após alguma ponderação, defini que o ideal seria aproveitar o melhor de cada proposta, manter, e se possível aumentar o índice de originalidade, mas realizar modificações com opcionais de época, como itens Alpina, e o comando opcional de 300◦ da BMW, por exemplo (mais tarde minha esposa alegou que nunca havia sugerido um comando, jurou que nem sabia o que era isso… talvez eu tenha entendido errado…).
Equilíbrio é a palavra chave no projeto, e como de costume, defini uma regra simples baseada nisso: para cada elemento não original adicionado, outro elemento não-original existente deveria ser substituído por um original. Por exemplo, para instalar o spoiler Alpina, vou substituir a antena não-original na tampa do porta-malas, por uma original, no local correto que é na porta do motorista. Ou ainda, para instalar o escape Alpina, os over-riders não originais dos para-choques serão substituídos por peças corretas do modelo.
Embora o carro tenha mais de 80% de originalidade, ao longo do tempo, e dos três proprietários anteriores, alguns itens foram perdidos, ou substituídos por outros incorretos. Com a ajuda de livros e arquivos da BMW Classic, foram levantados e listados estes itens, que (na medida do possível) serão reintroduzidos. Além disso, as modificações serão obrigatoriamente reversíveis.
O projeto foi iniciado em Agosto, e por experiência sei que nesta fase inicial muita coisa ainda pode mudar. Por isso a lista a seguir é provisória, e vai funcionar como um guia para os próximos passos:
– Carroceria: retirar antena na tampa do porta-malas e instalar antena original na porta; consertar vincos no capô e painel traseiro; eliminar um par de faróis de Milha; substituir over-riders do para-choque dianteiro pelo modelo correspondente ao ano do carro, retirar over-riders (não originais) do para-choque traseiro; instalar air-dam (spoiler dianteiro) Alpina.
– Mecânica: revisão/regulagem carburação e ignição com escape Alpina; efinir alimentação (atual Weber32/36 não é original); instalar comando “300◦” opcional BMW da época; escape Alpina (já instalado).
– Suspensão: substituição de buchas (por originais); revisão amortecedores e molas (mantendo originais); substituição pneus 165/70 (não originais) por 165/80 (medidas originais); retirar sobre-aros (não originais); repintar rodas (originais modelo Turbo) no padrão BMW da época.
– Interior: remoção de envelopamento “carbono” do painel (vai entender…); substituição de vedações dos vidros laterais; segundo o certificado emitido pela BMW Classic, o volante esportivo opcional veio de fábrica e será mantido, assim como o rádio Blaupunkt original.
Não quero gerar falsas expectativas. Este não é um projeto de restauração, a preocupação principal não é com a originalidade máxima, e o objetivo não é participar de concursos! A Frida quer continuar rodando, e não há como manter imaculado um carro em pleno uso, e afinal, foi com isso em mente que ela foi criada por aqueles malucos apaixonados por carro, 46 anos atrás.
Até o próximo post!
Por Marcelo R., Project Cars #06