Nos primeiros dias do FlatOut, publicamos um artigo falando sobre a tendência à extinção dos câmbios manuais em grandes esportivos, já que, com a rápida evolução das caixas automatizadas, o câmbio manual deverá, em breve, ocupar apenas alguns nichos de mercado. Mas, como a maioria dos gearheads continua acreditando firmemente que o prazer em dirigir está intimamente ligado à arte de trocar as marchas no tempo certinho, fica aqui uma homenagem ao câmbio manual e às suas diversas apresentações ao longo da história do automóvel.
Com a padronização dos câmbios manuais de cinco ou seis velocidades com o trambulador no assoalho e entre os bancos da frente, muita gente não teve a oportunidade de ter contato com modos diferentes de cambiar as marchas, algo muito prazeroso – independentemente se você está guiando forte naquela estradinha deserta ou se está desfilando devagarinho, curtindo a paisagem.
O fato é que a posição onde a alavanca de marchas era colocada dizia muito sobre a personalidade do carro e o que esperar de seu comportamento, a ponto de muitos consumidores americanos acharem que os primeiros Fuscas que aportaram por lá, ainda nos anos 50, eram legítimos esportivos europeus pelo simples fato de terem a alavanca “no chão”, ao contrário das barcas locais com seus bench seats e câmbios automáticos acionados por botões (o famoso push button control) no painel ou alavancas na coluna de direção, como a do Impala 1959 aí embaixo.
No Brasil, até o início dos anos 80, uma alternativa muito comum ao câmbio “Universal” era o sistema americano “Three on tree”, ou seja, três marchas na coluna de direção, em uma tradução livre, no qual engata-se a primeira puxando a alavanca em direção ao volante e trazendo-a para baixo. Para a segunda marcha, retorne a alavanca à posição central, empurre-a em direção do painel e depois leve-a para cima. A partir daí, trazendo a alavanca para baixo, temos a terceira e última marcha. A marcha-ré fica acima da primeira.
Era assim em grande parte dos Dodges, Galaxies, Opalas e Veraneios que andavam por aí. Existem alguns modelos raros, como o Dart SE, em que essa mesma disposição de marchas foi oferecida, mas com a alavanca de câmbio montada no assoalho, pois a sua localização na coluna de direção não combina com esportividade.
Em 1971, nosso mercado testemunhou a estreia de Opala SS e Dodge Charger R/T (na foto acima, um modelo de 1976), com suas quatro marchas operadas com alavanca no assoalho: em ambos os casos, a quarta marcha tinha a mesma relação (1:1) da terceira de seus irmãos mais velhos – o barato estava no escalonamento mais esportivo das marchas anteriores, reduzindo os degraus entre cada uma delas – especialmente entre a 2ª e a 3ª.
Havia também outros padrões para câmbio na coluna, como o dos DKW-Vemag (não perca o modelo F93 de Martin Hesse do vídeo acima, com um V6 dois-tempos de 1.000 cc e quase 100 cv!), cujas quatro marchas tinham disposição parecida com o câmbio de carros de alto desempenho, com a primeira para a esquerda e para trás – no caso do DKW, a primeira ficava na mesma posição da primeiro dos Dodges, Galaxies e Opalas, mas a segunda ficava no lugar da ré dos americanos. Nos GT Malzoni e Puma com motor DKW, a disposição das marchas foi preservada, mas com o câmbio de quatro marchas montado no assoalho e a primeira marcha para a esquerda e para trás.
Se, até aqui, não há nenhuma novidade para você, há, ainda, o câmbio de alguns Citroën clássicos como o Traction Avant ou o 2CV. Por terem a caixa de câmbio lá na frente do motor (e, justamente por isso, um espaço interno invejável), o acionamento se dá por uma alavanca colocada debaixo do painel, praticamente na horizontal, parecendo um cabo de guarda-chuva, que movimenta as varetas lá na frente para mudar as marchas. Para quem tiver curiosidade, vale a pena ver essa reportagem do Flavio Gomes mostrando como funciona o câmbio do 2CV.
Mas, se existe realmente um câmbio manual que quase ninguém conhece, é a caixa pré-seletiva Wilson, inglesa, também chamada de câmbio Cotal na França. Trata-se de uma grelha em miniatura com uma alavanquinha de câmbio do tamanho de uma caneta. Você muda a marcha na alavanca e nada acontece até que se pise na embreagem. Exemplificando: digamos que você vem à toda em quarta marcha em uma estrada e, ao fazer a tomada de curva, quer reduzir para a terceira. Muito antes da curva chegar, você já coloca a terceira na alavanquinha e, no momento exato, você pisa na embreagem e, só então, ela entra! Complicado? Bem, esse câmbio chagou a ser experimentado até na Fórmula 1 no final dos anos 50, mas o conjunto acabou se mostrando muito frágil. Há notícias de um Armstrong Siddeley, inglês que usa a caixa Wilson, na coleção do Og Pozzoli, em SP, e de um Delahaye, francês com o câmbio Cotal, na coleção do Pacífico Mascarenhas, aqui em BH. Aliás, a foto de abertura deste post é de um Delahaye 1938.
E aí? Você continua adepto do câmbio manual ou já se rendeu aos automáticos e automatizados? E em qual destes aí em cima você encararia um test-drive?
Por Luis Augusto Malta, antigomobilista