Em janeiro deste ano, Iures Delfino levou seu Lancer Evo X para a Serra do Rio do Rastro determinado a quebrar o recorde de Rhys Millen. Ele, que já havia vencido a edição anterior e era o atual recordista da subida, tinha tudo para repetir a vitória e, com isso, participar do desafio Rhys Millen, no qual os cinco pilotos mais rápidos na prova de Subida de Montanha, ganham a chance de fazer uma corrida no trecho usado por Millen em 2010.
Iures preparou o carro ao longo de mais de um ano, estudou o traçado, praticou in loco, estava pronto para quebrar todos os recordes. Todas as parciais de sua subida indicavam que ele conseguiria mesmo fazer isso. Mas… como já dissemos, a Serra do Rio do Rastro é a “Nürburgring da montanha”. Seus 11,6 quilômetros de extensão e sua variação altimétrica podem tornar as condições de tempo e, principalmente, de pista muito diferentes ao longo do traçado. Foi por isso que, apesar da pista seca em praticamente toda a extensão do trecho, uma pequena área ainda úmida encerrou a Subida prematuramente para Iures. Nós contamos essa história em janeiro, quando conversamos com o Iures a respeito do recorde pela primeira vez.
O desafio da montanha – conversamos com o recordista da Subida do Rio do Rastro
Passados dez meses desde o incidente, Iures consertou o carro e voltou à Serra do Rio do Rastro. Desta vez, com uma subida impecável, ele conquistou a vitória da prova e estabeleceu um novo recorde para a Subida. Com isso, ganhou o direito de disputar o Desafio Rhys Millen e, embalado pelo recorde da subida, quebrou o recorde de 14 anos do neozelandês, tornando-se o homem mais rápido a subir a Serra do Rio do Rastro até hoje.
A recuperação
A frustração é um sentimento muito forte. Especialmente quando você investe muito tempo e esforço e as coisas não saem como esperado. Tão forte que te faz pensar que todo aquele esforço foi em vão. Ele te cega a ponto de você querer desistir de tudo, e tira sua clareza de raciocínio a ponto de você achar que não tem mais forças para recomeçar.
Com Iures não foi diferente. “Não chegar no final da prova foi muito dolorido. Eu sabia que poderia bater o recorde naquela edição. Eu nem pensava mais em ganhar o evento. Eu queria mesmo o trecho Rhys Millen. Ter errado e quebrado a roda antes do principal trecho foi frustrante demais. Quase chorei. Deu vontade de parar, de não ir mais.”
Felizmente Iures não chorou e não sucumbiu à vontade de parar. Para o bem da Subida de Montanha brasileira, a frustração se apaziguou e Iures começou os preparativos para tentar mais uma vez na terceira edição da Subida da Serra do Rio do Rastro.
Peço licença aqui para inserir uma percepção minha sobre o cenário: apesar de se tratar de uma competição, há uma atmosfera amistosa e de grande incentivo mútuo entre os corredores. Talvez por não haver disputas diretas como uma corrida em circuito, ou simplesmente por que o entusiasmo com a realização de uma prova como essa, de um cenário como o que está se formando, seja mais importante que os números e as conquistas em si. Não apenas o público, como também os concorrentes tinham grande expectativa sobre a tentativa de recorde de Iures. Não perguntei a ele sobre isso — falha minha, eu sei —, mas estou certo de que o incentivo dos amigos próximos e a expectativa dos demais ajudaram a retomar o projeto.
De volta, Iures decidiu elevar o patamar de desenvolvimento do carro. O Lancer Evo já usava lexan nas janelas e teve seu interior e estrutura de portas para reduzir o peso, mas para esta nova tentativa, o carro foi completamente desmontado para receber uma gaiola de proteção de acordo com os padrões da FIA, as portas de aço originais foram substituídas por portas de fibra de vidro. Aproveitando o carro desmontado, o motor também entrou na revisão: foi completamente desmontado e retrabalhado para evitar novas frustrações — desde bronzinas até um novo trem de válvulas.
O turbo também foi trocado — Iures buscou o turbo que estava em seu primeiro Evo, aquele usado no recorde da Subida em 2022. Não é superstição: o turbo do antigo Evo tem um sistema anti-lag idêntico ao usado pelos pilotos de Pikes Peak. “Eu acompanho muito Pikes Peak, sigo os competidores no Instagram, acesso o site dos projetos para colher informações e aplicar no meu carro. Afinal, se funciona em Pikes Peak, vai funcionar também aqui no Rio do Rastro”, conta.
Tamanha revisão do projeto, claro, levou tempo: o carro ficou pronto somente no final de agosto e andou pela primeira vez na Subida de Monte Alegre. Apesar de estar inscrito como competidor, Iures decidiu usar o evento para o shakedown do carro — seriam três subidas, suficientes para se aclimatar ao novo setup. A chuva, contudo, não colaborou e o shakedown foi mais precavido do que o que era planejado. Como resultado, Iures fez os primeiros testes com o carro no ECPA ao longo de um dia inteiro de pista.
No circuito piracicabano, Iures procurou estressar o conjunto ao máximo, chegando a fazer 14 voltas quentes seguidas (sempre abaixo de 1:06, chegando a fazer 1:03,973), provando que o conjunto estava bem acertado e, acima de tudo, era confiável. “Tudo transcorreu maravilhosamente bem. Comecei a vestir o carro, fiquei muito confiante com as frenagens, com o grip… estava ótimo”, lembra. Depois do treino no ECPA, o carro foi levado de volta à oficina, onde recebeu novos fluidos e teve a suspensão revisada e alinhada. Dali ele só voltaria a andar sobre a Serra do Rio do Rastro.
De volta à Serra
Em 2023, a Subida da Serra do Rio do Rastro foi adiada de novembro para janeiro de 2024 devido às fortes chuvas que provocaram enchentes e deslizamentos em todo o estado de Santa Catarina. Por isso, o fechamento da rodovia foi limitado e houve menos subidas do que o previsto.
Nesta terceira edição, o cronograma original que previa três subidas para cada competidor foi seguido à risca. Iures planejou sua estratégia com base nisso. Seriam dois treinos e a corrida — além do Desafio Rhys Millen, reservado aos cinco mais rápidos da prova
O plano consistia em usar um jogo de rodas mais pesadas, com pneus de rua, e uma pressão de turbo mais baixa no primeiro treino para obter logs do carro, verificar o acerto final da suspensão e, depois, no segundo treino, usar as rodas mais leves com um jogo de slicks usados no teste do ECPA. Logo na primeira subida, Iures conseguiu o tempo de 9:01. Não tinha como dar errado desta vez: o recorde da montanha era do próprio Iures, estabelecido na primeira edição, em 2022: 9:14,32 — ou seja: ele quebrou o recorde já no primeiro teste, com o acerto conservador. Na segunda passagem de treino, o tempo foi ainda mais baixo: 8:43.
Não tinha como dar errado mesmo: o segundo colocado estava relativamente distante de Iures, com 8:59 — note que foi o segundo tempo “sub-9”, o que ilustra como o nível técnico dos pilotos e dos carros aumentou rapidamente. O terceiro colocado ainda estava nos nove minutos baixos. Era uma distância tão segura que Iures e seu preparador decidiram não usar os slicks novos na subida de classificação — especialmente por que Iures não queria ganhar a Subida; seu objetivo era se classificar entre os cinco melhores para entrar no Desafio Rhys Millen e, ali sim, dar tudo de si e extrair o máximo do carro.
Para a subida final, Iures e sua equipe usaram o melhor jogo de slicks usados disponível com o mesmo acerto do último treino. Resultado: 8:33,39, novo recorde da Subida da Serra do Rio do Rastro, primeiro lugar na prova e, claro, acesso ao Desafio Rhys Millen — o objetivo principal de Iures desde a primeira edição, há dois anos.
O Desafio da Montanha
A vitória na Subida principal mal pôde ser curtida naquele momento: Iures e a equipe precisavam preparar o carro para o Desafio Rhys Millen — o grande objetivo deles, afinal. Com gelo no sistema de arrefecimento e um set de slicks que combinava dois pneus novos e dois dos pneus usados que estavam em melhor estado, Iures alinhou o Evo X para o trecho do Desafio.
Usando como base o tempo da Subida ao longo do trecho do Desafio, a equipe fez uma projeção e logo ficou claro que seria possível não apenas quebrar o recorde de Millen, mas como estabelecer um novo patamar de tempo, abaixo dos 7 minutos — o recorde de Millen era de 7:17,898. Aqui as imagens falam mais que as palavras:
E assim foi feito: Iures, que chegou a limpar a pista durante a madrugada para remover pedriscos e outros objetos que pudessem afetar os carros, largou com o Evo X em seu melhor acerto e, impecavelmente, completou os 9,4 km do Desafio Rhys Millen em inéditos 6:48,84 — quase 30 segundos abaixo do recorde anterior, que também foi quebrado por Eduardo Cenci, ainda acima dos sete minutos com 7:12,36.
A missão estava cumprida. Iures Delfino finalmente conseguia seu objetivo, tornando-se o recordista absoluto da Serra do Rio do Rastro. “Foi uma das sensações mais incríveis que eu já senti. Sabia que a meta era dificílima, afinal ela foi estabelecida por um piloto profissional, com um carro preparado por uma equipe de fábrica, e que, ainda que fosse uma ação de marketing, era um carro campeão e recordista de Pikes Peak no ano anterior. E nós chegamos e quebramos esse recorde com muita autoridade, afinal, foram quase 30 segundos de vantagem.”
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O recorde foi reconhecido por Rhys Millen, que compartilhou a notícia em seu perfil no Instagram. Iures chegou a desafiá-lo amistosamente. Será que um dia veremos Rhys Millen de volta à Serra?
Quanto a Iures, com a próxima edição confirmada, ele já planeja atualizações para 2025 — tanto para o carro quanto para o piloto, diz ele. E se tudo correr conforme planejado, em 2026 a corrida será também em Pikes Peak — um piloto brasileiro com uma equipe brasileira e um carro preparado no Brasil. Torcemos todos por isso.
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