“A lot has changed”, diria Paul Walker. Os quatro ícones acima já foram alguns dos representantes mais giradores e musicais dos motores aspirados. A cada semestre que passa, um pilar aspirado vai ao chão – e a progressão da ruína está subindo como o spool de uma turbina roletada, seja entre os meros meios de transporte, seja entre os esportivos dos nossos sonhos.
O downsizing no universo apimentado começou a pegar pra valer de cinco anos para cá. Entre 2011 e 2012, o épico V10 S85 da BMW deixava de existir: em seu lugar, o S63B44, um V8 biturbo de 4,4 litros, assumiu o seu lugar no cofre do supersedã M5 em 2011 e, no ano seguinte, no cupê hedonista M6. O M3 abandonou o mundo dos aspirados, perdeu dois cilindros, ganhou dois turbos, um dígito e virou o M4: sob seu capô, um seis-em-linha biturbo de 431 cv. Vimos também a sigla 63 AMG ser convertida do V8 aspirado de 6,2 litros M156 para não um, mas dois motores turbinados: os V8 5.5 biturbo M157 e 4.0 biturbo M177.
O diretor da divisão esportiva Quattro, Heinz Hollerweger, também já confirmou que a próxima geração da perua Audi RS4 perderá o V8 4.2 aspirado do R8 (aumente pra valer para assistir ao vídeo acima) – os jornalistas alemães apostam na adoção de um V6 de dois caracóis, provavelmente na casa dos três litros. Falando no superesportivo de Ingolstadt, já é certo que seu sucessor será adepto do downsizing.
Olhe para cada uma das fotos abaixo, caro gearhead. Eu sei que você consegue ouvir o ronco de cada um destes motores só de vê-los, porque são quatro dos conjuntos mecânicos mais musicais já criados. Eles torceram o seu pescoço à força nas ruas e, se você teve sorte, esmagaram suas costas contra o banco em uma esmerilhada. Quatro, seis, oito e dez cilindros. Se despeça.
Os maiores choques foram reservados para este ano. Se converteram ao universo sobrealimentado Ferrari 488 (sim, você vai se lembrar da dupla Ferrari 288 GTO e Ferrari F40 – mas elas possuem quase trinta anos), Honda Civic Type R e, há exatamente uma semana, o maior impacto: toda a família dos Porsche 911, incluindo o básico e essencial Carrera. Épicos como o aspirado Porsche Carrera GT3 RS e seus insanos 9.000 rpm são o canto do cisne: não existe muita dúvida de que ele será o último de sua linhagem a puxar ar para seus cilindros sem indução forçada.
Não existe volta. Em pouquíssimos anos, todos os esportivos que você conhece, de todas as categorias – hot hatches, cupês, supersedãs, supercarros, hipercarros (por isso, apostamos que a LaFerrari, híbrida aspirada, será outro colecionável de valor) –, serão turbinados. Hoje eles já são minoria. Dodge Viper, os cupês da Aston Martin e Lamborghini, o GT3 RS aí em cima – eles impõem sua existência à força crua e bruta, ao menos por enquanto.
Há uma infinidade de razões para os aspirados estarem sucumbindo aos pés dos turbinados downsized. Se é inegável que a pressão dos padrões de emissões europeus, da agência de proteção ao meio-ambiente dos EUA, da própria sociedade, mais engajada com o meio-ambiente que nunca, e o preço ascendente dos combustíveis são fatores predominantes dentro das demandas por maior eficácia energética, existe algo que encerra a seco a defesa técnica dos motores aspirados.
Os turbinados da atual geração são melhores que qualquer aspirado – inclusive nos esportivos – porque consomem menos energia e entregam mais potência, mas principalmente, um murro de torque em uma mesa linear, com valor máximo em rotações até 70% mais baixas. Isso resulta em uma diferença brutal em retomadas e saídas de curva. Compare acima dois motores de deslocamento parecidos: o V8 4.2 aspirado do Audi R8 e o V8 4.0 biturbo do S7. Note a rotação (seta verde) e o valor (seta vermelha) de torque máximo!
Veja abaixo um pequeno comparativo entre o último aspirado e o turbinado que o substituiu em alguns casos.
Honda Civic Type-R: a versão aspirada mais potente era a japonesa FD2 (2007-2010): o quatro-em-linha 2.0 gerava 225 cv a 8.400 rpm e 21,9 mkgf a 6.100 rpm. A nova geração mantém os dois litros, mas agora é turbinada e possui 314 cv a 6.500 rpm (39,5% extras e 1.900 rpm antes) e 40,7 mkgf a 2.500 rpm (85,8% extras e 3.600 rpm antes).
Porsche 911 Carrera S: o powertrain aspirado era um boxer seis cilindros 3.8 de 400 cv a 7.400 rpm e 44,8 mkgf a 5.600 rpm. O novo motor turbinado abriu mão de 800 cm³ e agora é um três-litros com 420 cv a 6.500 rpm (5% extras e 900 rpm antes) e 50,9 mkgf a 1.700 rpm (13,6% extras e 3.900 rpm antes).
Mercedes-Benz C63 AMG: o clássico V8 6.2 aspirado, em sua versão Performance Package, rendia 487 cv a 6.800 rpm e 61,1 mkgf a 5.000 rpm. Na atual geração, o V8 perdeu 2,2 litros e agora é um 4.0 biturbo, que rende na versão “S” 510 cv a 5.500 rpm (4,7% extras e 1.300 rpm antes) e 71,2 mkgf a 1.750 rpm (16,5% extras e 3.250 rpm antes).
Reaproveitando o almoço na janta
O princípio básico do turbo é a origem de todas as vantagens: ele reaproveita a energia cinética do fluxo dos gases de escapamento – que seria totalmente desperdiçada num motor aspirado – para fazer girar uma turbina (parte quente) conectada por um eixo a um compressor (parte fria), e este força os cilindros a admitir uma massa de ar muito maior do que se esta fosse aspirada de forma natural pelo bombeamento dos pistões. Eis aí a razão do nome “indução forçada” ou “sobrealimentado”.
A grande diferença do turbo para o compressor mecânico (supercharger, vídeo abaixo) é que este último é acionado pelo próprio motor por um sistema de polia e correia, o que consome até 30% de energia do próprio motor, não havendo reaproveitamento energético dos gases de escape. Além disso, como o turbo não é conectado mecanicamente ao motor, seus rotores giram livremente, permitindo rotações inacreditáveis (na casa das 250 mil rotações por minuto) e potencializando os ganhos energéticos.
Nada disso é novo. Como vimos neste post sobre a história do turbo, este componente existe há quase 100 anos e já está na indústria automobilística há 77 anos. O mundo dos carros esportivos e de corrida conhece e usa seus benefícios há muitas décadas – sem a turbina, seria impossível que os motores M12 e M13 dos Brabham de Nelson Piquet atingissem potências acima dos 1.300 cv com apenas 1,5 litro de deslocamento! Porsche 930 e 959, Ferrari F40 e 288 GTO, Audi Quattro, Renault 5 Turbo, Porsche 911 GT2, a lista de épicos históricos é grande.
Mas então… por que os turbos só foram adotados em massa de poucos anos para cá, com atraso especialmente no mundo dos esportivos?
A questão é que estes clássicos turbinados, embora fossem muito potentes, são criaturas completamente diferentes dos turbinados de hoje. A evolução tecnológica permitiu o ganho de resistência que elevou a um novo patamar os cenários de sobrepressão com confiabilidade, os aproveitamento energético aumentou brutalmente, mas, acima de tudo isso, o comportamento dos motores turbinados de hoje é imediato e linear, radicalmente diferente da montanha russa bipolar “Médico e Monstro” que caracteriza os esportivos do parágrafo acima. No momento do spool (quando os rotores vencem a inércia e embalam), repentinamente eles se transformam em incontroláveis bestas impressoras de marcas de pneus no chão – e se isso acontecer numa saída de curva com piso molhado, meu caro, é bom você estar com os reflexos em dia.
Se antigamente um esportivo turbo sofria deste lag (retardo causado pela inércia da turbina) que o deixava morto em baixas rotações e subitamente endiabrado com o spool, hoje um turbinado downsized praticamente não apresenta lag e gera muito mais torque em baixa que qualquer aspirado com até 50% a mais de deslocamento – ou seja, a história se inverteu! Mas quais as grandes diferenças que explicam essa quebra de paradigma?
Os turbinados de antigamente e de hoje
A história do lag é uma novela cumulativa. Para gerar bastante potência, um motor de performance sobrealimentado precisa de um compressor grande, e no caso do turbo, isso significa pás generosas tanto na parte da turbina quanto na do compressor. O problema é que rotores do tamanho de um moinho pesam muito mais e requerem mais energia – maior fluxo de gases do escape – para vencer a inércia, entrar no spool e acelerar, certo?
Mas não é só isso. Não adianta ter um turbo gigantesco se a capacidade de fluxo do motor não foi redimensionada ao ganho de sobrepressão. Para não agir como um gargalo, corpos de borboleta, dutos de admissão e de cabeçote, válvulas e coletores de escape precisam ser bastante avantajados – e o cara que coordena toda a demanda de admissão e escape, os comandos de válvulas, também precisam de geometria agressiva. Só que tudo isso junto traz um problema: com dutos e válvulas maiores, a capacidade máxima de fluxo aumenta, mas até isso acontecer, a velocidade do ar fica mais lenta que em dutos estreitos por princípios básicos de dinâmica dos fluidos.
A melhor forma de se visualizar isso é imaginar dois copos de suco: um com um canudinho de meio centímetro de diâmetro e outro com um canudão de dois centímetros. No último, o esforço de bombeamento que você vai precisar fazer é maior, mas uma vez que a inércia de toda a massa do líquido é vencida, você bebe muito mais.
Para piorar, os motores turbo a gasolina precisam de taxas de compressão conservadoras, e isso também reduz o vácuo gerado nos cilindros (que suga o ar para a câmara de combustão), algo essencial enquanto o spool da turbina não está acontecendo. Some tudo ao lag citado no início deste tópico e você começa a entender por que o comportamento dos esportivos turbinados clássicos em rotações baixas era sofrível. Veja o spool repentino e pouco amigável da Ferrari F40 (V8 biturbo) logo aos cinco segundos do vídeo acima.
A indústria automotiva e as equipes de corrida da época buscaram resolver estas questões na marra, com os recursos que haviam na época. Uma solução simples, brutal e cheia de desperdícios energéticos – mas que resolvia a questão da inércia dos turbos grandes – era o sistema anti lag (foto acima), que deixou os carros de rali mundialmente famosos pelos sons de explosão (vídeo abaixo).
É um sistema que vaporiza ar e combustível diretamente no duto de escape que leva os gases até a turbina. Com a alta temperatura da voluta, a mistura explode e os gases fazem a turbina girar em situações nas quais ela desaceleraria (como quando o piloto tira o pé do acelerador). A consequência é um desperdício enorme de combustível, desgaste precoce da turbina e do coletor, muitas explosões e desempenho pacas. Outra forma, mais sofisticada, foi a união do compressor mecânico ao turbo, o famoso dualcharger.
Mas como foi que os motores downsized contornaram esse problema de comportamento? Bem, para você conseguir tomar com rapidez o suco usando o canudão, você precisa fazer duas coisas no momento inicial: aplicar bastante força “em baixa” e, por que não, esmagar um pouco o canudo, reduzindo o diâmetro do duto e aumentando a velocidade da mistura. Depois que o suco já está fluindo, você deixa o canudo no diâmetro original. No caso dos motores, esta analogia se refere aos comandos e dutos variáveis, mas existe uma infinidade de outros recursos que permitiram a inversão do comportamento dos turbinados em baixas rotações.
Vamos começar pelos motores em si:
Comandos de válvulas roletados e variáveis em duração, cruzamento e levante; mais coletores de admissão variáveis: os comandos são o “cérebro” do motor pois, em essência, definem por quanto tempo as válvulas de admissão ou de escape irão ficar abertas (duração), por quanto tempo ambas ficarão abertas (cruzamento) e o quanto que as válvulas irão descer em direção à câmara (levante). Este trio de características determina toda a demanda de fluxo de ar e combustível e assim desenha a maior parte do comportamento do motor em baixas, médias e altas rotações. As curvas de torque e de potência dos motores dependem de uma série de fatores, mas o maestro da orquestra é representado pelos comandos.
A partir do momento em que se pode variar cada um destes três parâmetros, você tem um motor de múltiplas personalidades, acelerando o enchimento dos cilindros em baixas rotações e permitindo maior massa de mistura admitida em alta. Motores de performance sem comandos variáveis sofrem muito em baixa, pois todo o perfil de fluxo foi desenhado só para o cenário de altas rotações. Os comandos variáveis são um dos componentes mais importantes para que os turbos rendam bem em baixa. Já o sistema de roletes nos tuchos reduz o atrito e as perdas energéticas.
Motores de deslocamento mais baixo empregam ainda os coletores de admissão de geometria variável: em baixas rotações, os dutos (via comportas) assumem desenho estreito que acelera os gases. Em altas rotações, viram dutos avantajados que permitem volumes maiores de ar. Isso acaba acentuando as vantagens dos comandos variáveis.
Injeção direta de gasolina mais gerenciamento eletrônico: se os comandos variáveis são a massa, este tópico é a cobertura do bolo. Como o combustível é vaporizado diretamente na câmara de combustão, os dutos trazem maior massa de ar (no sistema multiponto MPI ou carburado os dutos levam a mistura ar-combustível). Mas há outras vantagens essenciais: a injeção direta trabalha com pressão altíssima, mais de 60 vezes superior à do sistema MPI, o que resulta em gotículas menores, melhor distribuídas e ainda possibilita múltiplas injeções durante os ciclos, arrefecendo a temperatura da cabeça dos pistões. Os pistões também são arrefecidos por baixo, por um sistema de borrifadores de óleo. Tudo isso permite que a turbina trabalhe com maior pressão sem risco de detonação precoce durante a compressão (batida de pino).
A injeção direta é orquestrada pelo módulo (ECU) do motor, que recebe dados de diversos sensores e sondas para comandar a injeção, ignição, corpos de borboleta, válvula wastegate da turbina e se adaptar à diversas condições de altitude, pressão, temperatura e tipos de combustível. Cada vez mais velozes e complexas, as ECU atuais possibilitam que o motor trabalhe de forma muito mais limítrofe na temperatura das câmaras de combustão, sem riscos, protegendo inclusive de situações como falta de combustível.
Evolução das turbinas: no começo deste tópico, falamos sobre como a inércia de rotores maiores é prejudicial. Reduzir a massa das pás é essencial para que o spool comece o mais cedo possível. A indústria hoje usa ligas de titânio, alumínio e até mesmo Inconel e componentes cerâmicos para haver o mínimo de inércia. Para que os rotores girem mais livres, sistemas de roletes cerâmicos foram adotados (veja o vídeo acima). Para acelerar a velocidade dos gases que fazem a turbina girar, motores menores empregam o sistema de duplo fluxo (imagem abaixo): nele, o duto da turbina (vermelho) é dividido em dois – e assim, os gases aceleram com mais facilidade.
A cereja do bolo é a válvula de alívio (wastegate) comandada eletronicamente, em vez de por acionamento pneumático (por pressão no coletor de escape). Com isso, a ECU consegue ter um controle completo do início ao fim do processo de fluxo do motor, o que possibilitou cenários outrora impossíveis, como uma mesa de torque não apenas precoce no conta-giros, mas plana em uma enorme amplitude. Para os preparadores e entusiastas, o fato de a ECU controlar do comando de válvulas à pressão da turbina resultou num universo absolutamente novo no mundo da pimenta: ganhos assombrosos de potência com uma “simples” reprogramação de mapas (que é tudo menos simples).
Desenho sofisticado dos cabeçotes de alumínio: componentes de alumínio, além de mais leves, dissipam melhor o calor que o ferro ou aço, prevenindo a pré-detonação e permitindo taxas de compressão mais altas. Isso não é novidade, o alumínio está presente nos motores de corrida há décadas. Mas hoje, estes cabeçotes, além de apresentarem desenhos muito complexos e precisos nos dutos, válvulas e câmaras de combustão, maximizando o fluxo e criando a turbulência que espalha melhor o calor durante a combustão (evitando pontos concentrados, uma das fontes da batida de pino), apresentam um sistema de arrefecimento isolado do do bloco. Trabalhando muito mais frios, os cabeçotes permitem que se explore ainda mais a pressão de turbina sem risco de batida de pino.
Desenhos e tratamentos para menor atrito: componentes derivados do grafite, deposição de carbono e cerâmica são usados no tratamento das saias dos pistões e de diversos outros componentes, reduzindo o atrito. As saias também estão cada vez mais assimétricas, com o lado mais curto no lado que recebe o esforço da combustão, para reduzir o atrito no filme de óleo (hidrodinâmica). Até os anéis de pistão estão sendo redesenhados com o mesmo fim (imagem abaixo). Pelo mesmo motivo, a indústria têm reduzido o quanto possível os mancais e roletes, e investindo em materiais e tratamentos térmicos cada vez mais sofisticados, amparados pelo avanço no mundo dos lubrificantes sintéticos. Tudo isso reduz o desperdício energético com calor e atrito.
Downsizing não são apenas rosas no mundo dos esportivos
Todos estes avanços tecnológicos listados acima são extremamente benéficos tanto para carros convencionais quanto para esportivos, levando a um aproveitamento energético tão grande que foi possível de se reduzir o deslocamento dos motores sem perdas de desempenho – pelo contrário, estão mais fortes do que nunca, especialmente em torque em baixa. Mas nem tudo é lucro no caso dos últimos: existem alguns pênaltis tanto na hora de abrir o capô e buscar aquela pimenta extra quanto no momento de esmagar o pedal da direita.
A primeira delas é que a preparação dos downsizeds, embora tenha ficado mais fácil pela questão da ECU comandar do corpo de borboleta aos comandos de válvulas e turbina, ganhou um teto fixo difícil de ser contornado. Os motores ficaram não apenas complexos demais, mas também excessivamente integrados em seus componentes. Hoje é quase norma da indústria o cabeçote apresentar o coletor de escape integrado e este, integrado à parte quente da turbina. Muitos motores em V, para reduzir o espaço e melhorar o aproveitamento térmico, estão empregando as turbinas entre as bancadas de cilindros. Tudo isso dificulta e encarece upgrades.
Para quem pilota, embora o pico de torque máximo aconteça em uma rotação muito inferior à dos aspirados, a entrega deste torque não é imediata como em um supercharger. No autódromo (ou naquela estrada de serra…), quando você busca o pedal da direita na saída de curva, existe um pequeno intervalo – um lag microscópico – antes da pressão máxima pintar nos pneus, o que exige um pouco de costume. Afinal, por mais eficaz que o sistema seja, o princípio do turbo ainda é o mesmo: o ar que ele empurra pelo compressor depende da turbina ser movimentada pelos gases de escape. Fica como um pequeno fantasma, um halo, em volta do comportamento do pedal do acelerador. Não se trata sobre perda de tempo, mas sim, sobre as chances de você lidar com subesterço ou destracionamentos até se acostumar com isso.
Por uma questão de conceito, motores turbinados apresentam rotação máxima inferior aos aspirados da mesma família. Caso contrário, ou a turbina entraria em colapso por excesso de rotação e calor, haveria excesso de pressão nos cilindros ou, no cenário mais típico, haveria muito desperdício energético: a partir de certo ponto, a válvula wastegate ficaria quase toda aberta, cuspindo pra fora os gases de escape – em suma, o motor seria praticamente um aspirado nesta condição.
Só que, com rotações máximas mais baixas, a experiência de pilotagem e a própria dinâmica do veículo ficam diferentes: o piloto precisa trocar mais de marcha (o motor fica com “pernas curtas”) e, com menor efeito de freio-motor nas entradas de curva devido ao giro mais brando e ao diferencial mais longo, há uma tendência maior ao sub-esterço, que acaba precisando ser corrigida no acerto de suspensão ou de forma eletrônica, via torque vectoring nos freios. Isso sem falar na experiência auditiva: o ronco, que já é naturalmente mais abafado nos turbinados, fica mais manso.
A Porsche (quem mais…) foi a primeira marca a buscar resolver tudo isso. Por isso, a família dos novos 911 turbinados apresenta corte de giro apenas 300 rpm mais baixo do que o modelo aspirado anterior, resultando em um cenário curioso: a potência máxima vem aos 6.500 rpm, mas o redline está lá na casa do chapéu, aos 7.400 rpm. Esta janela de quase 1.000 rotações por minuto não é bobagem: embora não haja ganho de potência nesta faixa, ela ajuda muito em trechos sinuosos alternados por retas curtas, e ainda permite que os entusiastas saboreiem o ronco agudo e rouco, clássico dos Porsche.
Vamos deixar de drama…
Entendo o dissabor dos entusiastas. A imagem de abertura desta reportagem ficou marcada por carros que abriram mão de parte da música mecânica para se tornar mais eficientes, girando menos e ficando com roncos mais abafados. Nos extremos opostos, o Honda Civic Type R perdeu quase todo o seu ronco característico e frustrou seriamente seus fãs mais ardorosos, enquanto o Porsche 911 manteve a maior parte de sua assinatura sonora. Algumas marcas, como BMW e Audi, estão apelando para roncos reforçados artificialmente pelo sistema de som do próprio veículo. Não subestime seus ouvidos: a Fórmula 1 perdeu muito poder de marca desde que não ronca mais como antes. Somam-se as limitações e inconvenientes listados no capítulo acima, mais um certo receio de que a adoção de sistemas híbridos deixe ainda menos pura a receita dos esportivos.
Fora a questão do ronco e do comportamento, em certa perspectiva, você pode mesmo dizer que, pouco a pouco, estamos perdendo o controle direto das coisas: pra acelerar você conversa com o acelerador eletrônico que controla a abertura de borboleta, para trocar marchas, com a ECU do câmbio automático/automatizado, para frear, com os sistemas de ABS e EBD (este último pode mudar bastante a dinâmica do carro nas entradas de curva), durante as curvas, precisa dialogar com os robozinhos do controle de estabilidade e do torque vectoring e, no raro contraesterço que for necessário, sentirá a atuação do motor elétrico da caixa de direção. E os motores se tornaram montanhas de sistemas variáveis buscando dobrar a física e deixar os golfinhos felizes.
Mas no meio disso tudo, é importante também não sermos catastróficos e melodramáticos. Colocando em perspectiva, para o motorista a adoção em massa do câmbio automatizado ou automático trouxe muito mais impacto à experiência de pilotagem do que a diferença entre um aspirado e um turbinado – até porque, ora essa, o turbo está presente em toda a história dos esportivos, do widowmaker Porsche 911/930, clássicos do rali como Lancia Delta Integrale e Audi Quattro, àquela que até hoje é considerada a Ferrari extrema definitiva, a F40. Então o que temos aqui é mais uma evolução, que entrega sim mais resultados em troca de um pouco de sabor.
Já estamos chegando ao momento no qual você terá de decidir se o seu sonho é ir definitivamente rápido ou se é ter uma experiência orgânica, visceral e sem filtros. Para os primeiros, sempre haverá os esportivos novos. Para os últimos, mais e mais se descobrirá o prazer dos antigos esportivos – neste sentido, por mais moderno que seja, um BMW M3 E46 é quase um Porsche Carrera 2.7 em essência se comparado ao que temos hoje. Em não muito tempo, os motores aspirados estarão limitados a carros de entrada e de nicho. E num futuro que nem está tão longe assim, talvez sequer tenhamos mais carros novos a combustão, incluindo esportivos. Para os apaixonados, a experiência é o que mais importa.