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Técnica

O insano Abarth Triflux

Depois de vencer o título de construtores do WRC com o 037, a Lancia percebeu que precisaria de muito mais que um carro de tração traseira e um motor supercharged para manter seu domínio no Grupo B. Na temporada seguinte, de 1985, o 037 já não era mais tão competitivo e um novo carro foi desenvolvido para sanar seus pontos fracos.

O problema de tração foi resolvido com a adoção de um sistema integral desenvolvido em parceria com a Hewland, que usava um diferencial central para entregar entre 60% e 75% da força para as rodas traseiras e entre 40% e 35% para as rodas dianteiras.

Quanto ao motor, os italianos tendem a ser brilhantes nesse campo, mas não se preocupam tanto em fazer as coisas do jeito mais simples. Em vez de trocar o supercharger por um turbo, eles mantiveram o supercharger e junto dele instalaram um turbo. Era o sistema anti-lag da Lancia. Como o threshold do turbo (o tempo que ele leva para “encher” — leia mais aqui) era imenso, fazendo com que o carro ficasse praticamente sem resposta na fase aspirada, a Abarth manteve o supercharger, que começa a produzir pressão positiva assim que o motor começa a girar.

O resultado foi o Delta S4, o primeiro Lancia com tração integral e o primeiro carro do mundo com os dois tipos de sobrealimentação. Ele estreou ainda na temporada de 1985 vencendo a última etapa da temporada, com Henri Toivonen e Neil Wilson, que foram seguidos por Markku Alén e Ilkka Kivimäki. Nos dois anos em que disputou o Grupo B, o S4 disputou 12 provas, venceu cinco delas e brigou pelo título contra a Peugeot, perdendo o campeonato por apenas 15 pontos (foram 137 da Peugeot contra 122 da Lancia).

O carro era comprovadamente competitivo, mas ainda poderia evoluir. A Lancia então desenvolveu um novo modelo, o ECV, que volta e meia é confundido com o S4 por usar a mesma “bolha” inspirada no Delta de rua. A ideia era fazer um carro ainda mais leve e ainda mais rápido que o S4. Seu nome, ECV, significa Experimental Composite Vehicle (“veículo experimental de compósito”) por ser totalmente feito de Kevlar e fibra de carbono para pesar apenas 930 kg completo.

Sua arma secreta, contudo, não era o baixo peso, mas seu motor: o Lancia Abarth Triflux.

Ele era um quatro cilindros de 1.760 cm³ — tecnicamente nem era um 1.8 — que também usava dois compressores para chegar aos 600 cv, mas agora dois turbos. Apesar de ter o mesmo deslocamento do S4, seu cabeçote era completamente diferente — e muito mais complexo. Uma obra-prima da engenharia experimental do automobilismo.

Seu nome Triflux era uma referência ao fluxo triplo do cabeçote. Em vez de ter a admissão em um lado e o escape no outro, ele tinha a admissão feita pelo topo do cabeçote e oito saídas de escape pelas laterais. Isso era resultado de seu fluxo cruzado nas válvulas — normalmente as válvulas de escape ficam de um lado da câmara de combustão e as válvulas de admissão ficam no lado oposto.

Mas no Triflux, as válvulas eram intercaladas: uma válvulas de admissão e uma de escape em um lado, e uma válvula de escape e uma válvula de admissão no outro lado. Com isso, o fluxo do escape era dividido em dois: a válvula de escape do lado esquerdo dava acesso ao duto de escape do lado direito, e a válvula de escape do lado direito dava acesso ao duto de escape do lado esquerdo. Veja a imagem abaixo que esse conceito ficará claro:

Em azul o fluxo frio (admissão), em vermelho o fluxo quente (escape)

Desta forma, os turbos poderiam funcionar de forma independente. Um deles tinha menor diâmetro para atuar em rotações mais baixas, e o outro tinha maior diâmetro para atuar em rotações mais altas — o que significa que eles não atuavam simultaneamente, mas em estágios diferentes.

Para isso, ele usava duas válvulas de controle (1 e 2) no turbo de maior diâmetro (4), limitando seu fluxo e permitindo que o turbo menor (5) recebesse todo o fluxo de admissão e escape. Quando o turbo menor chegava ao seu limite, as válvulas 1 e 2 se abriam e o turbo de maior diâmetro entrava no jogo. A regulagem da pressão era feita por duas wastegates convencionais (3 e 6). Isso permitiu ao motor que tivesse acelerações responsivas e boost threshold curto em qualquer rotação. 

Além disso, o fluxo simétrico dos gases de escape tornava mais uniforme a temperatura do bloco, pistão e câmara de combustão/cabeçote. Isso eliminava os pontos quentes que causam a detonação da mistura ar-combustível, o que permitia a utilização de maior pressão de trabalho dos turbos, atingindo maior potência.

abarth triflux

Apesar da engenhosidade, o motor jamais competiu. Enquanto a Lancia desenvolvia o ECV e o Triflux, ela foi protagonista do acidente fatal de Henri Toivonen e Sergio Cresto, no Tour de Corse de 1986. O carro caiu em uma ravina e, durante a queda, teve seu tanque de combustível rompido pelas árvores, o que iniciou o incêndio que matou a dupla.

Após o acidente, e considerando o histórico de tragédias do Grupo B, o presidente da FISA, Jean-Marie Balestre, determinou o congelamento do desenvolvimento dos carros e anunciou o fim do Grupo B e do seu sucessor planejado, o Grupo S.

O projeto ECV acabou engavetado junto do Triflux, que era complexo demais para carros de rua, enquanto o Grupo S foi substituído pelo Grupo A, mais seguro e baseado nos carros de rua.