Os esportivos à moda antiga – com motor aspirado, câmbio manual e tração traseira – são uma espécie em extinção. Claro, motores turbo e híbridos são mais eficientes, tração nas quatro rodas é mais eficaz em uma série de situações, e o câmbio de dupla embreagem pode te ajudar a baixar alguns segundos em tempos de volta (aliás, até mesmo automáticos com conversor de torque estão chegando nesse nível, se já não chegaram). Mas, para um entusiasta que valoriza o envolvimento ao volante, nada disso substitui um conjunto minimalista, com tudo “na mão”. Menos potência e menos peso, traseira alegre e um ronco puro e sem distrações.
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Há quem diga que a salvação no futuro serão os carros antigos. Mas, se pararmos para pensar, no futuro os carros atuais serão os antigos. Então, quais são os carros que temos hoje que vão merecer a sua atenção daqui a 20 ou 30 anos?
Essa pergunta, na verdade, poderia até render uma matéria por si só. Por hoje, contudo, vamos analisar um sério candidato: o novo Toyota GR86. Ou melhor: vamos ver o que as análises dele lá fora vem dizendo a respeito. Porque sim, o GR86 já foi testado pela imprensa estrangeira – e, felizmente, eles praticamente não têm críticas. Ao que parece, o GR86 mudou só por desencargo de consciência, afinal a geração anterior já tinha quase dez anos e estava mesmo na hora de dar ao cupê uma nova cara e mais potência. Só que o que importa continuou intacto – e, se em qualquer outro segmento, mudar tão pouco seria alvo de críticas, no caso do Toyobaru é motivo de alívio.
Para saber mais sobre como o GR86 – de Gazoo Racing 86 – foi recebido pela crítica, vamos mergulhar de cabeça em mais um meta-review. Vale lembrar que as impressões se referem ao Toyota GR86, pois o Subaru BRZ ainda não foi testado. Mas, pelo que diz a própria Toyota, o motor do GR86 é mais esperto, enquanto o do BRZ tem caráter mais linear.
Tudo esclarecido? Então vamos lá!
Adam Ismail, do Jalopnik, resumiu bem a impressão que permeia todas as análises que lemos sobre o novo GR86. “O Toyota GR86 não surpreende porque é o mesmo esportivo de tração traseira que conhecemos e amamos há uma década, com o mesmo espírito alégre e filosofia democrática no sobresterço. Exceto que agora ele é mais esperto e preparado para correr atrás [de esportivos maiores e mais potentes]. E não era exatamente disso que o 86 original precisava?”
Ismail refere-se aos incessantes pedidos por mais potência que a Toyota (e a Subaru, que fornece o motor) tiveram de aturar desde o lançamento do Toyobaru em 2012. Os 200 cv do boxer de dois litros podem ser mais que suficientes para qualquer entusiasta se divertir em uma estradinha cheia de curvas, mas em tempos de Super Trunfo virtual é difícil agradar. Nem mesmo o argumento de que os gêmeos foram criados para preparação foi suficiente para aplacar as críticas. Em 2016 rolou um aumento de 8 cv na potência, mas os mais afobados encararam a mudança como um punhado de migalhas. E, bem, com certa razão.
O aumento de potência se deu com a adoção de um boxer maior, de 2,4 litros – o FA24, que é tratado como um “novo motor” no material publicitário, mas tudo indica se tratar de um FA20 com o diâmetro dos cilindros ampliado de 86 mm para 94 mm. O curso dos pistões se manteve em 86 mm,o que é filosoficamente adequado, já que o númeral no nome do carro se refere justamente às medidas do motor; mas também ajuda o motor a subir de giro com mais rapidez.
Naturalmente aspirado, o FA24 entrega 235 cv a 7.000 rpm e 25,5 kgfm de torque a 3.700 rpm. A maneira correta de especificar seu GR86 inclui o câmbio manual de seis marchas, mas é possível optar por uma caixa automática, também com seis marchas. A força vai para as rodas traseiras através de um diferencial de deslizamento limitado Torsen, a suspensão é do tipo MacPherson na dianteira com braços triangulares sobrepostos na traseira, e a plataforma do carro ganhou “elementos modulares” da arquitetura SGP (Subaru Global Platform). Graças ao uso de novas travessas diagonais conectando a suspensão dianteira ao monobloco e outros reforços, como um anel de aço atrás do habitáculo, ligando as longarinas superiores e inferiores, o GR86 traz um aumento de 50% na rigidez lateral em relação ao modelo anterior.
As mudanças acrescentaram quase 10 kg ao peso do carro em ordem de marcha – de 1.298 kg para 1.307 kg. Com o ganho de potência em quase 30 cv, não dá nem para ficar chateado. Na verdade, o ganho irrisório de massa só foi possível porque, a fim de abaixar o centro de gravidade e compensar o peso extra do powertrain, o GR86 recebeu para-lamas, teto e capô de alumínio.
Mas como a afirmação de que o GR86 ficou igual, só que melhor, se traduz na prática?
Dá para reescrever essa frase dizendo que o novo GR86 segue a mesma receita (mesmo a estética é claramente evolutiva), porém melhor executada. Mas é preciso prestar atenção aos detalhes para entender como isso afeta a experiência ao volante.
Adam Ismail prossegue com suas impressões:
“Em termos de dinâmica, lutei para apontar as diferenças entre o carro antigo e o novo. Forçando um pouco a barra, talvez o GR86 seja um carro mais decidido graças às melhorias na rigidez lateral. Em grande parte, os carros se comportam praticamente da mesma forma quando mudam de direção: imediatos e alegres, porém com equilíbrio. A direção é relativamente leve tanto no carro novo quanto no antigo, com uma pequena folga que deixa espaço para melhorias, mas certamente não pronunciada o bastante para incomodar.
Talvez donos experientes do 86 ou do BRZ possam notar as diferenças que não notei nas curvas. Mas uma diferença que todo mundo vai notar é o torque extra, e particularmente quando ele entra em ação. O novo motor 2.4 toma corpo muito mais rápido, e você não precisa mais manter-se sempre no limite de giro de cada marcha para aproveitá-lo ao máximo. O GR86 só é um carro mais amigável de levar ao limite. E, quando você o faz, com certeza passa a impressão de que ele tem mais para entregar.
(…) O motor é o que realmente vira o jogo com o GR86. Ele deixou o carro mais responsivo de forma geral, e eu desconfio que o clamor por um sistema de indução forçada, que já foi ensurdecedor, vai diminuir um pouco com essa nova geração.
Um detalhe que todas as avaliações abordaram é o fato de os pneus serem diferentes dependendo da versão. O modelo básico é calçado com um jogo de Michelin Primacy HP de 17 polegadas – exatamente os mesmos que no 86 antigo. Na versão Premium, porém, os Michelin dão lugar a quatro Pirelli Sport 4 de 18 polegadas. São pneus mais grudentos, sim, mas a unanimidade absoluta (unanimidade mesmo) é a seguinte: os pneus mais baratos podem divertir mais a quem quer simplesmente esticar as pernas na pista e escorregar a traseira algumas vezes. Os pneus melhores deixam o carro mais plantado, e mitigam um pouco as estripulias. Aaron Gold, da Motor Trend, resume bem: “os pneus mais baratos tornam as derrapagens controladas mais fáceis, e em um carro como o GR86 isso é 3/4 da diversão.”
Falando em derrapagens controladas, elas são outra coisa que o motor mais potente facilitou. Gold acrescenta:
“Por mais que o motor não seja forte a ponto de derreter os pneus como se fossem manteiga, sua recém-adquirida potência extra torna os powerslides mais fáceis – é só colocar o carro no modo Track para desligar o controle de tração, e diminuir a atuação do controle de estabilidade. Depois, reduzir a marcha, dar uma bela virada no volante e pisar fundo no acelerador. É difícil fazer o GR86 perder o controle e sair rodando, e mesmo não estando no modo Track o controle de estabilidade permite uma dose surpreendente de sobresterço antes de intervir para te ajudar a corrigir, o que é uma boa surpresa se tratando da Toyota.”
Patrick George, do The Drive, oferece uma análise mais abrangente do quanto o GR86 melhorou na pista – na verdade, ele achou as melhorias mais sensíveis. Não é só uma questão de “igual, só que melhor, para ele. Ele diz que, fora o motor, há mudanças significativas no peso da direção e na qualidade da suspensão.
“Velocidade em linha reta nunca foi o ponto forte do 86, mas com quase meio litro a mais no deslocamento o novo GR86 vai de zero a 100 km/h em 6,1 segundos com o câmbio manual. É quase 1s mais rápido que antes, e pode apostar que isso faz diferença nas retas. O carro agora segue em frente com um senso de urgência que o modelo anterior nunca teve. Está certo que ele não vai tirar o sono dos esportivos turbinados, mas ele dá conta do recado. O aumento de potência é perceptível e bem vindo, bem como a curva de torque mais plana, que faz uma diferença absurda na pegada.
Depois, tem a direção, que é totalmente nova, elétrica e menos pesada. Ela passa uma sensação de mais leveza e suavidade, com mais assistência, mas mesmo com menos vibrações, ela ainda dá um feedback muito bom. Na verdade, ela ficou ainda mais comunicativa. Quer escorregar a traseira? O GR86 te mostra como. E a suspensão ficou bem mais confortável.”
Não estou exagerando – todos os que andaram no GR86 fizeram elogios semelhantes, e fazia bastante tempo que não topava com um carro tão elogiado, de forma tão parecida. Dá para perceber que a Toyota e a Subaru tomaram tempo para ouvir as críticas e tentar solucionar os “defeitos” do GT86/Subaru BRZ até onde dava sem apelar para a sobrealimentação. O que, no contexto atual, chega a ser louvável. Quer um 86 turbinado? Compre o seu e turbine.
Mesmo as críticas direcionadas ao carro valeriam para qualquer cupê esportivo: o banco traseiro apertado que só acomoda crianças pequenas, o porta-malas igualmente pequeno e de acesso burocrático, e o acabamento interno apenas satisfatório.
É o tipo de coisa que deixa a gente com sentimentos mistos: ficamos satisfeitos em saber que ainda se faz carros como o GR86 (e, provavelmente, o novo BRZ), mas também ficamos chateados por saber que, depois dele, provavelmente não haverá outro. E mais ainda por termos a certeza de que ele jamais será vendido aqui. Nunca quisemos estar errados tanto quanto agora.