FlatOut!
Image default
Car Culture

O outro “teste do alce”: quando o objetivo é não desviar

Por quase seis anos eu fui o louco proprietário de um Classe A, o famoso Mercedes da classe B, que era conduzido por mim como se fosse um Classe G. Um carrinho muito valente, se querem saber, apesar de seus vários defeitos. Ou melhor: “particularidades”. Carro que a gente gosta não tem defeito, é igual esposa e amigo: tem particularidades.

E dentre as particularidades do Classe A W168, a mais notável era o acerto de suspensão exageradamente firme. Um arranjo independente com McPherson e braços arrastados que controlava a carroceria contrariando a física, mas que cobrava seu preço no quesito conforto — afinal, a física ainda é física e a suspensão não era mágica.

Mas ele não nasceu assim. Nem fui eu quem a estragou, não era rebaixado ou coisa do tipo. Aquela suspensão esquisita foi obra da própria Mercedes. Quando eles desenvolveram o carro, na metade dos anos 1990, ele tinha o padrão de conforto que se espera em um Mercedes-Benz. E ele foi para as lojas assim. Só que, no início de 1997, logo nos primeiros meses de vendas, uns suecos malucos decidiram fazer um teste muito comum por lá: o “teste do alce”.

O alce é um cervídeo exótico para nós. Ele não habita a América do Sul e, por aqui, seus parentes mais próximos são os cervos e veados, que são bem menores e, por isso, não ameaçam a segurança no trânsito — até mesmo por que o habitat natural destes animais não costuma ter muito trânsito.

Mas nos países do hemisfério norte os alces são uma preocupação, por que eles não são do tamanho de cães como os veados e cervos. Eles são maiores que touros e vacas — um alce macho pode chegar a 2 metros de altura e 2,5 metros de comprimento, pesando até 700 kg. Atropelar um animal desse é tragédia na certa.

Mas desviar deles também pode ser, porque a manobra de desvio é das que mais desestabilizam um carro, pois ela submete à suspensão a uma transferência rápida de carga que, em velocidade, acaba multiplicada podendo consumir todo o curso da suspensão. Nesse caso, ela passa a atuar como uma alavanca para tombar o carro. Se escapa de um acidente causando outro.

Por isso, o teste do alce é comum na Suécia. Os jornalistas entram no carro e simulam um desvio. Se o carro se descontrolar, é reprovado. Não serve para desviar de alces “no susto”. Se ele for controlável pelo motorista, é bom e seguro. A maioria dos carros é reprovada por que sai excessivamente de frente ou de traseira, ou apresenta risco de tombamento. Mas com o Mercedes Classe a foi pior: o piloto mal teve chance de tentar controlar o carro. Ele capotou com os jornalistas dentro e causou um baita problema de imagem para a Mercedes.

O jeito foi recolher o carro, revisar a suspensão — e torná-la desconfortável para ser estável — e ainda instalar no carro mais barato da marca toda a suíte de assistências do carro mais caro na época, o Classe S W220. Funcionou: o carro se tornou quase incapotável, com direito a teste independente do TÜV, uma espécie de “Inmetro germânico”, certificando sua segurança. Mesmo assim, o carro acabou apelidado carinhosamente pelos fãs europeus de “Elch”, que é “alce” em alemão.

Até hoje o teste do alce é usado para avaliar a segurança dos carros nesta situação, afinal, somente na Suécia estima-se que existam cerca de 600.000 alces e os acidentes envolvendo estes animais ocorrem várias vezes ao dia em todo o país — algumas fontes falam em mais de 5.000 acidentes por ano. Além disso situações de desvio emergencial não acontecem apenas quando um alce atravessa a pista, mas também quando uma criança entra correndo na rua, ou quando um acidente acontece na faixa ao lado, por exemplo.

Depois do Mercedes Classe A, outros carros de grandes fabricantes reprovaram no teste do alce, como a Toyota Hilux de sétima e de nona geração, o Dacia Duster de primeira geração e o Jeep Grand Cherokee da penúltima geração.

Agora… os suecos da Saab foram além nos testes de segurança contra alces. Não contentes em fazer seus carros capazes de desviar destes enormes animais, eles decidiram criar um teste no qual o carro acerta propositalmente um alce para ver o que acontece com a estrutura do teto e colunas A — o que faz todo o sentido, afinal, nem sempre se consegue desviar. Não pensar nisso seria como não usar airbags e dizer: desvie do acidente.

É claro que a Saab não usava alces de verdade (nem cadáveres de alces, como a indústria automotiva já fez com humanos). Em vez disso, eles criaram um boneco de alce de 400 kg, um simulacro feito com uma tora de madeira como eixo central, simulando a coluna vertebral do alce e um emaranhado de cabos elétricos e metálicos simulando os tecidos moles, tudo envolto por uma camada de lona simulando a pele do animal. Isso era estruturado sobre dois pilares laterais simulando a altura do bicho.

O carro era então lançado contra esse boneco e a integridade estrutural era avaliada e, se necessário, correções eram feitas ao projeto das colunas e teto para resistir ao impacto de forma a não oferecer risco de morte ao ocupantes do carro.

Esse teste do alce, contudo, durou pouco na Saab — ele foi usado do início dos anos 1990 até pouco antes do processo de recuperação judicial da empresa, iniciado em 2010. Antes disso, a Saab usava um outro método para medir a resistência do teto e colunas dos seus carros: o “drop test”.

Eles simplesmente içavam o carro de cabeça para baixo e o soltavam para uma colisão contra o chão. Até mesmo o para-brisa era testado por sua resistência — e é por isso, por exemplo, que o do Saab 99/900 tem uma curvatura tão grande.