Parte da internet e milhares de fãs de tecnologia ficaram em polvorosa nesta semana quando um vídeo que mostrou o sistema Autopilot da Tesla “prevendo” um acidente ganhou as redes sociais. Para muitos, a capacidade aparentemente sobre-humana do sistema semi-autônomo é a prova de que “humanos deveriam tirar suas patas do volante” e que “no futuro todos seremos proibidos de dirigir porque um computador é melhor que nosso cérebro” e centenas de outros comentários igualmente deslumbrados, motivados pelo calor do momento.
Acontece que o sistema Autopilot não “previu” nada.
Antes de prosseguir com a leitura, assista ao vídeo com atenção:
O Tesla estava trafegando normalmente pela faixa rápida (da esquerda, claro), quando freia de forma progressiva, porém repentina. Em uma fração de segundo, o carro à sua frente acerta a traseira de outro carro. Em tempos de títulos sensacionalistas que frequentemente distorcem a realidade em troca de um clique nas redes sociais, dizer que o Autopilot “previu” o acidente é, no mínimo, ingenuidade.
Apesar da qualidade baixa, é possível notar através do para-brisa traseiro do carro cor de vinho que o carro à frente dele já estava freando antes do primeiro alerta sonoro. O Tesla Autopilot não freou nesta hora (note sua distância em relação ao carro da faixa da direita): como um bom sistema de frenagem de emergência ele soou um alarme de distância mínima (cerca de um segundo após o acionamento dos freios do carro à frente do carro cor de vinho), e somente quando o carro chegou à distância mínima segura sem reação do motorista que o Autopilot acionou os freios automaticamente.
Note as luzes de freio acesas aos 0:06 do vídeo — o alerta do Autopilot soa somente um segundo mais tarde, entre 0:07 e 0:08.
O que o Autopilot fez, na verdade, é algo que vários outros sistemas de frenagem automática de emergência fazem. Não houve exatamente uma previsão de acidente: os freios do carro a frente do hatch cor de vinho já estavam acionados pouco antes do Autopilot detectar a desaceleração. Ele apenas detectou uma desaceleração brusca e, diante da ausência (input) do motorista após determinado intervalo de tempo, o sistema acionou os freios automaticamente. Mesmo que os carros não tivessem batido, ele teria freado da mesma forma.
O Autopilot foi programado de acordo com os mesmos princípios básicos de uma série de ações conhecida como “direção defensiva”. Quando dirige em uma fila de carros, como é comum nessa época do ano mesmo em rodovias com várias pistas, um bom motorista jamais se concentra apenas no carro à sua frente. Ele mantém uma distância segura para obter espaço e tempo em caso de emergência, mas também para conseguir observar o trânsito mais adiante, o que acontece além do carro imediatamente à sua frente.
Assim, um motorista atento e praticante da direção defensiva também poderia ter notado a parada repentina do trânsito à frente e freado a tempo — algo que o motorista do carro vermelho escuro não notou pois estava pregado na traseira da minivan/SUV preta. Além disso, a colisão não acontece dois carros à sua frente, como vem sendo divulgado. O SUV preto freou a tempo de não bater, e foi arremessado para a frente com o impacto do carro do carro cor de vinho.
O Tesla Autopilot mantém a distância que todo motorista deveria manter. Como qualquer máquina, ele aplica rigorosamente as regras ideais previstas na programação (sua Inteligência Artificial). Suas câmeras e seu radar fazem o papel dos olhos humanos, observando não apenas o carro à frente, mas também o trânsito adiante.
Este texto, contudo, não visa colocar em dúvida a eficácia do Autopilot; pelo contrário: se o motorista do Tesla for alguém tão inconsequente quanto o causador do acidente, o Autopilot está realmente salvando a vida do sujeito a cada quilômetro rodado. Além disso, o Autopilot consegue evitar colisões à noite contra carros com luzes apagadas ou obstáculos não-iluminados — algo que o olho humano só irá detectar quando os obstáculos entrarem na área iluminada pelos faróis do carro.
Por outro lado, este vídeo reforça a importância de se dirigir atentamente e defensivamente em situações como esta — estrada cheia, motoristas inconsequentes etc. Você não precisa de um sistema semi-autônomo para fazer o que você poderia (e deve) fazer. Deixe que ele te ajude em situações em que nossos sentidos são insuficientes.
Este texto foi editado às 19:15 de 29/12 com correções sobre a atuação do sistema Autopilot