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Car Culture

O túnel de testes “secreto” da IndyCar construído no meio de uma floresta

Há alguns meses, contamos aqui como funcionam os túneis de vento — aquelas estruturas enormes, dotadas de motores gigantescos que fazem ventiladores descomunais soprarem a quase 300 km/h para testar a aerodinâmica dos carros. Acontece que estes complexos não conseguem simular todas as condições de um carro acelerando sobre o asfalto e, desta forma, não dá para ter resultados 100% confiáveis.

A verdade é que nunca dá — ainda mais se tratando de carros de competição, pois nada é capaz de simular as condições de aceleração em pista. O ideal seria usar um túnel bem longo, mas é preciso muito mais espaço e, claro, dinheiro. A não ser que você encontre um túnel já pronto, abandonado e esperando para receber seus carros de corrida e equipamentos. Chip Ganassi, um dos maiores empreendedores do automobilismo americano, encontrou um, mas não queria que ninguém soubesse.

Só que o negócio não deu muito certo.

Para contar melhor esta história, é preciso voltar mais de um século no tempo. Como conta Larry Webster, da Road and Track, em 1883 dois homens muito poderosos decidiram se juntar para construir uma ferrovia entre as cidades de Harrisburgh e Pittsburgh, no estado da Pensilvânia, EUA. Eles eram Andrew Carnegie, um dos mais bem sucedidos empresários do ramo de mineração de ferro, e William H. Vanderbilt, dono de um império de construção de ferrovias. Foram dois anos de trabalho e nove túneis construídos, e tudo estava quase pronto quando, em 1885, os investidores acharam que era uma má ideia e decidiram pular fora.

Resultado: nove túneis abandonados por quase 40 anos, até que o governo do estado e o sindicato dos caminhoneiros decidiram reaproveitar a rota e alguns dos túneis para construir uma rodovia pedagiada, que hoje é conhecida como Pennsylvania Turnpike.

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A estrada foi aberta em 1940 e foi um estouro — com quatro faixas, se tornou uma das principais rotas da região. Ironicamente, porém, os túneis eram um ponto fraco, pois eram mais estreitos e causavam “gargalos” no trânsito, prejudicando o fluxo e a segurança dos motoristas. Resultado? Em 1964 foram construídos desvios e os túneis foram abandonados de novo.

Poderia ser o fim de uma história sobre como uma ferrovia abandonada se tornou uma das estradas mais importantes da Pensilvânia, mas você não veio aqui para ler sobre isso, veio?

É aí que entra Chip Ganassi. Ele é um dos grandes nomes do automobilismo americano, e sua empresa, a Chip Ganassi Racing, é dona de diversas equipes que competem na Nascar, na Indy e na menos conhecida United SportsCar Championship (USCC) com carros de turismo. Para ilustrar a importância do cara, porém, só precisamos dizer uma coisa: ao lado de Pat Patrick, ele foi dono da equipe Marlboro (Patrick Racing) que competiu na Fórmula Indy em 1989 — a equipe de Emerson Fittipaldi que, naquele ano, venceu a Indy 500 e ficou com o título do campeonato.

Quinze anos depois, porém, Ganassi faria uma coisa que, para algumas pessoas, daria a ele ainda mais notoriedade, embora ele ainda não soubesse disso — e muito menos quisesse. Só que é simplesmente impossível comprar um túnel abandonado por 40 anos, começar a testar carros de corrida nele e não ser notado.

Foi exatamente o que ele fez em 2004, depois de conversar com seus engenheiros sobre a possibilidade de conduzir testes em linha reta e desenvolver melhor não apenas a aerodinâmica, mas as relações de marchas e até os amortecedores de seus monopostos da Indy e bólidos da Nascar sob condições de aceleração e desaceleração extremas — algo muito mais difícil de ser realizado em um túnel de vento.

Primeiro ele pensou em encontrar uma pista de pouso ou algo parecido e construir um complexo de testes ali. Logo surgiu a ideia de construir um túnel mas, como dissemos, isto demandaria mais dinheiro e, principalmente, tempo. Um túnel já pronto seria o ideal e, sendo o dono de uma equipe de corridas cujo quartel-general ficava em Pittsburgh, Ganassi sabia exatamente onde encontrar um túnel abandonado. Vê onde isto vai parar?

Competindo profissionalmente na elite do automobilismo americano havia um bom tempo, Ganassi não era exatamente um homem carente de recursos — não o bastante para sair esbanjando por aí (na verdade isto nunca é uma boa ideia), mas o suficiente para adquirir o lugar, fechar as duas pontas, iluminar o local, instalar equipamentos de telemetria e começar a acelerar por lá.

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Os resultados de seus testes começaram a ser vistos anos depois — a equipe de Ganassi ficou com todos os títulos da Indy entre 2008 e 2011, e acredita-se que grande parte se deve ao acerto dos carros depois dos testes, que podiam ser realizados diversas vezes, o ano todo, longe dos olhos dos concorrentes e com resultados muito mais precisos, pois o vento e o clima não interferiam no comportamento dos carros. E seria um segredo se, em 2006, um blogueiro não tivesse fotografado algumas evidências em uma página que hoje, não existe mais (este outro link foi recuperado do Internet Archive, mas as fotos não estão mais disponíveis).

As imagens, que traziam entre elas uma foto de vários pneus de competição abandonados perto do túnel de Laurel Hill, que tem cerca de 1,6 km de extensão, deram início a uma série de boatos, que foram sendo negados um a um por Ganassi.

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Com o passar dos anos, de tempos em tempos sites especializados descobriam mais peças da história e tudo parecia se encaixar. Foi só em 2012 que, em um artigo da Autoweek, Ganassi admitiu que tinha um túnel “particular, mas não secreto” onde sua equipe realizava testes. Foi neste artigo, também, que ele resumiu de forma muito clara e objetiva as vantagens de usar o túnel.

“Dá para trabalhar ali 365 dias por ano, e eu não preciso me preocupar com barulho ou mudanças no clima. Aquilo é real, não é um modelo. Toda equipe tem um túnel, só que o nosso é diferente. Lá é tudo para valer, porque o calor está todo nos lugares certos. As temperaturas são reais, não calculadas ou simuladas.” Obviamente ele não é o único que conhece os benefícios e, empreendedor que é, sabe usar isto a seu favor “Sou o dono do túnel, e o deixo disponível a outras empresas que possam se beneficiar dele”. Por “beneficiar” entenda “pagar pelo uso”.

Entre estas “outras empresas” há quem cite a equipe da Toyota de Fórmula 1, mas nada foi confirmado.

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Foto: Road & Track

Também não se sabe mais nada a respeito do túnel, e Ganassi quer que continue assim. Como conta a matéria da Road and Track, a utilização do túnel como centro de testes está em risco, pois tanto a Nascar quanto a IndyCar acreditam que seja uma vantagem desleal. Para desestimular a prática, em 2015 a Indy limitou o uso de complexos de testes particulares (como túneis de vento e circuitos) a 14 dias, enquanto a Nascar proibiu qualquer tipo de teste fora dos dias estipulados pela organização.

Infelizmente mais uma ideia inovadora do automobilismo está em vias de ser proibida em nome da competitividade, o que é realmente uma pena.

[ Com informações de Autoweek, AutoRacing1 e Road & Track ]