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Car Culture

Os melhores carros de corrida que nunca correram

O panteão dos deuses do automobilismo costuma ser povoado por vencedores ou, no mínimo, pelos grandes rivais vencidos — sejam eles pilotos, equipes, projetistas, navegadores, carros ou motores. Mas, às vezes, a história reserva um lugar especial para aqueles que nunca tiveram a chance de realizar nada disso. Como? Bem… nesse caso de hoje, foram carros projetados para as pistas, mas que, por circunstâncias alheias à sua engenharia, nunca tiveram a chance de competir. Eles entraram para a memória não pelo que foram, mas pelo que poderiam ter sido. Aqui estão os melhores carros de corrida que nunca correram.

Diablo GT1

Quando Ferruccio Lamborghini fundou a fabricante que leva seu sobrenome, não queria vencer corridas, e sim garantir que seus carros de rua fossem os melhores esportivos da Itália — mais especificamente, superiores aos da Ferrari.

Isso não impediu, contudo, que a marca se aventurasse pelo automobilismo vez ou outra. Como aconteceu em 1997, quando a empresa francesa Signes Advanced Technology, ou simplesmente SAT, foi contratada para criar um carro de corrida a partir do Lamborghini Diablo. A ideia era que o supercarro seguisse o regulamento da categoria GT1 da FIA — a mesma cuja evolução deu ao mundo o Porsche 911 GT1 vencedor das 24 Horas de Le Mans de 1998.

Enquanto a SAT se encarregaria das modificações estruturais e da carroceria, a Lamborghini forneceria o motor e cuidaria de todo o processo de homologação, o que exigia a fabricação de pelo menos 25 exemplares de uma versão de rua.

Em 1997, o Diablo usava um motor V12 de 5,7 litros que, na versão GT, entregava 583 cv. O regulamento da GT1 permitia motores de até seis litros e 600 cv e, para alcançar tais números, a Lamborghini ampliou o curso dos pistões e reprogramou o sistema de injeção. De acordo com o site Lambocars, especializado na história dos touros italianos, o resultado foi nada menos que 664 cv. Talvez a ideia fosse amansar o motor antes de apresentar o carro à FIA.

A carroceria também era um tanto diferente, feita inteiramente em fibra de carbono pela própria SAT. O bodykit era novo, trazendo um gigantesco spoiler na dianteira, dutos no capô e uma traseira mais baixa, dando uma postura ainda mais sinistra ao Diablo. Além disso, toda a porção traseira podia ser removida para facilitar o acesso ao motor V12. Os faróis escamoteáveis deram lugar a peças fixas, com projetores e uma lente que deixavam espaço para pequenas entradas de ar na parte superior. Atrás do para-choque dianteiro ficava um radiador de óleo.

A SAT também retrabalhou toda a geometria da suspensão e modificou o interior com uma gaiola de proteção integral — e não muito mais do que isso. Havia também um novo console central, com a alavanca da caixa sequencial de seis marchas Hewland. Fora isso, o visual do lado de dentro era bastante similar ao original.

“Então existem 25 carros como este por aí, Flatout?” Não: existem apenas dois. Os carros foram apresentados à Lamborghini em abril de 1997 e também aos oficiais da FIA, que confirmaram a homologação do bólido.

Acontece que, naquela época, a Lamborghini estava em transição, prestes a ser comprada pela Audi. Com isso, a fabricante julgou que seria imprudente continuar investindo no projeto sem saber se os novos donos o levariam adiante. Assim, o programa foi cancelado, e a empresa não quis sequer ficar com os dois carros.

Um deles, branco, foi vendido para um clube de proprietários de Lamborghini no Japão, que correu com o Diablo GT1 no Campeonato Japonês de Turismo por alguns anos. O outro, amarelo, ficou com a SAT e, até pouco tempo atrás, era possível vê-lo em exposição nas instalações da empresa.


F50 GT

Em 1996, quando o “mundial de endurance” foi o BPR Global GT Series, a Ferrari decidiu entrar na briga. O campeonato seguia o regulamento GT1 da FIA, que deu origem a especiais de pista como o McLaren F1 GTR, o Porsche 911 GT1 e a até a Ferrari F40 GT/LM, que corria nas mãos de equipes independentes. Para disputar o campeonato, contudo, a Ferrari não usaria a F40, que já estava fora de produção desde 1992. O carro para esta nova incursão no endurance seria seu novo supercarro, a F50.

A arma nada secreta do carro era o V12, derivado do motor Tipo 036 da Ferrari 641. Ele teve o deslocamento ampliado de 3,5 para 4,7 litros e ganhou comandos mais comportados, um novo trem de válvulas e novos sistemas de admissão e escape para sair da F1 e rodar nas ruas. Apesar da domesticação do motor, ele ainda produzia 520 cv a 8.000 rpm e 47,9 kgfm. Com o câmbio de seis marchas, o V12 levava a F50 de rua aos 100 km/h em 3,7 segundos, com velocidade máxima de 312 km/h.

Era o carro perfeito para enfrentar a concorrência. Afinal, o McLaren tinha um V12 naturalmente aspirado de seis litros e 636 cv, enquanto o Porsche 911 GT1 (que era basicamente um protótipo do Grupo C com alguns componentes de carroceria do 911) era movido por um flat-six de 3,2 litros com dois turbos e pelo menos 640 cv. Ambos tinham a potência restrita a cerca de 600 cv para adequar-se ao regulamento da FIA.

Para transformar a F50 em um carro capaz de rivalizar em igualdade e superar estes concorrentes, a F50 GT, a Ferrari ainda deu ao motor uma maior taxa de compressão, novos comandos de válvulas, fluxo retrabalhado nos cabeçotes e uma nova calibração do motor, providenciada pela Michelotto, que trabalhava junto da Scuderia desde o fim da década de 1970. Sem qualquer tipo de indução forçada, a Ferrari conseguiu extrair mais 240 cv do V12 da F50, chegando a insanos 760 cv a 10.500 rpm. O torque foi para 52,9 kgfm a 8.000 rpm.

a dianteira recebeu entradas de ar maiores e um spoiler mais pronunciado e a traseira perdeu a asa integrada, que deu lugar a uma peça fixa de visual mais tradicional e agressivo. Ela também deixou de ser conversível, recebendo um teto de fibra de carbono com um duto de admissão para o motor.

O interior foi aliviado, perdendo o pouco de refinamento que a F50 tem nas portas e no assoalho e ganhando uma gaiola homologada para a categoria GT1. Nos três protótipos feitos em 1996, até mesmo o banco do carona foi removido. Com isto, a F50 GT ficou 322 kg mais leve que a versão de rua – de 1.231 kg para 909 kg. Relação peso potência: 1,2 kg/cv.

A suspensão usava amortecedores ajustáveis Koni nas quatro rodas — e as rodas originais deram lugar a um jogo da Speedline, de 20 polegadas. Os discos de freio eram de carbono-cerâmica, muito parecidos com os utilizados na Fórmula 1 na época. Na prática, a F50 se tornava um carro de F1 fechado, com dois lugares e rodas cobertas.

Agora imagine isso em uma época na qual praticamente nenhuma fabricante estava investindo nas 24 Horas de Le Mans. Em 1996, por exemplo, a Porsche só colocou o nome no protótipo que disputou a corrida. Quem construiu o carro e operou a equipe foi Tom Walkinshaw. Tanto que o Porsche WSC-95 que venceu Le Mans em 1996 e 1997 era um Jaguar XJR-14 (também de Walkinshaw) modificado para se adequar ao regulamento. Ele sequer parecia um protótipo da Porsche.

A ausência das fabricantes foi o que facilitou o caminho da McLaren à vitória em 1995 — e não foi pela própria McLaren, mas por uma equipe cliente. Tanto que naquele ano e no ano seguinte, em 1996, ainda não havia o F1 Long Tail, que foi desenvolvido pela McLaren para manter o F1 competitivo. Foi somente em 1997 que a McLaren colocou uma equipe oficial de fábrica na disputa.

A F50 poderia ter disputado, portanto, a classe LMGT1, a mesma do McLaren F1 e do Porsche 911 GT1. Esta categoria, embora fosse baseada em carros produzidos em série, tinha um ritmo de corrida praticamente idêntico ao dos LMP1. A própria Ferrari tinha um carro no páreo, a 333SP, que era feita pela Dallara com um motor Ferrari, mas sem envolvimento oficial da fabricante.

Acontece que os carros jamais passaram da fase de pré-produção. Sabe-se lá por que o desenvolvimento levou tanto tempo, mas até 1998 a Ferrari só tinha três protótipos. Naquele ano o BPR Global GT foi transformado no Campeonato de GT da FIA, mas a Ferrari decidiu cancelar o projeto.

O motivo, claro, nunca foi divulgado, mas lembre-se que 1996 foi o ano em que Michael Schumacher estreou na Scuderia. Foi uma época de treinos e testes ilimitados — algo que Michael Schumacher ficou conhecido por fazer incansavelmente. É bem provável que, diante da possibilidade de voltar a ser campeã da Fórmula 1 (afinal, havia um jejum por ali também) e da instabilidade do regulamento do endurance mundial, a Ferrari tenha cancelado o projeto da F50 GT para se concentrar na F1.

Note também que a Ferrari só voltou a Le Mans depois de dez anos do atual Mundial de Endurance e com um regulamento que mantém os orçamentos contidos, o que corrobora para a hipótese de que o endurance nos anos 1990 ficaria caro demais para quem tinha Schumacher e testes ilimitados na F1. A F50 certamente seria limitada a 600 cv como foram todos os GT1 daquela era, mas com menos de 1.000 kg e com todo o DNA de Fórmula 1 do carro, é difícil imaginar um cenário no qual ela não brigaria por vitórias.


Porsche LMP2000 (9R3)

Tudo começou em 1998, quando a Porsche ainda competia com o emblemático 911 GT1. O projetista do GT1, o holandês Wiet Huidekoper (que também havia sido responsável pelo sucesso do Dauer 962 nas 24 Horas de Le Mans em 1994), foi contratado para desenhar um novo protótipo para a temporada de 2000 do Campeonato Mundial de Endurance, que inclui as 24 Horas de Le Mans.

A ideia era ter um carro e uma equipe completa para competir até o início da temporada e, para isso, uma equipe encabeçada por Huidekoper e pelo engenheiro Norbert Singer foi formada e começou a trabalhar imediatamente. Em novembro de 1998, o protótipo já estava pronto.

Era um carro de corrida com cockpit aberto e assoalho plano — um dos pontos-chave do novo regulamento, que proibiu os dutos venturi no assoalho, responsáveis pelo efeito solo. Assim, atenção especial foi dada à aerodinâmica do 9R3, que foi o primeiro carro de corrida da Porsche a ser inteiramente projetado em CAD, em vez de modelado à mão em argila.

Inicialmente, o motor seria o flat-six turbo de 3,6 litros já utilizado no 911 GT1. No entanto, em novembro de 1998, Huidekoper sentou-se com o resto da equipe e disse que reaproveitar o boxer pela enésima vez seria uma má ideia. Ele explicou que, além de pesado demais, o flat-six dificilmente poderia ser usado como componente estrutural do carro e, por isso, era a maior fraqueza do projeto. Depois disso, a Porsche ficou tão frustrada que decidiu abandonar o projeto 9R3.

A empresa voltou atrás em março de 1999, chamando Huidekoper para uma reunião em Weissach. Lá, o projetista soube que havia um motor secreto disponível: um V10 de cinco litros desenvolvido como exercício de engenharia para um possível motor de Fórmula 1. Em 1991, a Porsche havia fornecido um motor V12 de 3,5 litros para a equipe Footwork. Foi um fracasso: o motor era pesado, fraco e quebrava demais, o que levou a Footwork a encerrar a parceria na temporada seguinte.

Em vez de lamentar, a Porsche continuou desenvolvendo o motor em segredo. Assim surgiu o V10 de cinco litros, com comando duplo nos cabeçotes e sistema de válvulas com molas pneumáticas, que naquela configuração entregava algo entre 700 e 800 cv. Seria o motor perfeito para reviver o projeto 9R3.

O sistema de válvulas pneumático foi removido para manter a simplicidade do motor e torná-lo mais durável. Com um aumento no curso e no diâmetro, o deslocamento foi ampliado para 5,5 litros. Para receber o novo motor, o Porsche 9R3 teve a estrutura e a suspensão retrabalhadas, mas no mais era praticamente o mesmo carro projetado meses antes. Tudo ficou pronto em maio de 1999, e os testes começaram imediatamente.

O Porsche 9R3 foi testado por Allan McNish e Bob Wollek no circuito particular da companhia por apenas dois dias. De acordo com relatos da imprensa na época, os pilotos elogiaram o desempenho do protótipo, embora o pouco tempo de testes tornasse difícil avaliar se o carro seria competitivo em provas de longa duração.

De qualquer forma, jamais saberemos. Depois dos testes, o Grupo VW decidiu, através de Ferdinand Piëch, que a Porsche se concentraria no desenvolvimento do novo Cayenne em parceria com a Volkswagen, enquanto a Audi se concentraria no Campeonato Mundial de Endurance. Ficou decidido, ainda, que a Porsche não se envolveria no campeonato por um período de dez anos. Em 2000, ano em que deveria fazer sua estreia nas pistas, o Porsche 9R3 foi oficialmente engavetado.

A partir daquele ano, a Audi dominou Le Mans, enquanto a Porsche decidiu não abandonar seu motor V10 e construiu um supercarro para utilizá-lo. Era o conceito do Porsche Carrera GT, que foi apresentado no Salão de Paris de 2000 e, cinco anos depois, deu origem ao carro de produção. E o resto é história.


Toyota 222D

A ideia era criar uma categoria mais segura que o Grupo B, com carros menos potentes (nada mais de bólidos de quase 800 cv) e, ao mesmo tempo, mais empolgante que o Grupo A, que obrigava as fabricantes a usar modelos de rua como base para os carros de competição. Como fazer isso? Criando o Grupo S.

Ele era basicamente em uma categoria de protótipos, exigindo apenas 10 unidades de rua para homologação, deixando as fabricantes livres para optar entre usar um modelo já existente ou não, e limitando a potência dos carros a 300 cv. Até mesmo as equipes e pilotos concordavam que o Grupo B era perigoso demais e, assim, a proposta foi abraçada por todos. Para a Toyota, era uma oportunidade de inovar e, quem sabe, finalmente fazer sucesso nos ralis.

A tendência do Grupo B, os japoneses já haviam observado, era o layout de motor central-traseiro e tração integral – vide Lancia Delta S4, Peugeot 205 T16 e Ford RS200. As novas regras para o Grupo S foram divulgadas em 1985 e, quase imediatamente, decidiu-se que o desenvolvimento do carro ficaria a cargo da Toyota Team Europe (TTE).

A opção por usar o Toyota MR2 como base fazia muito sentido: o esportivo havia acabado de ser lançado e foi bem recebido pelo público e pela crítica, e as características inerentes ao seu projeto o tornavam uma base excelente para um bólido de rali. Um triunfo no WRC faria ainda mais pela imagem da companhia sob os olhos do público.

No fim das contas, porém, tudo o que a TTE aproveitou do MR2 foram as formas básicas da carroceria e o entre-eixos, pois todo o resto foi bastante alterado. Logo de cara, nota-se que os faróis escamoteáveis deram lugar a peças fixas, cobertas por uma lente de acrílico, o que melhorava a aerodinâmica e tornava o conjunto óptico mais leve. A carroceria foi sensivelmente alargada para acomodar bitolas mais largas, pneus de medidas maiores e um sistema de suspensão diferente, trocando o arranjo McPherson nas quatro rodas por braços sobrepostos na dianteira e sistema five-link na traseira.

O carro foi desenvolvido sob o codinome Toyota 222D, especula-se que devido ao deslocamento de um dos motores utilizados nos protótipos: um quatro-cilindros turbinado de 2,2 litros vindo da categoria GTP de Le Mans. Os outros dois, segundo consta, eram um quatro-cilindros de dois litros, batizado de 4T-GTE, e um V6 cujas especificações se perderam no tempo. Nem mesmo a Toyota tem certeza da origem do nome “222D”, nem sobre qual dos motores foi utilizado primeiro.

Sabe-se, porém, que o primeiro protótipo do 222D ficou pronto já em fevereiro de 1985, e que nos meses seguintes foi examinado e testado no Japão e na Europa. Como resultado desses testes, em junho de 1985 foram definidas mudanças no posicionamento do motor, no curso da suspensão, no tamanho dos pneus e na transmissão, que incorporava um sistema de vetorização de torque mecânico capaz de alternar entre tração traseira e integral conforme a necessidade.

A Toyota nunca falou abertamente sobre números, mas é aceito por estudiosos da história do WRC que a potência máxima de todas as versões ficava entre 600 e 750 cv. O peso do carro vazio e sem fluidos era de 750 kg, o que significa uma relação peso / potência de 1 kg / cv. Claro, o Grupo S estabelecia um peso mínimo de 1.000 kg, além da potência máxima de 300 cv, mas tais exigências poderiam ser facilmente cumpridas com lastros – que ajudariam, inclusive, a melhorar a distribuição de peso do veículo – e turbos menores, com pressão reduzida.

O carro já estava quase pronto àquela altura, e a TTE garantiu que, até dezembro de 1985, o 222D estaria pronto para os estágios de rali. Acontece que, em setembro daquele mesmo ano, a FISA decidiu cancelar o Grupo S, provavelmente por questões de custo e de percepção do público: ter carros parecidos com os que havia nas ruas acelerando em estradas de terra tornaria a categoria mais atraente, e ainda custava menos.

Assim, a Toyota não teve outra saída senão cancelar o projeto do 222D em 1986. O Grupo A tornou-se a principal categoria do WRC e, de qualquer forma, a Toyota se deu bem: na década de 1990, o Celica com as cores da Castrol conquistou três títulos no campeonato de construtores e quatro títulos na disputa entre os pilotos. É um aproveitamento melhor do que o da dupla Mitsubishi e Subaru, como já dissemos aqui.

O que aconteceu com o 222D depois disso? Segundo a própria Toyota, apenas dois protótipos existem até hoje. O carro branco fica no museu da Toyota Motorsport GmbH, em Köln, na Alemanha; enquanto o carro preto fica no showroom da Toyota Mega Web em Tóquio, no Japão.


288 GTO Evoluzione

A 288 GTO Evoluzione nasceu de uma pretensa incursão da Ferrari no turbulento mundo do Grupo B. A marca criou a 288 GTO com o objetivo de transformá-la em um carro de corrida, homologado para enfrentar os superesportivos mais extremos da época. Mas quando a FIA extinguiu o Grupo B, todas as ambições de pista foram abruptamente interrompidas. Sem um campeonato para competir, a Ferrari decidiu que as 272 unidades fabricadas da 288 GTO seriam carros de rua. O nome continuava a lembrar seu destino original — GTO, Gran Turismo Omologato — uma saudação discreta ao carro de competição que poderia ter sido, mas que jamais entrou em pistas oficiais.

Isso não quer dizer, porém, que a Ferrari não revelou ao mundo como o carro poderia ter sido. Este carro é a 288 GTO Evoluzione, que foi desenvolvida em parceria com a Scuderia Michelotto, equipe italiana que começou como uma concessionária da Ferrari em 1969 e nos anos 70 conseguiu relativo sucesso nos ralis e foi a escolhida pela Ferrari para desenvolver os bólidos da equipe de fábrica.

Nem mesmo a própria Ferrari mantém muitos registros da 288 GTO Evo em sua história — talvez por tratar-se, em termos, de um programa fracassado, visto que jamais chegou a ser completado. Entre 1985 e 1987, cinco exemplares foram fabricados, ou seis se considerarmos o protótipo, e não 20 como previa o regulamento. Ainda assim, seu legado é evidente: do projeto da Evo saíram a ideia e as linhas da F40.

Quando se conhece a F40 pessoalmente, fica evidente que ela é mesmo um carro de corrida para as ruas — mais pela rusticidade e brutalidade de sua construção do que pela configuração mecânica. Mas seu “fóssil de transição”, a 288 GTO Evo esta impressão fica mais acentuada. Suas linhas são agressivas, mas também rústicas. De qualquer forma, como todo carro de corrida, ela tem sua beleza — que no caso, está exatamente na evidente despreocupação com a estética em favor da função.

Assim, a carroceria projetada pela Pininfarina traz formas mais arredondadas e aerodinâmicas, com uma dianteira ainda mais baixa e pára-choques e saias laterais bem próximas do chão. A característica visual mais marcante, contudo, está atrás: toda a face traseira do carro é coberta por saídas de ar. Levantando-se a seção posterior, o que se via era pura pornografia:

Trata-se do mesmo V8 de 2,9 litros com dois turbos IHI, porém calibrado para entregar cerca de 650 cv a 7.800 rpm — 50% mais potência que na especificação de rua. Com a carroceria mais aerodinâmica, era o bastante para elevar a velocidade máxima a incríveis 362 km/h.

O segredo também estava na leveza: apenas a seção superior da carroceria da GTO de rua era mantida. Todo o resto era feito de Kevlar e fibra de vidro, enquanto a grande asa traseira era de fibra de carbono — não por acaso, materiais que seriam usados na F40. O interior relativamente confortável e bem equipado da 288 deu lugar a um ambiente de trabalho bem mais espartano, sem tapetes, ar-condicionado ou sistema de som — sim, também como na F40. O aspecto do painel, aliás, é muito semelhante ao que acabou no supercarro seguinte. A dieta baixou o peso do carro para 940 kg, ou 220 kg a menos.

Os cinco carros hoje estão espalhados em coleções pelo mundo. O know-how adquirido com a 288 GTO Evoluzione serviu como base para a F40 e fez dela o mais icônico dos supercarros da Ferrari, com um apelo comercial e cultural que não foi superado por nenhum outro carro de sua linhagem.


Lancia ECV

Nos dois anos em que disputou o Grupo B, o Lancia Delta S4 participou de 12 provas, venceu cinco delas e brigou pelo título contra a Peugeot, perdendo o campeonato por apenas 15 pontos. O carro era comprovadamente competitivo, mas ainda tinha margem para evoluir. A Lancia, então, desenvolveu um novo modelo: o ECV, que volta e meia é confundido com o S4 por usar a mesma “bolha” inspirada no Delta de rua. A ideia era criar um carro ainda mais leve e mais rápido que o S4. Seu nome, ECV, significava Experimental Composite Vehicle (“veículo experimental de compósito”) por ser totalmente construído em Kevlar e fibra de carbono, pesando apenas 930 kg completo.

Sua arma secreta, contudo, não era o baixo peso, mas o motor: o Lancia Abarth Triflux. Era um quatro-cilindros de 1.760 cm³ que utilizava dois turbos para chegar aos 600 cv. Apesar de ter o mesmo deslocamento do S4, o cabeçote era completamente diferente, com uma configuração de fluxo cruzado — a admissão vinha pelo topo e os oito escapes laterais eram dispostos de forma que o fluxo de gases se dividia entre os lados do motor. Essa arquitetura permitia que os dois turbos funcionassem de forma independente: um atuava em rotações baixas e o outro em altas, garantindo respostas rápidas e potência constante, além de manter a temperatura do bloco, pistões e cabeçote uniforme, evitando detonações e permitindo maior pressão nos turbos.

Apesar da engenhosidade, o motor jamais competiu. Enquanto a Lancia desenvolvia o ECV e o Triflux, a equipe foi protagonista do acidente fatal de Henri Toivonen e Sergio Cresto, no Tour de Corse de 1986. O carro caiu em uma ravina e, durante a queda, o tanque de combustível foi rompido pelas árvores, iniciando o incêndio que matou a dupla. O acidente selou o destino do Grupo B. Poucos dias depois, a FISA anunciou que a categoria seria extinta ao fim daquela temporada. Com isso, o ECV — e todo o trabalho da Lancia e da Abarth — foi abruptamente interrompido antes mesmo de o carro competir.

Ainda assim, o ECV não desapareceu totalmente. Ele foi usado como base para o desenvolvimento de novas soluções que mais tarde seriam aplicadas em outros projetos da Fiat e da Lancia, especialmente no campo dos materiais compostos e da eletrônica embarcada. Mas, no início de 1988, a marca voltou a pensar na ideia original. Assim nasceu o ECV2, uma evolução direta do protótipo anterior, construída mais como um estudo de engenharia do que como um carro de competição.

O ECV2 mantinha o motor Triflux, mas com ajustes para melhorar a confiabilidade e reduzir o peso. A carroceria foi completamente redesenhada, abandonando as proporções “quadradas” do Delta em favor de linhas mais suaves e fluidas — algo que lembrava os carros do Grupo A que viriam logo depois. A estrutura, ainda feita de fibra de carbono e Kevlar, agora incorporava elementos em alumínio e materiais compostos moldados sob pressão, reduzindo o peso para cerca de 890 kg. A aerodinâmica também foi profundamente revista. O ECV2 exibia entradas de ar mais discretas e um perfil geral mais limpo, antecipando o visual dos carros de rali dos anos 1990. Ainda assim, mantinha traços do S4, como o capô inclinado e as proporções compactas. Era, de certa forma, o elo perdido entre o Grupo B e o futuro Grupo A.

O ECV2 jamais correu, mas não foi em vão. O que a Lancia aprendeu com ele — especialmente no uso de materiais leves e no controle eletrônico de potência — ajudou a formar a base tecnológica dos carros de rali que viriam a dominar o Campeonato Mundial nos anos seguintes. Quando o Grupo A se consolidou, a Lancia voltou mais forte do que nunca: entre 1987 e 1992, o Delta HF Integrale venceu seis campeonatos consecutivos de construtores e quatro de pilotos, um domínio que até hoje é lembrado como a era de ouro da marca nos ralis.

O ECV e o ECV2 permanecem como símbolos desse período de transição — dois carros que jamais competiram, mas que representaram o auge da ousadia técnica da Lancia. O primeiro mostrou o limite da insanidade do Grupo B; o segundo apontou o caminho para o futuro. Hoje, os dois protótipos sobreviventes — o ECV vermelho e o ECV2 branco — estão preservados na coleção do Museo dell’Abarth, em Turim.


Jaguar XJ13

A Jaguar já trabalhava em um novo motor para corridas desde meados da década de 1950. Naquela época, o motor da companhia era o seis-em-linha XK6, que estreou no XK120, lançado pouco depois da Segunda Guerra Mundial. Era um motor totalmente novo e moderno, com comando duplo no cabeçote de alumínio e câmaras de combustão hemisféricas. Alimentado por dois ou três carburadores (SU, Weber, Zenith ou Zenith-Stromberg), tinha bloco de ferro fundido e entregava pelo menos 160 cv em sua primeira versão. Os motores da década de 1970 usados no E-Type já tinham injeção mecânica e superavam os 200 cv.

Para oferecer risco aos carros mais velozes da época, porém, era preciso mais cilindros — como provavam as Ferrari, movidas por motores V12 e vencedoras de cinco das sete temporadas do Campeonato Mundial de Protótipos Esporte, entre 1953 e 1959. A Ferrari 340 MM, por exemplo, tinha um V12 de 4,1 litros capaz de entregar 280 cv. Foi por isso que a Jaguar decidiu unir dois motores XK6 pelo virabrequim, criando seu próprio V12.

O desenvolvimento foi longo: começou em 1954 e a primeira partida em um motor único só ocorreu em 1964. Em 1956, a Jaguar chegou a anunciar que abandonaria as pistas por tempo indeterminado, como a Mercedes-Benz fizera no ano anterior. Em 1963, a companhia comprou a fabricante de motores Coventry Climax e retomou o projeto, incorporando duas características cruciais: bloco de alumínio mais leve e sistema de injeção mecânica.

O V12 de cinco litros resultante entregava 509 cv e 53,3 mkgf de torque. Montado atrás do banco do piloto e acoplado a uma transmissão manual de cinco marchas da ZF, ajudava a distribuir os 1.124 kg do carro entre os eixos com equilíbrio notável. A exemplo do D-Type, o XJ13 tinha estrutura tubular com suspensão independente nas quatro rodas e usava o conjunto motor-câmbio como componente estrutural. O carro era compacto, feito para “vestir” o piloto. O painel de instrumentos ficava à frente do passageiro, com alguns mostradores voltados para o condutor, que sentava à direita, e a alavanca de câmbio próxima à soleira da porta. Só não parecia apertado por ser um roadster.

A Jaguar considerou levar o XJ13 para vencer as 24 Horas de Le Mans. Inicialmente, chegaram a contatar Jack Brabham para ajudar no desenvolvimento, mas o projeto acabou sendo conduzido pelo piloto de testes David Hobbs. Na pista da MIRA (Motor Industry Research Association), Hobbs atingiu nada menos que 259 km/h, quebrando um recorde de velocidade que duraria 32 anos, embora a Jaguar nunca tenha fornecido detalhes oficiais sobre o feito.

Na época, o rival que a Jaguar mirava já havia mudado: o Ford GT40 estreara com um V8 de 4,7 litros e cerca de 450 cv. Quando o XJ13 chegou, em 1966, o Ford já usava um bloco de sete litros e quase 500 cv, tornando-se imbatível. A Jaguar, prestes a ser adquirida pela British Motor Company, deixou de priorizar vitórias em corridas, e o projeto foi cancelado sem cerimônia.

Dois anos depois, a FIA limitou o deslocamento dos motores a cinco litros, e a Ford passou a usar o bloco Boss, com cabeçotes Gurney-Weslake, quatro parafusos por mancal e quatro carburadores Weber 48 IDA, com 302 pol³ (4,9 litros). Nesse cenário, o V12 Jaguar teria sido um rival de peso.

A Ford venceu as 24 Horas de Le Mans em 1968 e 1969, e depois disso a corrida passou a ser dominada pela Porsche. Será que o XJ13 mudaria a história? Isso jamais saberemos. O fato é que o motor V12 de competição acabou servindo de base para o V12 de rua que, a partir de 1971, equipou a terceira evolução do E-Type, ainda que simplificado, com comando simples no cabeçote e bloco de ferro fundido.

A história do XJ13 não terminou aí. Em 1971, a Jaguar levou o carro novamente à pista da MIRA para filmagens promocionais do E-Type V12. Durante as gravações, o piloto Norman Dewis perdeu o controle, o carro capotou duas vezes e ficou quase destruído, mas ele saiu ileso. Anos depois, o XJ13 foi restaurado com parte dos componentes originais e hoje integra o acervo histórico da Jaguar, sendo ocasionalmente emprestado para eventos e programas de TV.


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