Talvez você já tenha percebido a frequência com que as palavras “especial de homologação” aparecem não só na nossa série sobre os hot hatches, mas por todo o FlatOut. É assim simplesmente porque alguns dos carros de produção mais fodásticos do mundo foram feitos justamente para homologar versões de corrida. Hoje nós vamos falar de mais um deles: o Escort RS Cosworth.
A simples menção da palavra “Cosworth” já causa arrepios em qualquer entusiastas. A preparadora/fabricante de motores esteve envolvida com alguns dos projetos mais lendários de todo o automobilismo e, até pouco tempo atrás, era a segunda maior vencedora de Grandes Prêmos da F1, perdendo apenas para a Ferrari, que disputou todas as temporadas da história da categoria. Isso, logicamente, acaba refletido nos carros de rua que levam seu nome. E o Escort RS Cosworth não foi exceção.
O carro lançado em 1992 foi feito especialmente para que a Ford pudesse inscrever-se no Grupo A do WRC, o campeonato mundial de rali. Mas embora ele se pareça um Escort e seja chamado de Escort, ele não é exatamante um Escort — não totalmente.
Seguindo a receita criada pelo Mini clássico e aperfeiçoada pelo Golf Mk1 e seus contemporâneos, o Escort da década de 90 era um hatchback (ou notchback, se preferir) de motor dianteiro transversal e tração dianteira. O RS Cosworth, porém, tinha motor longitudinal e tração integral, algo possível graças à utilização da plataforma do Sierra Cosworth. Claro que era possível realizar adaptações na plataforma original do Escort, mas elas exigiriam muita pesquisa e desenvolvimento, além custarem caro. Para que passar por tudo isso mais uma vez se a Ford já tinha um carro campeão praticamente pronto em 1991?
O Sierra foi, sim, um carro vencedor, porém em categorias de turismo como o WTCC. O alvo da Ford agora era o Grupo A de rali, e a tração traseira do Sierra não era o ideal para um carro competitivo nos estágios de terra — que também não eram exatamente gentis com o conjunto mecânico. Além disso, a linha Sierra estava para fazer dez anos e seria substituída em 1992 pelo Mondeo nas ruas.
Dissemos que a Ford tinha um carro quase pronto porque, embora tenha adotado a tração integral no fim de sua carreira, o Sierra RS ainda era um carro grande e pesado, além de ter alguns problemas de confiabilidade. Seu manejo também não era refinado como o de um Toyota Celica ou Lancia Delta, e por isso a Ford optou pelo Escort em vez do Mondeo para substituí-lo nos ralis.
Foi uma excelente ideia porque, com o mesmo motor — que tinha mais de 300 cv nos carros de competição — o Escort conseguiu dez vitórias no WRC entre 1993 e 1997, além de alguns títulos em campeonatos europeus tanto pela Ford quanto por equipes particulares. Alguns até competiram em provas de endurance no Brasil — um deles nas mãos de Rubens Barrichello, Raul Boesel e Rüdiger Schmidt. Mas, para tal, a Ford precisou fabricar uma versão de rua que atendesse às exigências de homologação da FIA.
Como o carro de corrida, o Escort RS Cosworth de rua era na verdade a carroceria modificada de um Escort sobre a plataforma de um Sierra RS Cosworth. Por esta razão ele é o único Escort de quinta geração com motor longitudinal e tração integral, e sua porção traseira depois da coluna “C” é ligeiramente mais longa, mas quase não se percebe isso devido à asa traseira. As mudanças mais profundas, porém, não se viam: com mais de 400 peças estruturais alteradas, o Escort RS Cosworth tinha uma carroceria duas vezes mais rígida do que a de um Escort comum.
De início a Ford limitou-se a fabricar as 2.500 unidades necessárias para a homologação no WRC em 1992. Entre eles, existiam os chamados Motorsport, mais parecidos com os carros de corrida — sem teto solar, sem isolamento acústico e com janelas traseiras fixas.
Estes 2.500 carros eram equipados com um turbocompressor Garrett T3/T04B que, operando a 0,8 bar, tornava o motor Cosworth YBT, de dois litros com comando duplo no cabeçote, capaz de render 220 cv a 6.250 rpm e 29,6 mkgf a 3.500 rpm — o suficiente para chegar aos 100 km/h em 6,3 segundos. Depois desta série inicial, a Ford realizou algumas modificações para tornar o motor mais dócil e adequado para uso nas ruas.
Com um turbo menor — o Garrett T5 — e um novo módulo de controle do motor, o Escort RS Cosworth passou a 227 cv a 5.500 rpm e 31,1 mkgf a 2.750 rpm. Estes números ligeiramente maiores, porém aproveitados em rotações mais baixas, tornaram o Escort RS Cosworth um carro mais acessível ao motorista comum em termos de usabilidade, além de melhorar sua dirigibilidade.
Fora o desempenho do motor, o Escort RS Cosworth era extremamente estável graças à tração integral com distribuição de torque de 34/66 entre os eixos dianteiro e traseiro, à suspensão robusta, derivada da do carro de rali (McPherson na frente e com braços semi-arrastados na traseira) e à capacidade de gerar downforce do spoiler dianteiro e do aerofólio traseiro regulável — primazia entre os carros de rua. As rodas eram de 16×8 polegadas, calçadas com pneus Pirelli PZero de medidas 225/45.
Comum a todo Escort Cossie, porém, é o visual — projetado pela divisão SVO da Ford (que mais tarde viria a se chamar SVT), o body kit que incluía novos para-choques, para-lamas alargados, capô com entradas de ar e o característico aerofólio de dois andares (que se tornou opcional a partir de 1994) era fabricado pela alemã Karmann, que ficava encarregada também da montagem. O interior do carro é mais parecido com o de um Escort comum do que a carroceria, e trazia o painel com desenho ligeiramente diferente, console central maior e um trio de mostradores extras, além dos excelentes bancos Recaro forrados com couro ou tecido.
Ao todo, foram fabricados 7.145 exemplares do Escort RS Cosworth ao longo de cinco anos de produção (1992-1996), número que o torna bastante raro. No Brasil, o RS Cosworth tem certo status cult entre os fãs do Escort embora jamais tenha sido vendido por aqui — contudo, tem-se notícia de pelo menos dois exemplares de rua importados para o Brasil.
Um deles, o carro azul acima, foi usado como pace car na Fórmula Ford e testado pela imprensa especializada, enquanto o outro, vermelho, foi posteriormente pintado de cinza metálico. Contudo, Juvenal Jorge, colunista do AutoEntusiastas, conta que viu três exemplares na fábrica da Ford em São Bernardo do Campo na época em que o carro foi lançado. O que terá acontecido com eles?