Você já ouviu falar no Chrysler Sunbean? Não se preocupe — muita gente não ouviu. Nem mesmo na Europa, onde ele foi comercializado pela divisão local da Chrysler entre 1977 e 1981 — só cinco anos, e três deles como Talbot Sunbeam, visto que a Chrysler foi absorvida pelo grupo PSA em 1979 e os franceses acharam melhor usar uma marca francesa no carro.
Mas se nós estamos falando de um carro obscuro que durou pouco tempo, é porque temos uma boa razão, certo? Sem dúvida — e a razão, neste caso, é o ainda mais raro e efêmero Lotus Sunbeam. Trata-se de uma versão especial feita quando a Chrysler decidiu que uma boa maneira de alavancar as vendas do Sunbeam era fazer um hot hatch — e o mais legal: com tração traseira!
Verdade seja dita: a tração traseira não era exclusividade da versão Lotus, e sim herança do carro que deu origem ao Sunbeam. E este você conhece: o Hillman Avenger — ou deveríamos dizer Dodge Polara? Na época, a Hillman era uma divisão da Chrysler na Europa, e o Avenger foi comercializado em vários países com diferentes nomes: Hillman/Chrysler/Talbot Avenger na Europa, Volkswagen 1500 na Argentina (sério) e, claro, Dodge Polara.
A razão para a adoção da plataforma de outro carro foi a de sempre: conter custos — algo necessário em meados da década de 1970 no Reino Unido, mais precisamente em 1976, quando o desenvolvimento do Sunbeam começou. A plataforma do Avenger foi encurtada para fazer um carro mais compacto e o cofre foi adaptado para receber um motor menor mas, de resto, quase todos os componentes originais foram aproveitados — as portas, inclusive.
Além de conter custos, isto permitiu que o hatchback fosse desenvolvido e produzido e tempo recorde: apenas 19 meses. Acontece que, talvez, a Chrysler tenha exagerado um pouco na hora de torná-lo um carro prático e minimalista: sua carroceria tinha belas linhas para a época, mas a tampa do porta-malas era, eessência, o grande vidro traseiro com uma moldura de metal em volta. A área de abertura era pequena e a soleira traseira era alta para prover rigidez o suficiente, mas acabava dificultando o acesso ao compartimento. E, se quisesse quatro portas ou uma perua, por exemplo, você teria que procurar um Ford Escort ou um Vauxhall Chevette — o que acabou minguando a procura pelo Sunbeam logo em 1977, primeiro ano de produção.
O sucesso do Golf GTI, que havia sido lançado quatro anos antes na Alemanha e conquistou toda a Europa imediatamente, inspirou os executivos da Chrysler a lançar sua própria versão esportiva — que foi lançada já em 1978. Com visual mais agressivo, pintura em dois tons, rodas de liga leve, bancos forrados com tecido xadrez e um novo bodykit, o motor adotado era um quatro-cilindros de 1,6 litro com dois carburadores Weber, acoplado a uma transmissão manual de quatro marchas. Graças a seus 101 cv, o chamado Chrysler Sunbeam Ti era capaz de ir de 0 a 100 km/h em menos de 10 segundos.
Há quatro décadas era uma belíssima marca, e a crítica especializada respondeu muito bem ao bom comportamento dinâmico do carro — graças, em boa parte, à tração traseira. Contudo, os responsáveis pela divisão de competição sabiam que ainda não era o bastante para aproximar a imagem do novo compacto à de nomes de peso como o próprio Escort ou do Golf. A solução era óbvia naqueles tempos — “vamos colocá-lo para correr nos ralis!” E foi assim que o Lotus Sunbeam nasceu.
A Lotus havia acabado de deixar de fornecer tecnologia para outra grande companhia britânica daqueles tempos, a Jensen Healey, e um dos executivos da Chrysler Europeia — um cara chamado Des O’Dell, sabia que eles estavam abertos para negociação. Não foi difícil fechar um contrato para desenvolver um motor de corrida para ser usado em uma versão de rali do Sunbeam, planejada para competir no Grupo 4 do WRC mirando especialmente no Ford Escort RS2000 — esse cara aqui:
Páreo duro, não? Por sorte, a Lotus sabia muito bem como fazer um motor render — pois é, o negócio deles nunca foi só “simplifique e adicione leveza”, e um pouco de potência não faz mal a ninguém.
Esta potência veio na forma de um quatro-cilindros de 2,2 litros com 16 válvulas e comando duplo no cabeçote. Com taxa de compressão de 11:1 e dois carburadores Dellorto, o motor de corrida entregava saudáveis 234 cv — mais tarde, a potência chegava aos 250 cv. Se você pensa que não era o bastante, saiba que foi o suficiente para que o finlandês Henri Toivonen vencesse o Lombard RAC Rally em 1980 e, no ano seguinte, o Sunbeam conquistasse o título de fabricantes para a Talbot.
Mas o que nos interessa aqui é a versão de rua. Mais civilizada, com carburadores menores (45 mm em vez de 48 mm), taxa de compressão reduzida para 9,4:1 e potência de cerca de 150 cv. Mas não era só isto: os sistemas de suspensão e escape também foram desenvolvidos e fabricados pela Lotus no Reino Unido, e o carro recebia um exclusivo câmbio de cinco marchas da ZF.
A versão de homologação foi lançada em março de 1979 no Salão de Genebra e começou a ser vendida no final daquele ano. Todos os carros eram pretos “Embassy Black” com listras prata nas laterais e interior cinza. Dados de fábrica colocam o 0 a 100 km/h na casa dos 7,4 segundos, com velocidade máxima de 195 km/h — nada mau mesmo.
Acontece que, apesar de ser um excelente carro, o Lotus Sunbeam teve uma vida muito curta. A compra da Chrysler pelo grupo PSA fez com que as prioridades da companhia mudassem — a Talbot trouxe seu próprio projeto de carro compacto e o Sunbeam teve seu fim declarado em 1981. Rolou até um certo descaso pelo modelo em 1979 e 1980 — na hora de trocar os emblemas “Chrysler” por emblemas “Talbot”, até mesmo a estrela de cinco pontas da Chrysler era deixada no lugar. Isto só mudou em 1981, quando foi decidido que o Sunbeam teria um fim de vida digno.
O carro ganhou uma nova grade (com um novo emblema!), novos faróis e um tanque de combustível maior antes de ter sua produção encerrada ainda naquele ano, com cerca de 200 mil exemplares produzidos. A versão Lotus acabou por ali, também, com cerca de 2.300 unidades produzidas.
Sua história obscura acabou despertando o interesse dos entusiastas, especialmente fãs de rali e da Lotus. A versão também é bastante rara, causando bastante alarde quando um dos exemplares aparece à venda — algo que aconteceu na semana passada, quando a Silverstone Auctions anunciou um exemplar impecável para seu próximo leilão. O NEC Classic Motor Show Sale acontecerá nos dias 15 e 16 de novembro, e quem estiver por lá vai poder dar lances em um Lotus Sunbeam 1980 com apenas 313 milhas no hodômetro — pouco mais de 500 km.
Estima-se que o carro seja arrematado por algo entre £24 mil e £28 mil (cerca de R$ 97-113 mil). Um preço justo para um exemplar conservadíssimo de um dos maiores hot hatches de todos os tempos? Estamos inclinados a dizer que sim.