Já faz quase 40 anos que eles existem — desde o lançamento do VW Golf GTI de primeira geração, no fim de 1974, e por isso nada mais justo do que começarmos esta série especial sobre os melhores hot hatches de todos os tempos com a primeira versão esportiva de um dos carros mais vendidos do mundo, não é?
O problema é que, ainda que justo, isto seria óbvio demais — e nós não somos de ficar por aí fazendo o óbvio. Por isto, vamos dar o pontapé inicial com aquele que pode ser considerado o Golf GTI Mk1 francês: o Peugeot 205 GTI — até porque os dois compartilham a mesma sigla.
Em 1983 a Peugeot lançou no mercado o sucessor do pequeno 104, que já estava no mercado havia 11 anos. O 205 GTI era um carro bem mais moderno, mas que mantinha as qualidades do carro que substituiu: robustez, bom aproveitamento de espaço, praticidade e economia. Na verdade, ambos conviveram por mais cinco anos até que a Peugeot encerrou a produção do 104 em 1988.
Mas não estamos falando do 104, lembra? A história é sobre o 205 GTI. E ele veio logo em 1984, bem a tempo de brigar com a segunda geração do Golf GTI, que acabava de chegar ao mercado. O Golf popularizou a receita do hatch compacto, com motor dianteiro transversal e tração dianteira, e era referência também entre os esportivos graças a seu motor que, àquela altura, era um 1.8 de 112 cv (uma versão com cabeçote de 16v e 139 cv seria lançada). O Peugeot 205 GTI, portanto, precisava ser melhor do que ele.
Para isso, a Peugeot contava com uma versão modificada de seu motor 1.6, denominado XU5. Nas versões mais mansas, ele tinha entre 80 cv (quando alimentado com um carburador de corpo simples) até 89 cv (injeção eletrônica e catalisador). No GTI, a Peugeot dispensava o catalisador, o que elevava a potência para bons 105 cv, atingidos a 6.250 rpm, com torque de 13,7 mkgf a 4.000 rpm. Ainda não eram os 112 cv do GTI, mas o 205 tinha outras qualidades.
Na verdade, toda a linha 205 tinha como diferencial a suspensão dianteira do tipo McPherson e traseira independente com eixo de torção e braços arrastados — um sistema que hoje é padrão nos hatches pequenos, mas ainda era novidade nos anos 80 e pode ser considerado, ao menos em parte, responsável pelo sucesso estrondoso do 205 nos anos que seguiram o lançamento.
Naturalmente, o 205 GTI não era exceção. Além do motor de 105 cv, o carro ganhou um reajuste no sistema de suspensão, que ficou mais baixa e firme graças a novos amortecedores, molas e braços de controle, bem como à adoção de uma barra estabilizadora. O resultado era um carro que era rápido mas, acima de tudo, ágil. E também era leve, pesando apenas 883 kg. Assim, o primeiro 205 GTI era capaz de chegar aos 100 km/h em 8,7 segundos.
O visual também era uma atração à parte: graças aos arcos de roda mais pronunciados, com molduras de plástico, o carro aparentava mais robustez e esportividade — sensação reforçada pelos para-choques mais imponentes, pelos frisos vermelhos que percorriam todo o perímetro do carro e as rodas de 14 polegadas calçadas com pneus 185/60.
Em 1986 a Peugeot promoveu uma importante atualização no 205 GTI, lançando no mercado uma versão com motor de 1.9 litros, o XU9JA. O maior deslocamento se devia ao curso ampliado dos pistões, e rendeu um aumento de potência para 130 cv — que chegavam mais cedo, aos 6.000 rpm — e torque de 16,45 mkgf. O novo motor era capaz de levar o carro aos 100 km/h em 7,8 segundos. Em outros países, era oferecia uma versão com catalisador e 122 cv.
O motor 1.6 também foi atualizado, ganhando o cabeçote do 1.9, que tinha válvulas maiores, e passou a se chamar XU5JA. Com 115 cv, ele agora ia de 0 a 100 km/h em 8,5 segundos. Os dois motores, contudo, apresentavam comportamentos curiosamente distintos — a imprensa especializada dizia, na época, que o 1.6 era um motor mais esperto e que revelava todo o seu potencial em giros mais altos, enquanto o 1.9 era mais torcudo, porém não tinha o mesmo fôlego.
Com estes dois motores, o 205 GTI era frequentemente o carro a ser batido em testes comparativos de revistas da época, e o sucesso de crítica era refletido nas vendas. Para atender à demanda, a Peugeot produziu cerca de 61.600 exemplares do GTI entre 1984, ano de lançamento, e 1993, quando saiu de linha. Destes, mais de 20% foram emplacados no Reino Unido — um dos países que adotaram o 205 GTI com mais carinho.
Jeremy Clarkson que o diga: o apresentador do Top Gear colocou o pequeno hot hatch entre seus carros favoritos de todos os tempos:
O melhor de todos
Mas não dá para falar do 205 GTI sem mencionar sua variação mais monstruosa — o 205 GTI Turbo 16. Era uma versão de homologação de um verdadeiro monstro, conhecido por qualquer um que seja minimamente fã de rali: o 205 do Grupo B. Foi este carro que venceu as duas últimas temporadas do WRC a contar com categoria mais insana de sua história — em 1985 e 1986, com os finlandeses Timo Salonen e Juha Kankkunen ao volante, respectivamente.
O carro de rali, na verdade, não tinha muito em comum com o 205 GTI que os europeus podiam comprar nas concessionárias. Embora trouxesse elementos chave, como faróis, lanternas e a silhueta geral ado hatch, na verdade eram máquinas com estrutura bem distinta, motor montado em posição central traseira e tração integral. Não eram nem mesmo hatchbacks, e só levavam duas pessoas.
O motor era um quatro-cilindros de 1,8 litro comtodo de alumínio, com quatro válvulas por cilindro e duplo comando no cabeçote. Alimentado por um sistema de injeção Bosch e sobrealimentado por um turbo Garrett, o chamado XU8T era capaz de entregar 456 cv a 8.000 rpm e 50 mkgf de torque a 5.000 rpm.
Para homologar o carro de rali, a Peugeot precisou fabricar 200 unidades legalizadas para as ruas. O chamado 205 GTI Turbo 16 tinha uma versão amansada do XU8T, com cerca de 200 cv — mesmo patamar dos hot hatches modernos, e seu visual agressivo, com para-lamas alargados e a porção traseira que se levantava toda para revelar o motor, faz dele um dos nossos especiais de homologação favoritos.
Legado
O 205 GTI foi, sem dúvida, o hot hatch mais bem sucedido da Peugeot até os dias de hoje — ainda que a marca francesa tenha feito relativo sucesso com o 306 GTI na década de 90, ele não tem o mesmo status de clássico — talvez o fato de ele não ter uma versão para o Grupo B de rali ajude a explicar o motivo.
O 208 GTI, lançado no ano passado e equipado com um 1.6 turbo (o THP desenvolvido em parceria entre a BMW e o grupo PSA), com 197 cv, foi anunciado como o sucessor espiritual do 205 GTI. Ele pode ser um carro excelente de visual incrível, mas só o tempo dirá se ele é dono do mesmo carisma de seu ancestral.