O primeiro critério que boa parte dos entusiastas e fãs do automobilismo utilizam para medir o sucesso de um piloto é o número de títulos. Contudo, esta não é a única forma – basta lembrar que Senna, com seus três títulos mundiais, é considerado por muita gente o melhor piloto de todos os tempos, mesmo que outros pilotos incríveis o tenham superado em número de títulos.
Há alguns dias, porém, decidimos ir mais longe e perguntar aos leitores quais eram os melhores pilotos que jamais venceram um título em sua categoria principal. Nosso pontapé inicial foi Sir Stirling Moss, mas nós recebemos dezenas de ótimas sugestões, e selecionamos as melhores nesta lista. Confira agora!
Rubens Barrichello
Rubens Barrichello foi, sem dúvida, um dos grandes pilotos brasileiros da Fórmula 1. Nascido em 1972, começou a carreira no kartismo muito jovem, ainda nos anos 80, e venceu cinco títulos antes de se mudar em 1990 para a Europa, onde conquistou títulos na Fórmula Lotus e na Fórmula 3 britânica logo nas temporadas de estreia, superando David Coulthard neste último, inclusive.
Barrichello competiu na Fórmula 1 entre 1993 e 2011. Sua primeira equipe foi a Jordan, para quem pilotou, entre 1993 e 1996, antes de entrar para a Stewart, em 1997. Foi na equipe fundada pelo lendário Jackie Stewart no ano anterior que Barrichello começou a se destacar na maior categoria do automobilismo — primeiro, com um terceiro lugar na classificação para o GP de Interlagos em 1999, à frente de Michael Schumacher, depois com três subidas ao pódio (na Itália, na França e na Alemanha), quase sempre à frente de seu companheiro de equipe Johnny Herbert. Seu desempenho lhe garantiu um lugar na Ferrari, sob insistência do chefe Jean Todt, para a temporada de 2000.
Também foi o ano de sua primeira vitória, no GP de Hockenheim
Os anos de Barrichello na Ferrari são os responsáveis por sua reputação na Fórmula 1. Dividindo a equipe com aquele que era o maior piloto da Fórmula 1 em seu tempo, Rubinho proporcionou alguns momentos memoráveis — incluindo dois vice-campeonatos em 2002 e 2004. O brasileiro ajudou a Ferrari a conquistar cinco títulos de construtores entre 2000 e 2004, mas sua imagem junto ao público (especialmente o que assistia às corridas nas manhãs de domingo) foi a do “eterno segundo colocado”.
Isto se deve, especialmente, aos episódios das edições de 2001 e 2002 do GP da Áustria. Em 2001, Barrichello recebeu, durante as últimas voltas da corrida, ordens para deixar que Schumacher o ultrapassasse e assumisse a ponta a fim de ganhar mais pontos e defender o título de pilotos. O brasileiro só cedeu na última curva da última volta, visivelmente a contragosto.
Em 2002 a situação se repetiu, no mesmo autódromo (o A1-Ring, atual Red Bull Ring), ainda que os pontos de Schumacher não fossem tão importantes. Não há um fã de automobilismo que não se lembre da narração de Cléber Machado: “Hoje não! Hoje não! Hoje sim…”
Os últimos 20 minutos da emblemática corrida
No fim de 2005, Barrichello deixou a Ferrari para assinar com a Honda, onde permaneceu até 2008. Em 2009, assinou com a Brawn GP e teve um grande ano, terminando a temporada em terceiro. Em 2010 e 2011, Barrichello correu pela Williams. Ao longo de sua carreira na F1, Barrichello é o piloto com o maior números de GPs disputados — 326. Destes, participou da largada em 322, outro recorde. A volta 47 do GP de Monaco de 2009 foi sua 13.909ª na Fórmula 1 e tornou Barrichello o piloto que mais deu voltas na Fórmula 1. Além disso, Rubinho é detentor da maior média de velocidade em uma volta: 260,395 km/h durante o GP da Itália em 2004. Ao todo, Barrichello venceu 11 Grandes Prêmios.
Depois que deixou a Fórmula 1, Barrichello ainda correu na Indy e na Stock Car — tendo conquistado seu primeiro título da categoria brasileira na temporada 2014.
José Carlos Pace
Outro brasileiro que nunca conquistou um título na Fórmula 1. Na verdade, José Carlos Pace, ou “Moco” para os entendidos, só conquistou uma pole position e uma vitória na categoria — o GP de Interlagos em 1975 —, mas isto não o impede de figurar entre as maiores lendas do automobilismo brasileiro. Na verdade, Pace costuma ser chamado de “campeão mundial sem título“, e não é à toa.
Pace começou nos karts na década de 1960, correndo ao lado dos amigos de vizinhança Emerson e Wilson Fittipaldi, e em junho de 1963 foi convidado por Anísio Campos para pilotar um DKW no II Prêmio Aniversário do Automóvel Clube do Estado de São Paulo (ACESP). Seu desempenho na corrida chamou a atenção da equipe Willys e garantiu a Moco um lugar entre Bird Clemente, Wilsinho Fittipaldi e Luís Pereira Bueno.
Depois de fazer sucesso nas corridas de endurance brasileiras pilotando pela Willys, pela Dacon e pela Jolly, Pace se mudou para a Europa em 1970. A partir daí, passou pela Williams, pela Brabham — equipe pela qual pilotava o BT44, projetado por Gordon Murray, em sua vitória em Interlagos — e pela Martini Racing. Pace poderia ter sido um dos heróis brasileiros da F1 nos anos 70, ao lado de Emerson Fittipaldi, se não tivesse morrido em 1977. Pace havia estreado bem naquela temporada, chegando em segundo lugar no GP da Argentina.
Moco e Fittipaldi na pista, 1975
Mas o destino tinha outros planos: no dia 18 de março de 1977, 13 dias depois da terceira etapa — o GP da África do Sul — o piloto se envolveu em um acidente de avião com o amigo Marivaldo Fernandes: pouco depois de decolar no Campo de Marte, em São Paulo, o monomotor bateu em uma árvore e matou os dois na hora.
Gilles Villeneuve
O canadense Gilles Villeneuve financiou seus primeiros anos no automobilismo profissional com o dinheiro ganho em corridas de snowmobile em Québec, sua província natal, nas quais era extremamente competitivo. Depois de se mudar para os EUA, Villeneuve disputou arrancadas com um Ford Mustang em 1967 antes de migrar para os monopostos, sendo bem sucedido na Fórmula 2 e na Fórmula Atlantic até 1976. Foi na Fórmula Atlantic, que muitas vezes contava com a participação de astros da F1, que Gilles impressionou James Hunt, e o britânico convenceu a McLaren a lhe arrajar um lugar na equipe para a temporada de 1977.
Àquela altura, Villeneuve já tinha 27 anos. Preocupado com a possibilidade de ser considerado “velho demais” para a Fórmula 1, Villeneuve começou a dizer que havia nascido em 1952, e não 1950, para que pensassem que ele era dois anos mais jovem.
Sua carreira na F1 foi curta, porém intensa: depois de disputar cinco GPs pela McLaren em 1977, Villeneuve assinou com a Ferrari para disputar as duas últimas corridas da temporada e para todo o ano seguinte, apadrinhado por Niki Lauda. Era considerado pelos outros pilotos um grande talento, vencendo seis corridas e chegando ao pódio 13 vezes entre 1978 e 1982, ano de sua morte, em um trágico acidente na Bélgica. O ano de 1979 foi seu melhor: Gilles Villeneuve foi o vice-campeão, atrás apenas de seu companheiro de equipe, o sul-africano Jody Scheckter.
Sua fama era a de um ser humano adorável que se tornava um monstro na pista — algo perfeitamente exemplificado por seu desempenho no GP da França: depois de ser ultrapassado por René Arnoux e perder o segundo lugar a três voltas para o fim da corrida, Gilles investiu ferozmente contra o francês como se a briga fosse pela ponta — e recuperou o posto.
Robert Kubica
Robert Kubica foi o primeiro piloto polonês a competir na Fórmula 1. Como boa parte dos grandes profissionais, Kubica começou sua carreira nos karts, aos dez anos de idade, conquistando seis títulos em três anos. Em 1998, mudou-se para a Itália e começou a competir no circuito europeu, vencendo os campeonatos italiano e alemão e ficando com o segundo lugar no campeonato europeu em 2000, seu último ano nos karts.
Depois de continuar fazendo sucesso nas categorias de entrada para a Fórmula 1, como a Fórmula Renault e a Fórmula 3, Kubica conseguiu uma vaga como piloto reserva na Sauber em 2006, estreando no GP da Hungria no lugar de Jacques Villeneuve, que sofria com fortes enxaquecas e foi considerado incapacitado de pilotar naquele dia. Kubica chegou em sétimo lugar — à frente de seu colega de equipe, o mais experiente Nick Heidfeld, mas foi desclassificado por estar com um carro leve demais. Villeneuve deixou a Sauber logo depois da corrida, e Kubica tomou seu lugar.
Seus resultados na F1 foram promissores: o jovem Kubica conquistou sua primeira vitória em 2008, aos 24 anos, e entre 2006 e 2011 subiu 12 vezes ao pódio, tendo como melhor resultado um quarto lugar no campeonato de pilotos em 2008. Contudo, sua carreira na principal categoria do automobilismo foi interrompida por um acidente durante um rali em Andorra em 2011, no qual teve seu antebraço direito dilacerado.
A gravidade do acidente impediu que o polonês voltasse à F1, mas ele segue até hoje competindo — tendo, inclusive, sido o campeão da categoria WRC-2 em 2013, ao volante do Citroën DS3 RRC. Olha o que ele fez com um carro de rali pouco depois de seu acidente…
Hélio Castroneves
Hélio Castroneves tem uma longa história na IndyCar — desde 2001 o brasileiro corre pela equipe Penske. Antes disso, ele foi o terceiro colocado na Fórmula 3 britânica em 1995 e, após isso, correu na Indy Lights e na CART. Desde sua estreia na IndyCar, Castroneves já disputou 79 corridas, das quais venceu 23, com direito a 34 pole positions.
Castroneves já venceu a Indy 500, a corrida mais importante da temporada, três vezes — em 2001 (seu ano de estreia), 2002 e 2009. Ele é um dos únicos nove pilotos na história da Indy 500 a vencer ao menos três edições da corrida, e o único ainda em atividade. Apesar disso, jamais conquistou um título pela categoria, ficando com o vice-campeonato em 2002, 2008, 2012 e 2014. Sem dúvida, um dos maiores nomes da IndyCar.
Ronnie Peterson
O sueco Ronnie Peterson é outro piloto que teve sua carreira na Fórmula 1 abreviada antes do tempo. Como contamos neste post, Peterson morreu aos 34 anos em um acidente trágico, e estava em um grande momento de sua carreira na principal categoria do automobilismo. Ela foi iniciada em 1970, depois de alguns anos nos karts e na Fórmula 3 europeia, quando Peterson tinha 26 anos.
Seus oito anos na F1 foram marcados por um estilo de pilotagem ousado, repleto de derrapagens controladas propositais, e dois vice-campeonatos — em 1973, pela March, e em 1978, pela Lotus, na qual era companheiro de equipe de Mario Andretti. Sua garra atrás do volante rendeu a Peterson o apelido de Super Swede, ou “Super Sueco”, em português.
Sua morte foi trágica — depois de um tortuoso treino de classificação, no qual bateu em uma cerca, machucou as pernas e foi forçado a trocar de carro, Peterson bateu em um muro de metal no GP de Monza. Atirado de volta à pista, seu carro foi atingido pela Surtees de Vittorio Brambilla. Peterson, gravemente ferido, foi retirado do carro em chamas por James Hunt, Patrick Depailler e Clay Regazzoni, mas não resistiu aos ferimentos.
Jacky Ickx
O belga Jacky Ickx (pronuncia-se “Ics”), que começou sua carreira nas corridas de motocicletas nos anos 1960, correu na Fórmula 1 por 12 anos, entre 1967 e 1979, dividindo este período entre Ferrari, Brabham e Lotus.
Seus melhores resultados foram dois vice-campeonatos em 1969 e 1970, pela Brabham e pela Ferrari. Ao longo destes 12 anos, Ickx acumulou 25 pódios e oito vitórias — o que já seria um belo feito, mais do que suficiente para entrar nesta lista.
Contudo, Ickx brilhou mesmo fora da Fórmula 1. O belga participou de nada menos que 15 edições das 24 Horas de Le Mans entre 1966 e 1985, e venceu seis delas — incluindo algumas vitórias históricas, como a do Ford GT40 em 1969 e com o Porsche 956 em 1982. Além disso, Ickx foi o campeão da Can-Am em 1979 e venceu o Rali Dakar em 1983, pela Mercedes-Benz.
Stefan Bellof
Stefan Bellof morreu na mesma idade maldita para rock and roll: aos 27 anos. Era 1985 e o jovem alemão ao volante do Porsche 956 tentou uma ultrapassagem arriscadíssima sobre Jacky Ickx nos 1000 Km de Spa, em plena Eau Rouge. Depois de tocar a traseira do carro de Ickx e perder o controle, o carro de Bellof bateu no muro e pegou fogo por dez minutos antes que o piloto fosse removido — e declarado morto menos de uma hora depois.
Ao longo de sua curta carreira na Fórmula 1, porém — apenas dois anos, 1984 e 1985, correndo pela Tyrrell —, Bellof se mostrou um piloto feroz, ousado e impetuoso, características adquiridas em mais de dez anos nos karts e nas Fórmulas júnior europeias.
Dividindo a pista com Senna no GP de Mônaco de 1984, mostrando que era tão veloz quanto o brasileiro debaixo de chuva, Bellof teve seu único pódio na carreira cancelado por irregularidades no carro, mas jamais deixou de pilotar no limite. É assim que os outros pilotos lembram dele, usando expressões como “talento perdido”, “um dos melhores”, “impecável” e “arrojado”. Dizem que ele teria sido um rival e tanto para Ayrton Senna.
Se jamais ergueu um troféu, ao menos Bellof conseguiu entrar para a história após estabelecer o recorde de volta no Nürburgring Nordschleife: seu tempo de 6:11,13 com o Porsche 956, aferido durante os treinos de classificação para os 1.000 Km de Nürburgring de 1983, permanece como o mais veloz do Inferno Verde até hoje.
Michèle Mouton
Dizem que o Grupo B era a categoria do rali que “separava homens de meninos”, mas um de seus maiores pilotos foi uma mulher. Michèle Mouton estreou nos ralis como navegadora e, em 1975, já pilotava o Alpine A110 — o carro que venceu o primeiro título do WRC em 1973 — em ralis nacionais pela França. Depois de mostrar talento ao volante de ícones como o Lancia Stratos HF e o Fiat 131 Abarth até 1980, Mouton foi contratada pela Audi em 1981, onde conseguiu maior destaque.
Michèle Mouton mostrando que ainda está em forma
Seu ano de estreia foi marcado por uma vitória no Rali de Sanremo, na Itália, mas foi em 1982 que Mouton conseguiu o melhor resultado de sua carreira no WRC: um vice-campeonato, atrás do colega de equipe Walter Röhrl, ao volante do Audi Quattro original. Mouton venceu nos ralis de Portugal, da Grécia e do Brasil naquele ano, e ficou apenas 12 pontos atrás de Röhrl. Seu desempenho, contudo, foi fundamental para que a Audi levasse o título de construtores para casa naquele ano. Mouton segue como a única mulher a competir na categoria mais alta do rali mundial.