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Avaliações Técnica

Os segredos da dinâmica impressionante da Hilux GR-Sport no off-road

O piso é bastante castigado neste trecho de reta em que estamos, mas consigo manter uma média de 80 km/h – mais de 10 km/h mais rápido que com a Hilux SRX que guiei minutos antes. Se antes tive de lidar com um ou outro solavanco seco causado ou por fim de curso de suspensão ou por uma força vertical diagonal causada pelo impacto assimétrico na suspensão – quando você pega um obstáculo com um lado só do veículo –, agora eu simplesmente ignorava o piso, sem tomar socos no assento ou encosto do banco. A complacência com o piso me permitiria ir mais rápido tranquilamente, mas preferi manter uma média horária apenas veloz em vez de arriscar minhas vezes de Carlos Sainz e seu Celica GT-Four. Esta é a Hilux GR-Sport 2023, um animal incomparavelmente diferente à SRX nas mesmas condições de piso e pressão de pneus. Fazia bastante tempo que não me surpreendia tanto com a dinâmica de um veículo de produção.

Algumas centenas de metros mais à frente, temos um trecho em S e mais uma curva longa à direita, com cascalho batido e superfície relativamente lisa. Mantenho a velocidade ainda na casa dos 80 km/h, com sobra. Não bastando ela copiar o solo muito melhor do que a SRX, o controle de rolagem da carroceria era muito mais preciso, mesmo ela estando 37 mm mais alta em relação ao solo.

O que raios estava acontecendo? Finalmente uma Hilux GR-Sport digna do sobrenome Gazoo Racing…

Arriscaria dizer que este foi o último filho indireto de Akio Toyoda, o presidente mais entusiasta que a Toyota já teve em sua história – a ponto de ele usar o pseudônimo “Morizo Kinoshita” para conseguir competir despercebido em provas como as 24 Horas de Nürburgring para dar uma banana ao compliance e aos acionistas. Depois que a verdade de seus hobbies veio à tona, ninguém teria coragem de falar algo. Tudo o que conhecemos de esportivos nos últimos 20 anos na Toyota teve participação direta dele: Lexus LFA e seu épico V10 a 9.400 rpm, Toyota GT e GR86, o fdpmente insano GR Yaris, o GR Corolla que teremos aqui no Brasil muito em breve e o mal-compreendido GR Supra.

A própria Gazoo Racing nasce como uma divisão esportiva derivada dos programas de competições de Akio Toyoda e de seu mestre técnico Hiromu Naruse, o responsável por ensinar a Toyoda não só a pilotar ou transmitir conhecimentos mecânicos. Naruse ensinou a Toyoda que todo executivo precisa saber guiar tecnicamente, ler o produto, antes de bater qualquer tecla que alimente um powerpoint. Com Naruse falecendo em testes do LFA nos arredores de Nürburgring em 2010 e Toyoda se retirando da posição de CEO em 26 de janeiro deste ano, podemos afirmar que estamos falando de uma espécie em extinção.

O bater de asas de um CEO entusiasta como Toyoda reverbera ventos em terras distantes como o Brasil, resultando em coisas como essa Hilux GR-Sport, que foi desenvolvida em conjunto com as engenharias da América Latina, Austrália, Tailândia e Japão. O fato é que o comprador típico dessa picape provavelmente vai visualizar apenas duas coisas, talvez três: um golinho de 20 cv a mais de potência e visual invocado e, quem sabe, perceber que a suspensão é “mais gostosa” no fora-de-estrada que a Hilux normal.

Agora é hora de entendermos tecnicamente como isso aconteceu. É muito mais do que “suspensão mais alta” que provavelmente você vai ler por aí…

 

Qual a diferença das bitolas 15 cm mais largas na Hilux GR-Sport?

Os alargamentos de para-lamas deixam claro algo que você já deve ter lido por aí: as bitolas da Hilux GR-Sport são 140 mm maiores na dianteira e 155 mm na traseira. Para você entender o quão nababescos 15 cm são em ganho de largura, a carroceria da Audi RS6 é 8 cm mais larga que a A6 Avant: metade do que a picape encorpou (a carroceria da Hilux ficou 16 cm mais larga).

Quando as bitolas crescem, nós temos dois fenômenos intrínsecos na dinâmica veicular: primeira coisa, a carroceria rola menos nas curvas porque a transferência lateral de carga é diminuída. Os elementos da fórmula da transferência lateral são a altura do centro de gravidade, a largura das bitolas (ou “eixo”, considerando a linha de centro dos pneus) e a força de aceleração lateral. Se o eixo tivesse largura infinita, essa transferência seria zero. Outro benefício colateral é que os pneus do lado de fora são menos sobrecarregados.

O segundo efeito na dinâmica veicular com as bitolas maiores é que o veículo tende a ficar mais confortável. As perturbações assimétricas possuem um efeito diagonal amortecido e, com as rodas mais distantes para fora, elas produzem uma alavanca maior nos elementos elásticos da suspensão: é como se molas e amortecedores ficassem mais macios. É claro que você compensa essa carga de alguma forma no projeto, mas ainda assim, a complacência, a capacidade de absorção, tende a ser maior.

Por que ela ganhou 15 milímetros a mais de bitola na traseira que na dianteira? Com tanto ganho de largura de eixos, é como se o veículo ficasse mais curto de entre-eixos (razão entre largura x comprimento): alargando um pouco mais a traseira, você ganha um pouco mais de estabilidade direcional, reduzindo um pouco a dramaticidade da inércia polar reduzida.

 

Mais arrasto: compensações aerodinâmicas

A carroceria 16 cm mais larga causou um impacto no consumo e emissões em rodovia pelo acréscimo de área frontal, e por isso a Toyota tomou algumas medidas secundárias para reduzir o arrasto. Na dianteira, temos uma cortina de ar desenhada por recortes no alargamento dos para-lamas (na foto acima, a entrada do recorte pode ser vista ao lado dos faróis de neblina), selando melhor o ar das caixas de roda dianteiras, área tipicamente turbulenta. Os para-choques também foram redesenhados para reduzir o arrasto.

No arco atrás da cabine, a Hilux GR-Sport possui um prolongamento mais acentuado, para controlar melhor o descolamento da camada-limite do fluxo de ar, reduzindo um pouco a turbulência gerada acima da caçamba. E por fim, a Toyota do Brasil dispensou os para-barros, mas este último foi para enquadrar a picape nas metas de emissões: na Argentina, que possui regras menos exigentes, a picape conta com os protetores.

O resultado? O coeficiente aerodinâmico melhorou de 0,48 para 0,44

 

Braços de suspensão mais longos: melhor controle de cambagem

Quando você joga as rodas para fora desta forma tão agressiva quanto 15 centímetros, é fundamental que os braços de suspensão também sejam mais longos. Caso contrário, você sobrecarrega os pivôs e principalmente, fica com um raio de rolagem muito positivo (a linha de centro da roda fica muito distante “pra fora” em relação ao eixo formado pelos pivôs), o que na prática resulta não só em uma direção mais pesada, mas também em uma estabilidade direcional mais facilmente perturbável nas frenagens (maior variação de convergência) e mesmo por elementos do solo.

Como podemos ver na foto acima, a Toyota fez o alargamento do jeito certo: desenvolveu bandejas mais longas em seu sistema de duplo A na suspensão dianteira. Com braços mais longos, os benefícios são diversos: há menor variação de cambagem relativo ao curso da suspensão (inclinando menos, as bandejas sobrecarregam menos os pivôs também) e há menos perturbação lateral em piso ruim.

Com tudo isso, começamos a entender por que raios foi possível ignorar o piso e carregar mais velocidade no piso batido com a Hilux GR-Sport no mesmo local onde a Hilux SRX começava a transmitir impactos mais secos aos ocupantes.

 

Amortecedores monotubo: quais as vantagens?

Na Hilux GR-Sport foram adotados amortecedores KYB monotubo em vez do sistema de tubo duplo. É um equipamento tipicamente utilizado em veículos off-road mais modificados e veículos de pista. Nesse sistema, há um pistão flutuante que isola hermeticamente o cilindro em duas partes: uma com gás nitrogênio altamente pressurizado e a outra com o fluido, onde o outro pistão conectado à haste se movimenta.

Como não há interação direta entre o gás e o fluido, como ocorre no tubo duplo convencional, não ocorre aeração, por mais intenso que seja o trabalho. A aeração faz o amortecedor perder eficiência, exatamente como o fluido de freio em ebulição faz o sistema dos freios perder capacidade de movimentar os pistões das pinças. Sendo o tubo maior em diâmetro por não ter um cilindro dentro do outro como no tubo duplo, a troca de calor é mais eficaz, os pistões são maiores e, com mais área, o controle do amortecedor é melhor.

Em teoria, por conta da maior pressão do volume com nitrogênio no monotubo, eles tendem a ser mais firmes. Mas lembre-se dos efeitos colaterais do ganho de bitola: com isso, a GR-Sport conseguiu ser mais confortável mesmo com amortecedores monotubo.

 

Amortecedores reposicionados por fora das longarinas: OSR de fábrica

Essa é uma modificação muito conhecida pelo pessoal dos jipes e picapes muito modificadas, o famoso OSR – “outboard shock relocation”, relocação externa dos amortecedores. Na Hilux convencional, o ponto de fixação superior dos amortecedores traseiros é na face interna das longarinas. Com os 155 mm de bitola a mais da GR-Sport, os engenheiros decidiram montá-los na face externa do chassi.

Com isso, os amortecedores trabalham menos angulados, ou seja, mais perpendiculares. Ficando mais próximos ao ângulo efetivo do trabalho e curso da suspensão, os amortecedores ganham muito mais eficiência e também transmitem menos movimentos laterais à carroceria.

Outro benefício é que eles precisam se estender menos para atender à articulação do curso da suspensão e, com isso, há menos geração de temperatura no fluido dos amortecedores.

Os grandes beneficiados desse OSR de fábrica da Hilux GR-Sport são os passageiros de trás, conhecidos pelo conforto reduzido em piso ruim com qualquer picape com chassi.

Quando olhamos para trás, entendemos o nível de complexidade desse projeto da GR-Sport: bitolas mais largas ajudam a reduzir a rolagem, braços de suspensão estendidos melhoraram a curva de cambagem e isolaram melhor a carroceria, amortecedores monotubo preservam a performance mesmo em muita velocidade e tempos estendidos de trabalho e o OSR deixou a suspensão traseira mais confortável.

Como falei no início, a maior parte do público comprador vai sequer tomar conhecimento a existência de tudo isso. Mas na prática, eles poderão ignorar o piso de forma muito mais eficaz e confortável no fora-de-estrada. E se tiver um pé direito pesado, vai se divertir muito mais e com mais segurança.

Outras coisas interessantes. O motor 2.8 16V turbodiesel recebeu 20 cv a mais e 8% a mais de torque, passando para 224 cv a 3.000 rpm e 55 kgfm a 2.800 rpm, graças a uma nova configuração do turbo de geometria variável e do intercooler. O câmbio passa a ter aletas atrás do volante para trocas de marcha e temos a adoção de freios a disco na traseira. Mas, considerando tudo o que foi feito na suspensão dessa picape, estes são apenas detalhes.

Quer outro detalhe? R$ 367.390. Para quem pega muita estrada e quer uma pegada muscle car, sem dúvida a Ram Classic é um produto mais desejável. Mas acredite: no fora-de-estrada, não existe comparação possível. São ferramentas com propósitos bem diferentes.

Espero que esse espírito entusiasta que Toyoda introduziu à marca não se perca com o tempo.

 

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