Não é impressão sua: o trânsito brasileiro está mesmo caótico e perigoso como nunca, e aparentemente todos têm uma parcela da culpa. Ao menos é isso o que apontou uma recente pesquisa patrocinada pela Fundación Mapfre realizada no começo deste ano em todos os estados brasileiros.
A pesquisa ouviu cidadãos comuns, representantes das três esferas de governo (federal, estadual e municipal), frotistas, motofretistas e instrutores de auto-escolas para saber o que o brasileiro pensa a respeito do trânsito brasileiro e identificar seus principais problemas. O resultado apontou que há uma sensação generalizada de insegurança, insatisfação com a infra-estrutura e organização e falta de punição severa aos motoristas que causam acidentes e mortes.
Ao ser questionados sobre o que vêm à cabeça quando se fala em trânsito, os entrevistados fizeram associações livres com palavras bastante negativas, como “perigo”, “caos”, “violência”, “insegurança” e congestionamentos. Apesar da maioria dos entrevistados não ter sofrido acidentes recentemente, metade deles (47%) conhece alguém ou teve familiares envolvidos em acidentes graves, e 66% acham que a maioria dos acidentes são crimes de trânsito — o que significa que as pessoas estão começando perceber, por exemplo, que acidentes fatais causados por embriaguez ou rachas são, de fato, crimes, e não mera eventualidade.
Segundo o coordenador da pesquisa, David Duarte Lima, presidente do Instituto de Segurança no Trânsito, o trânsito é um dos principais espaços de convívio social no meio urbano (onde pessoas interagem com as outras, mesmo que indiretamente) e reflete apenas o ambiente que vivemos: um lugar hostil, violento e inseguro, onde há imprudência e é fácil se irritar.
Os motivos? Os próprios entrevistados responderam em parte: 80 % afirmaram que os condutores ignoram as leis, que falta educação aos motoristas, além de fiscalização mais severa e até mesmo o estresse do dia-a-dia interfere no comportamento das pessoas no trânsito.
A outra parte fica clara na pesquisa: os resultados mostram que o desconhecimento das leis de trânsito é elevado, especialmente em relação aos limites de velocidade. Os entrevistados também acham que os “usuários” do trânsito são imprudentes e não adotam comportamentos de segurança. Curiosamente, a maioria dos entrevistados afirmou respeitar as leis, mas acha que “a maioria não respeita”. A culpa é sempre dos outros, não?
O motorista mais esperto do mundo
E por falar em transferência de responsabilidade, há alguns dias falamos que o Estado tem sua parte de culpa nos acidentes. A infra-estrutura precária, a má formação dos condutores e a fiscalização deficiente são a parcela de culpa do Estado nesse cenário, mas em todos os casos, a culpa é sempre atribuída à falha humana, ao excesso de velocidade, imprudência etc. Uma emenda mal-feita em desnível, em uma cabeceira de ponte, por exemplo, pode desestabilizar um carro mesmo abaixo do limite de velocidade. De quem será a culpa mesmo?
Placa essencial para ultrapassagens seguras, mas escondida pelo mato
Felizmente, as pessoas também percebem essa parcela de culpa estatal. Em uma escala de zero a 10, os entrevistados atribuíram nota média 4,4 às condições das ruas e rodovias. A nota da condição geral das calçadas é ainda pior: 3,4. Além disso, eles reconhecem que a formação dos condutores é deficiente, que a fiscalização não é severa e que falta uma política pública de prevenção de acidentes que se estenda desde o ensino fundamental até a universidade. As leis não são problema: 76,5% acham que as leis de trânsito são razoáveis.
Como dito mais acima, a pesquisa mostrou que todos têm sua parte de culpa para a imagem negativa do trânsito brasileiro. Mas ela acrescenta uma informação nova, que você talvez até já tivesse percebido mas agora tem o embasamento da metodologia científica: a culpa pelo caos é sempre dos outros. Parece que não há um mea culpa, nem uma disposição para fazer uma auto-avaliação começarmos a fazer nossa parte. Em vez disso dançamos conforme a música (ou nos comportamos conforme o congestionamento) e esperamos uma solução divina emanada do Estado.
Em uma sociedade civil democrática, cabe aos cidadãos fazer a sua parte e exigir de seus representantes, ou por meio de associações uma contrapartida estatal em nome de um bem comum, nesse caso, uma solução para o quadro atual do trânsito brasileiro, que mata 46.000 pessoas por ano. Mata não, matamos.
[ Fotos: Carolina Alvares/G1 (cruzamento), ClickRBS (carro na contra-mão) CNT (placa) ]