Qual é a estrada mais perigosa do planeta? Depende da definição de “perigosa” que você quer: se você fala de falta de segurança no trânsito, várias rodovias brasileiras merecem o título. Estradas de condições precárias? O coração da América do Sul e as partes mais distantes da Europa estão cheios delas. Pensa em um traçado perigoso, com curvas traiçoeiras nas quais qualquer erro significa despencar montanha abaixo? Então você pensou em Pikes Peak ou nos “passos” dos Alpes suíços e italianos.
Contudo, é provável que nenhuma destas estradas seja mais intimidadora do que a Passage du Gois. Trata-se de um trecho permanentemente alagado entre a costa oeste da França e a ilha de Noirmoutier, a cerca de 4,1 km da terra firme. Sim, você atravessa o mar — ou um pedacinho dele — de carro. Loucura, não é?
Na verdade, nem tanto. O pequeno caminho entre uma ilha e a costa é chamado de causeway, uma formação geológica que costuma acontecer em praias mais rasas e barras, e consiste em uma longa e estreita elevação, cujo cume se assemelha a uma estrada no meio do mar. A maioria das causeways é bastante elevada e acaba recebendo uma estrada de verdade que fica em uma ponte acima do nível do mar, como a Ponte do King Fahd, que fica no Golfo Pérsico, na Arábia Saudita:
Agora que você sabe o que é uma causeway, fica fácil entender o que é a Passage du Gois. O caminho se formou pois as correntes norte e sul batiam na Baía de Bourgneuf ao mesmo tempo, ocasionando o desprendimento de sedimentos da costa. Os sedimentos se depositaram na Baía ao longo de milhares de anos, dando origem à elevação sobre a água. Desde o ano 600 d.C. a Passage du Gois é rasa o bastante para se cruzar os cerca de 4.150 metros que separam a costa Francesa das praias da ilha de Noirmoutier durante a maré baixa, e desde o século 18 existem registros da passagem em mapas, mas o local passou a ser utilizado com frequência e regularidade a partir de 1840.
É provável que, de acordo com a crença popular, tenha sido nesta época que o caminho recebeu seu nome — “Gois”, em francês, pode significar ter os sapatos molhados enquanto se atravessa a rua, mas quem atravessar a Passage du Gois terá sorte se molhar apenas os sapatos.
Estamos falando de uma estrada de paralelepípedos construída há pelo menos 200 anos que só fica exposta duas vezes por dia e somente durante uma ou duas horas, quando a maré baixa. No resto do tempo, só dá para ver olhando de cima e a travessia é muito perigosa, com a profundidade da água variando entre 1,3 e quatro metros.
Apesar de, desde 1971, existir uma ponte elevada como alternativa para chegar à ilha, muitos ainda se aventuram a pé ou de carro — e não é raro um grupo de turistas ser pego de surpresa por uma subida repentina. Por esta razão, há postes espalhados por todo o caminho, nos quais as pessoas podem subir para aguardar uma equipe de salvamento ou a baixa da maré. Quem atravessar de carro, porém, terá mais problemas…
Mas há pelo menos uma boa razão para correr para a Passage du Gois logo que a maré abaixa (os horários aproximados estão em grandes placas dos dois lados da causeway): ostras comestíveis que são trazidas pela água e ficam sobre a areia quando o nível da água desce. Há quem aproveite e coma ali mesmo — ou leve para terra firme para procurar uma boa garrafa de vinho branco para acompanhar.
Além disso, os paralelepípedos úmidos e escorregadios já fizeram parte do trajeto da Tour de France, famosa corrida de bicicletas que acontece desde 1903 na França, pelo menos duas vezes: em 1999 e em 2011, quando foi o ponto de largada do primeiro estágio.
Também acontece todos os anos a Foulées du Gois, uma corrida contra a água que acontece desde 1987. A prova começa no instante em que a maré começa a subir, e o objetivo é atravessar os 4,15 km da passagem antes que ela fique totalmente encoberta pelo mar.
Os melhores atletas cruzam a linha de chegada com água pelos tornozelos, enquanto os últimos precisam terminar o trajeto nadando. O recorde atual é de 12 minutos e 8 segundos, e foi conquistado pelo atleta olímpico francês Dominique Chauvelier em 1990.
O vídeo abaixo mostra como é atravessar a estrada de carro na maré baixa. Até parece um passeio relaxante…