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Car Culture

Pescara: o circuito de Fórmula 1 que era mais longo e mais perigoso que Nürburgring Nordschleife

Todo entusiasta que se preza já ouviu falar do Nürburgring Nordschleife, o titânico circuito de 20 km e 73 curvas que é o destino dos sonhos para todo mundo que lê o FlatOut. E boa parte desta turma lamenta profundamente o fato de as provas não acontecerem mais no traçado norte (o tal Nordschleife), que é palco das 24 Horas de Nürburgring, e sim no circuito de F1, mais tradicional e seguro.

Contudo, o que você diria se soubesse que já existiu um circuito mais longo e mais perigoso na Fórmula 1 — a ponto de ser banido da categoria depois de apenas um Grande Prêmio? Pois é exatamente sobre este circuito que vamos falar hoje: Pescara, na Itália.

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A cidade de Pescara fica na costa oeste da Itália, banhada pelo Mar Adriático, e foi o local escolhido, em 1924, para sediar uma corrida chamada Coppa Acerbo, assim batizada em homenagem ao tio de um político fascista, Giacomo Acerbo. Contudo, com o fim da Segunda Guerra e a derrota da Itália, o fascismo entrou em declínio. Acerbo foi um dos apoiadores da ditadura de Benito Mussolini e uma corrida com seu nome não era exatamente uma boa ideia, por isso a corrida foi rebatizada, em 1947, como Gran Premio di Pescara.

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Começando e terminando em Pescara e ligando duas vilas nos arredores à cidade, o circuito é composto, essencialmente, de duas retas e um trecho sinuoso que, visto de cima, formava um triângulo — um enorme triângulo de 25,579 km de extensão. Para se ter uma ideia, o Nordschleife tem 22,8 km.

O traçado de Pescara também pode ser considerado ainda mais perigoso que o Inferno Verde: além de ser realizada em perímetro urbano, a prova era disputada em ruas estreitas e irregulares (como boa parte das vias do interior da Itália naquela época), e a reta principal — a reta dos boxes — tinha nada menos que 6 km de extensão. SEIS QUILÔMETROS, CARA!

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Apesar do risco envolvido, Pescara recebeu corridas por quase quatro décadas, de 1924 a 1961. Era palco de disputas eletrizantes, principalmente, entre construtores italianos,  e a primeira corrida foi vencida por ninguém menos que Enzo Ferrari, que na época pilotava pela Alfa Romeo e ainda não havia fundado a companhia que leva seu sobrenome. A corrida nunca foi parte de nenhum campeonato, mas era uma das mais importantes do ano por sua representatividade — só os melhores pilotos tinham chances reais de vencer em Pescara.

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Guy Moll, nos anos 1930

A preocupação com a segurança começou em 1934, com um acidente que tirou a vida do jovem e promissor piloto francês Guy Moll, que havia acabado de ser contratado por Enzo Ferrari (que fundou sua própria equipe em 1929, depois de deixar a Alfa Romeo). Guy perdeu o controle do carro durante uma ultrapassagem em uma das longas retas, bateu em uma ponte e morreu em decorrência dos ferimentos. Para reduzir a velocidade na reta, foi instalada uma chicane artificial na entrada da reta dos boxes — fazendo de Pescara o primeiro circuito a empregar tal medida na história da Fórmula 1. Mas isto só aconteceu depois da Segunda Guerra, que estourou cinco anos depois, em 1939

Pescara só voltaria a receber corridas em 1947, já com o novo nome e um papel bem menor no calendário. Sua importância começou a ser recuperada na década de 1950, quando os organizadores da antiga Coppa Acerbo viram na recém criada Fórmula 1 a chance de colocar o circuito entre os mais importantes do mundo, como era duas décadas antes.

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O primeiro passo foi colocar Pescara no calendário do campeonato mundial de endurance (do qual faziam parte as 24 Horas de Le Mans) inaugurando, em 1952, as 12 Horas de Pescara. O evento foi realizado, ainda, nos dois anos seguintes, até que o desastre de Le Mans em 1955 (quando o Mercedes-Benz 300 SLR de Pierre Levegh bateu a 240 km/h matando o piloto e mais 83 espectadores, além de deixar 130 feridos) levou ao cancelamento da corrida naquele ano e em 1956.

A volta triunfal aconteceu em 1957, quando aconteceu a primeira corrida de Fórmula 1 no circuito. O Grande Prêmio de Pescara foi a penúltima prova da temporada naquele ano e a primeira de duas corridas consecutivas na Itália — o GP de Monza de 1957 foi a final daquele ano. Até então, ter duas corridas de Fórmula 1 no mesmo país, no mesmo ano, era algo inédito.

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Foi uma corrida muito importante, que atraiu mais de 200 mil espectadores e foi vencida por Sir Stirling Moss com três minutos de vantagem sobre o argentino Juan Manuel Fangio. A vitória, porém, não foi suficiente para tirar o título de Juan Manuel Fangio, que havia largado na pole position depois de vencer outras três corridas em 1957. Moss também venceu a corrida seguinte em Monza, mas a pontuação do Argentino era imbatível. Fangio terminou o campeonato com o quinto e último título nas mãos, fechando o ano com 40 pontos. Moss, o segundo, acumulou 25 pontos em três vitórias.

Curiosamente o primeiro piloto a vencer uma corrida em Pescara recusou-se a tomar parte na corrida de Fórmula 1: Enzo Ferrari, já chefe de equipe havia quase vinte anos, decidiu que seus pilotos não se arriscariam a correr ali — especialmente por ter perdido um dos seus no circuito. Apesar disso, Luigi Musso ainda conseguiu convencer Il Commendatore a ceder-lhe um carro e entrou na corrida como piloto independente.

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Musso, Pescara, 1957

Enzo adiantou o que aconteceria nos próximos anos: 1957 foi o único e o último ano em que a Fórmula 1 foi disputada nas ruas de Pescara, que não recebeu grandes eventos nos dois anos seguintes. Depois de uma corrida da Fórmula 2 em 1960, o derradeiro evento realizado em Pescara foi uma corrida do World Sportscar Championship (o WEC da época) no ano seguinte. A chamada 4ª Testa Rosa foi vencida, curiosamente, por uma Ferrari Testa Rossa — obviamente, não a Ferrari Testarossa da década de 1980, e sim a Ferrari 250TRI, que usava um V12 de três litros e 300 cv.

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Depois disso, o circuito de Pescara foi desativado definitivamente, mas você ainda pode dirigir por lá — na verdade, qualquer um que vá até a Itália pode fazer isto. Você pode pilotar no circuito usando simuladores domo rFactor…

… ou dar um passeio pelo antigo traçado usando o Google Street View e reviver um pouco da história do maior e mais perigoso circuito da história da Fórmula 1.

Você pode usar o bonequinho amarelo para encontrar o traçado começando pelo ponto demarcado no mapa