Calma, galera. A gente aqui no FlatOut sabe que esse negócio de “qual é o melhor carro?” é algo pessoal e subjetivo. Melhor em que sentido? Melhor porque aquela revista ou aquele site disse? Melhor porque é o mais potente e o que mais faz curva?
Na verdade, a gente poderia gastar mais uns três parágrafos fazendo perguntas retóricas para tentar, sem sucesso, definir critérios universais para dizer qual é o melhor modelo de uma marca. No fim das contas, na maior parte das vezes, essa pergunta acaba ganhando uma resposta pessoal e imprevisível. É fácil, claro, ir pelo caminho óbvio e escolher o ícone, mas quem tem a sorte de ter dirigido centenas de carros na vida acaba, inevitavelmente, adquirindo mais propriedade nesta hora.
No caso da Ferrari, é difícil ter mais propriedade que John Pogson. A gente já falou dele aqui no FlatOut algumas vezes: o britânico é mecânico de Ferrari há mais de 40 anos. Depois de se formar engenheiro mecânico, ele conseguiu seu primeiro emprego em uma concessionária de Mercedes e Ferrari, na Inglaterra. Lá, ele teve a oportunidade de colocar as mãos nas primeiras Ferrari vendidas oficialmente no Reino Unido.
Entre elas, estava a 308 GT4. Ela foi lançada em 1973, na época, ainda era chamada de Dino 308 GT4. Isto porque, em meados da década de 1960, a Ferrari decidiu honrar o nome do filho de Enzo Ferrari, Dino, morto em 1956. Assim, a companhia separou os modelos com motores que não fossem V12 em uma submarca, que foi batizada como Dino.
Lançada em 1968, a primeira Ferrari Dino (que, na verdade, era só “Dino”), a 206, tinha um motor V6 de dois litros em posição central-traseira e belas linhas traçadas por Leonardo Fioravanti, do estúdio Pininfarina. No ano seguinte, o deslocamento do motor passou a 2,4 litros e foram realizadas algumas modificações estéticas.
Com comando duplo no cabeçote e 195 cv, a agora chamada Dino 246 (2,4 litros e 6 cilindros) foi a primeira Ferrari produzida em grande quantidade — mais de 3.700 unidades fabricadas entre 1969 e 1974 — e foi um sucesso, aclamada por seu visual e pelo seu desempenho (além de bem acertada, ela tinha apenas 900 kg, o que garantia muita agilidade e uma direção empolgante).
Isto acabou dando confiança à Ferrari para ousar na hora de lançar a sucessora da Dino 246, ainda em 1973. Quer dizer, o novo motor, um V8 de três litros e 255 cv, era mais potente e uma evolução óbvia — que também serviu para batizar o carro como Dino 308 —, mas todo o resto era uma coleção de novidades.
Primeiro, o carro agora era um cupê 2+2, e por isso tinha entre-eixos mais longo e uma janelinha na lateral traseira. As linhas sinuosas da Pininfarina deram lugar às retas e ao perfil em cunha característicos dos estúdios Bertone. A proposta, agora, era criar uma Ferrari utilizável no dia-a-dia, com conforto, um interior bacana e mais espaço para quem precisa passar horas dirigindo. Parece tudo muito bacana, mas a verdade é que a Dino 308 só decolou em 1976, quando a Ferrari decidiu colocar um cavallino rampante no bico do capô. E, mesmo assim, com o passar das décadas a Dino/Ferrari 308 se tornou um membro meio renegado da família.
Só que nada disso importa para John Pogson. Porque um dos caras que, sem exagero, mais entende de Ferrari no mundo, diz que a 308 é sua favorita. “Eu ganho a vida dirigindo Ferrari há 40 anos, mas não trocaria este carro aqui por nenhuma delas”.
“Este carro aqui” é a Dino 308 de Pogson. Ele conta que, quando começou a trabalhar em uma oficina especializada em Mercedes e Ferrari, lá em 1975, havia algumas dezenas de Mercedes e apenas quatro 308, de cores diferentes, estacionadas lado a lado. “Eu vim para ser o mecânico destes carros”, ele pensou. E continuou o sendo por quatro décadas.
E ele tem motivos. A configuração de quatro lugares? Perfeito, pois o carro é mais espaçoso e confortável. Todos os comandos funcionam, a ergonomia é boa, a dinâmica é excelente e o motor, que desenvolve 255 cv, tem um belo ronco e é capaz de levá-la aos 100 km/h em 6,5 segundos, com máxima de quase 250 km/h. As linhas de Marcello Gandini, pai do Lancia Stratos e do Lamborghini Countach (que currículo, hein?) envelheceram muito bem, e até o entre-eixos mais longo torna seu perfil bem interessante.
E o que mais? A primeira Ferrari que Pogson teve foi uma 308 GT4. A primeira que ele consertou? Uma 308 GT4. Depois de dirigir, literalmente, milhares de Ferrari — incluindo toda a linhagem que se seguiu, como a F355, a 360 e a 458 Italia —, ele continua dizendo que a 308 GT4 é a melhor de todas.
O carro dele conserva o emblema Dino na dianteira. Isto é digno de nota pois, quando o carro era novo, era muito comum que seus donos simplesmente trocassem o emblema original por um da Ferrari. Pogson brinca com isso: “Se você comprar uma Dino com emblema Ferrari, provavelmente vai querer colocar o original de volta. Eu posso até conseguir alguns para você, mas vou ter que cobrar bem caro, como punição.”
E talvez esta seja a melhor hora: as Dino/Ferrari 308 ainda são baratas. Este exemplar usado, por exemplo, custa US$ 18 mil, ou cerca de R$ 73 mil — aparentemente, não é difícil restaurá-la, e algo nos diz que agora é questão de tempo até que seu preço suba bastante. Isto porque ela nem tem os emblemas originais.