No início de maio a Porsche anunciou que levaria o 919 Evo e o 956 “Rothmans” a Nürburgring para uma apresentação antes das 24 Horas de Nürburgring deste ano. A apresentação tinha cor, cheiro e gosto de um anúncio oficial de recorde — especialmente sendo um recorde tão especial quanto o do Porsche 956 nos treinos de classificação dos 1.000 Km de Nürburgring de 1983. Afinal, ele já perdura por 35 anos e não parecia nem perto de ser quebrado.
Então chegou o final de semana das 24 Horas de Nürburgring e tudo o que a Porsche fez foi um passeio da dupla de protótipos de Le Mans. Nenhum anúncio, nenhum recorde. Nada de novo debaixo do sol alemão. Mas nesta última segunda-feira (4), começaram a pipocar vídeos do 919 Evo rasgando as retas e curvas do Inferno Verde. À primeira vista pareciam vídeos da apresentação do início de maio, mas o carro estava rápido demais, e não havia nenhum 956 em sua cola. Tampouco pessoas acampadas como nas 24 Horas de Nür.
Foi quando começaram a surgir as primeiras informações (e especulações): o Porsche 919 Evo está acelerando forte em uma sessão privada da Porsche, que reservou a pista para si. Por ora a Porsche chama apenas de “testes”, mas que tipo de teste se faz com um LMP1 aposentado que não segue regulamento algum? Em Nürburgring Nordschleife? Àquela velocidade?
Rock am Ring was yesterday…
Today we play our favourite song @nuerburgring Nordschleife 🎼😘@Timo_Bernhard testing #919tribute Evo pic.twitter.com/SkjftzVNtf
— TAG Heuer Porsche FE Team (@PorscheFormulaE) June 4, 2018
Resposta: o tipo de teste no qual você coleta dados e seus pilotos treinam para conseguir um recorde absoluto em Nürburgring Norschleife.
A busca da Porsche pelo recorde ficou evidente quando eles anunciaram o recorde em Spa. Por qual outra razão a marca gastaria uma pequena fortuna em um carro que não irá mais disputar campeonato algum? Porque ele é uma campanha publicitária para fortalecer ainda mais a relação da Porsche com as pistas e com Nürburgring. A Porsche diz que a “turnê” do 919 Evo é uma despedida do modelo, uma homenagem à sua campanha tricampeã. Mas este é só um pretexto. A real intenção da Porsche é garantir que nenhuma outra fabricante roube seu recorde absoluto.
O recorde já dura 35 anos, mas qualquer carro de corridas moderno poderia facilmente superar este tempo. Veja por exemplo o BMW M4 DTM de Augusto Farfus, que fez 6:14 com um passageiro, andando com tráfego na pista e pegando leve em alguns trechos devido às restrições de ruído. Não é difícil para uma fabricante superar o recorde do 956 com um pouco de dinheiro e um carro de corrida.
A Porsche certamente percebeu isso e em algum momento do passado recente deve ter definido como meta se tornar a dona de Nürburgring. Primeiro com o 918 Spyder, quebrando a barreira dos 7 minutos. Depois com o 911 GT2 RS destroçando o recorde do Lamborghini Huracán Performante, e o 911 GT3 na cola do italiano.
Com um caríssimo protótipo de Le Mans prontinho e sem ter o que fazer com ele, por que não assegurar que este carro seja o novo recordista absoluto do circuito com um novo recorde para durar mais 35 anos — e, de quebra, agregar um valor absurdo à imagem da marca, fechando com chave de ouro as comemorações dos seus 70 anos de história?
Caros FlatOuters, a Porsche já baixou o tempo do 956 nestes primeiros testes desta segunda-feira (4), isso é tão certo quanto maçãs em um apfelstrudel. A questão agora não é se ela vai quebrar o recorde, mas quanto tempo ela irá baixar com este novo recorde.
Sendo um carro da segunda categoria mais avançada do automobilismo — atrás apenas da F1 — o 919 já nasceu como um dos carros mais rápidos do planeta. Mas ao transformá-lo no 919 Evo, Porsche o modificou especificamente para quebrar este recorde. Não pense que se trata apenas de uma homenagem ou de uma brincadeira de engenheiros. Cada uma das modificações feitas no 919 Evo foi pensada para lidar com o asfalto e as curvas de Nürburgring. O carro ganhou até mesmo uma suspensão ativa eletrônica para lidar com o piso irregular do Inferno Verde, além de mais potência e menos peso (os detalhes veremos em um próximo post).
E foi por isso que os primeiros rumores vindos de Nürburgring falavam em algo em um tempo de volta na casa dos 5:11. Sim, um minuto inteiro mais rápido que o 956. Soa absurdo? Bem… são 35 anos de evolução aerodinâmica, mecânica, de materiais e, principalmente, de pneus, somado a um carro que não tem amarras atadas a nenhum livro de regras. Mas isso foi somente o primeiro boato.
O especialista em Nürburgring Misha Charoudin, passou quase nove horas ao lado da pista nesta última segunda-feira, fotografando, filmando, cronometrando, bisbilhotando a frequência de rádio dos fiscais de pista e apurando tudo o que a Porsche fazia por lá. O que ele descobriu, é que o carro pode ser ainda mais rápido, o que significa um tempo abaixo dos cinco minutos — e também significa uma média de 250 km/h em Nürburgring Nordschleife. Isso é completamente insano e, como base de comparação, apenas 12 km/h mais baixa que a velocidade média recorde da F1, atingida por Juan Pablo Montoya durante os treinos do GP da Itália de 2004 com seu Williams BMW FW36 V10.
Misha publicou um vídeo explicando toda sua teoria em detalhes — o russo, que tem uma empresa de locação de carros no circuito, desenvolveu um método para estimar os tempos de volta, e acertou os dois últimos recordes da Porsche no Nordschleife.
Mas desta vez seu método original não funcionou. À medida em que os tempos começaram a baixar, o carro entrava nos pits antes de completar a volta. Em uma destas voltas o tempo desde a largada até o desligamento do motor nos boxes foi 6:20, mas Misha acabou descobrindo que o piloto já tirava o pé cerca de quatro quilômetros antes da linha de chegada justamente para impedir que caras como ele estragassem a surpresa com seus cronômetros de celular.
Em um golpe de sorte, Misha conseguiu receber o sinal de rádio dos fiscais de pista e ouviu o que eles estavam conversando. Conhecendo a posição de cada um, ele pôde finalmente estimar o tempo de volta, pois cada fiscal avisava pelo rádio o momento em que o carro passava por sua posição. Foi preciso apenas usar o desempenho conhecido de um outro carro no circuito como referência. Logicamente, a referência foi o atual recordista de carros produzidos em série, o Porsche 911 GT2 RS.
O primeiro trecho foi o Wehrseifen, a aproximadamente 9 km da largada, onde o 919 passou depois de aproximadamente 2:11 e o GT2 RS chegou com 2:43. Isso é uma diferença de 31 segundos ou 19% mais rápido (uma relação de 0,81 entre os dois tempos). No segundo trecho, o Bergwerk, a 11 km da largada, o Porsche 919 passou aos 2:23, ou 21%mais rápido que o GT2 RS, que precisou de 3:01 para chegar lá.
O último sinal dos fiscais que Misha conseguiu captar foi do Pflanzgarten, que fica a 17 km da largada, onde o 919 Evo passou aos 4 minutos cravados, enquanto o 911 GT2 RS levou 1:13 a mais, chegando lá somente depois de 5:13 — um tempo 24% mais alto que o do protótipo.
Depois disso o 919 Evo teve praticamente quatro quilômetros inteiros de pé embaixo, em um trecho que o 911 GT2 RS percorreu a uma média de 305 km/h. Sendo um trecho de alta, o 919 Evo sem dúvida aumentou ainda mais a vantagem sobre o GT2 RS, mas Misha foi conservador e considerou que a vantagem de aproximadamente 1:15 se manteve inalterada. Descontando 1:15 de 6:47 temos um tempo assombroso de 5:32, mas se aplicarmos a diferença de 24% entre o desempenho do 919 sobre o 911 GT2 RS no último trecho, chegaremos a 309 segundos — ou 5:09!
Mas espere (como diria o narrador da Polishop): Misha ainda mencionou que, se considerarmos que o 919 foi 34% mais rápido que os GT3 em Spa, e compararmos com o tempo dos GT3 em Nürburgring, o 919 Evo poderá chegar a 4:51 em Nürburgring caso essa relação de tempos seja mantida em Nür.
Coincidentemente, hoje mais cedo fiz uma comparação semelhante: tomei o tempo de Stefan Bellof com o 956 nos 1000 Km de Spa de 1983 (2:09), que usou um traçado praticamente idêntico ao atual de Spa, e o comparei ao 1:41 conseguido pelo 919 Evo neste ano. A relação entre os tempos foi de 22% — ou seja: o 919 Evo foi 22% mais rápido que o 956. Tire 22% dos 6:11 do 956 (371 segundos) e temos 4:50 (290 segundos), arredondando para cima.
É um tempo insanamente baixo, mas, como Misha observou, não é impossível por quatro motivos. O primeiro é que você não ouve o carro no rádio dos fiscais, o que significa que eles devem ter avisado sobre o “checkpoint” do carro alguns segundos depois que ele passou pelo setor.
O segundo motivo está na pista em si: as condições não eram ideais, afinal, a Alemanha está entrando no verão. A temperatura da pista passou dos 50ºC e a temperatura ambiente estava na casa dos 26ºC às 18h — o que afeta a admissão de motores de baixo deslocamento como o V4 do Porsche 919 Evo.
O terceiro motivo é a reta no final do traçado, a Döttinger Höhe. Lá o 911 GT2 RS chegou a 311 km/h, mas manteve uma média de 305 km/h. O 919 Evo chegou a 349 km/h em Spa e deverá chegar perto disso em Nür. Somente esta diferença de velocidade máxima deve contar cerca de 5 segundos a menos no tempo total da volta.
Por último, Misha mencionou o tempo de pista do piloto, que é necessário para ganhar ritmo progressivamente. Timo Bernhard, que estava ao volante durante os testes, já venceu as 24 Horas de Le Mans com o 919 e venceu algumas edições das 24 Horas de Nürburgring, então ele conhece o carro e o traçado, porém não tem muito tempo de prática dos dois juntos. A Porsche então deverá usar os dados coletados para programar seu simulador onde Bernhard irá treinar para uma futura tentativa de recorde provavelmente no outono europeu, quando as temperaturas ficam mais baixas e mais adequadas para um recorde como este.
Quanto ele consegue? Bem… façam suas apostas. A caixa de comentários é de vocês.