Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
Acredite: atualmente é mais barato comprar um barril de petróleo do que a mesma quantidade de Coca-Cola, água mineral, detergente, desinfetante e até mesmo guaraná Dolly. A commodity, que chegou a valer mais de 115 dólares há dois anos, está com o barril cotado abaixo dos US$ 30 dólares desde a última sexta-feira — e é possível que caia até US$ 20 antes de voltar a subir. E isso, logicamente, nos traz a uma pergunta muito pertinente: se o petróleo está custando quase um quarto do que custava há dois anos, por que cazzo a gasolina não ficou mais barata?
Para começar a explicar, vamos voltar uma década até o distante ano de 2006. Na ocasião a Petrobras reeditou o velho bordão “o petróleo é nosso”, do fim dos anos 40, comemorando a sonhada autossuficiência em petróleo. Só faltou explicar na época que era uma autossuficiência relativa: nossa produção recorde era de óleo pesado, que não serve para produzir diesel e gasolina. Para esse fim a Petrobras importa óleo leve. Como a exportação do óleo pesado era igual à importação do óleo leve, a balança se equilibrava e até dava para dizer que éramos autossuficientes. Além disso, segundo a Petrobras, 80% da gasolina vendida por aqui vem da produção nacional. O problema começou mesmo quando passamos a importar mais óleo leve a partir de 2010.
Até ali tudo ok: o dólar estava abaixo dos R$ 2 e a inflação sob controle. As coisas começaram a desandar em 2014, quando barril do petróleo começou a subir devido aos conflitos no Iraque e chegou a US$ 115 em junho daquele ano. Mas em vez de reajustar os preços dos combustíveis de acordo com o aumento do petróleo importado, a Petrobras represou os preços para conter a inflação — os combustíveis têm um peso importante no índice devido ao transporte rodoviário predominante no país. Isso fica mais claro quando você descobre que o frete de insumos dentro do Brasil é mais caro que o transporte marítimo para outros países.
Esse represamento dos preços contribuiu para o aumento da dívida da estatal, que já somava R$ 130 bilhões no primeiro semestre de 2014, pois a defasagem dos preços praticados internamente era de 14% em relação aos do mercado externo. Em resumo, a Petrobras “manteve” o barril a US$ 99 enquanto ele custava 115 — e o consumo de petróleo no Brasil é de aproximadamente três milhões de barris por dia. Em fevereiro de 2015 veio o primeiro reajuste, e o preço da gasolina aumentou 8% e o volume de álcool anidro adicionado ao combustível subiu de 25 para 27,5% — reduzindo também o custo do combustível vendido nas bombas. Em setembro, quando o barril já estava em queda no mercado internacional, custando menos de US$ 50, a Petrobras reajustou novamente os preços dos combustíveis nas refinarias, tornando a gasolina 6% mais cara e o diesel 4%.
Com isso, apesar da cotação do petróleo ter caído 60% desde junho passado, o preço da gasolina (com álcool anidro, é bom lembrar) subiu 2,4% nos postos, enquanto o diesel subiu ainda mais: 4,4%. Enquanto isso, nos EUA, os preços dos combustíveis estão caindo há mais de 100 dias consecutivos, e chegaram a US$ 1,99/galão (3,78 litros) na média nacional deste começo de janeiro. Isso equivale a US$ 0,53 (ou R$ 2,12) por litro. No começo de 2014, quando o barril de petróleo chegou a US$ 115, os americanos chegaram a pagar US$ 3,8 pelo galão (US$ 1 por litro), mas no fim do ano, quando o barril já estava caindo para cerca de US$ 50, os preços acompanharam a queda, e chegaram a US$ 1,5 por galão (US$ 0,40/litro).
Por que o preço do petróleo despencou?
O principal fator desta queda histórica (é a menor cotação desde junho de 2004) foi o aumento intenso e inesperado nos estoques de gasolina dos EUA. Outro fator é a desaceleração da economia chinesa, que irá reduzir o consumo de petróleo, contribuindo para que haja excedentes. Mas estes são apenas os fatores que puxaram a cotação ainda mais para baixo — na verdade o preço do barril está caindo há mais de um ano. No fim de 2014 ele já estava abaixo dos US$ 100 e, desde janeiro de 2015 vem sendo negociado abaixo dos US$ 50, chegando a US$ 37 no final do ano. Agora, o barril fechou esta segunda-feira (18) cotado a US$ 28,76.
Essa queda contínua dos últimos anos se deve ao aumento da produção mundial de petróleo, impulsionada pela produção do Oriente Médio, que visa manter os preços baixos em uma tentativa de inviabilizar a produção de xisto nos EUA, que está batendo recordes de 30 anos.
Então por que o preço da gasolina não cai no Brasil?
Vamos dar a resposta direta, depois explicamos melhor. O preço não cai porque a Petrobras está aproveitando o momento para aumentar seus lucros e assim diminuir o prejuízo acumulado durante o represamento dos preços. Em outras palavras, ela está compensando o desfalque do período em que manteve os preços internos baixos apesar da alta internacional. De acordo com os cálculos do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), a gasolina no Brasil está 14,4% acima da cotação do golfo do México (que é a referência dos mercados do Atlântico), enquanto o diesel está 47,1% acima. Com isso, a Petrobras está ganhando cerca de R$ 3 bilhões por mês com a queda do petróleo.
Mas este é apenas um dos fatores que impedem a queda. Outro fator são os impostos (sempre eles), que correspondem a 53% do preço final da gasolina e 41% do diesel, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). E há ainda outra questão que dificulta a redução dos preços: o custo de operação dos postos de combustíveis. Além do aumento de mais de 50% na energia elétrica, os postos são obrigados a contratar frentistas por força da lei 9.956 de 2000, que proíbe a operação de máquinas de auto atendimento no Brasil como forma de preservar o emprego de 300.000 frentistas na época (hoje são mais de 500.000). A contratação de um frentista implica em cerca de 68,17% de encargos trabalhistas sobre o salário, mais benefícios como vale-alimentação, vale-transporte e adicional de 30% por periculosidade.
Por último há a ausência de concorrência na refinaria de petróleo — monopólio que foi quebrado legalmente em 1997, mas que não atraiu empresas privadas por diversos fatores.
Além disso, a Petrobras afirma ter como política não repassar aos consumidores as variações do petróleo no mercado externo, e por isso não há perspectiva de reduções, mesmo com a queda vertiginosa da cotação do barril de petróleo.