Já notou que aquele monte de carros japoneses da década de 1960 e 1970 que você tem na sua garagem em Gran Turismo têm retrovisores instalados nos para-lamas? Aposto que você sempre quis saber por que eles insistiam em colocar retrovisores em um lugar tão difícil de ajustar. Aliás, como se ajusta aquilo? Você mexe nele, entra no carro, confere, não ficou legal. Sai do carro, ajusta, volta, quase lá. Sai do carro, ajusta, volta e agora sim. Por que raios eles não usaram espelhos normais como o resto do mundo?
Nos primeiros anos do automóvel eles não tinham espelhos. Para olhar para trás você precisava, bem… olhar para trás, e isso obviamente não é uma boa ideia quando se está dirigindo a 40, 50 ou mais quilômetros por hora. Os espelhos retrovisores são uma daquelas invenções que não têm apenas um pai, e sim vários. Por exemplo, dizem que o piloto americano Ray Harroun tinha um espelho em seu carro para olhar o posicionamento dos rivais na primeira edição das 500 Milhas de Indianápolis, em 1911. Vai ver foi essa vantagem que o ajudou a vencer a corrida. Antes disso, a primeira “pilota” britânica, Dorothy Levitt, dizia a suas amigas motoristas que mantivessem um pequeno espelho de mão ao alcance no carro, e que de tempos em tempos o usassem para olhar para trás.
Contudo, os primeiros carros com retrovisores só chegaram ao mercado em 1914, mas ainda não havia um padrão. Os fabricantes tentaram instalar os espelhos em vários pontos do carro. Você talvez já tenha visto alguns carros da década de 1950 com retrovisores baixos, instalados sobre o painel de instrumentos. Até mesmo no centro do capô eles chegaram a ser usados, mas no fim, prevaleceu o padrão usado até hoje pela combinação de facilidade de ajuste e maior campo visual — quanto mais longe dos olhos, menor a amplitude do campo de visão.
Acontece que no Japão, esse tipo de retrovisor demorou um pouco mais para ser adotado. Até 1983 a legislação japonesa exigia que os retrovisores fossem posicionados nos para-lamas para que eles pudessem ser vistos sem que fosse preciso desviar o olhar do caminho. Há quem diga ainda que dessa forma eles eram visíveis através da área de varrimento dos limpadores de para-brisa. Por outro lado, alguns fabricantes ocidentais diziam que essa lei era uma forma de barreira comercial velada, uma vez que para adaptar os retrovisores para o mercado japonês seria preciso modificar portas e para-lamas de todos os carros exportados.
Os japoneses chamam esse tipo de retrovisor de fenda mira, que é o jeito de falar “fender mirror” em inglês com o sotaque japonês. Os britânicos chamam de “wing mirrors”.
Em 1983, a legislação japonesa liberou os espelhos nas portas, como o resto do mundo já adotou desde a década de 1950, e os consumidores japoneses escolheram em maciçamente os carros com retrovisores “normais”. Na época o Japão ainda não era um ícone cultural como hoje, e os consumidores valorizavam produtos estrangeiros. Carros nacionais com retrovisores nas portas tinham um visual estrangeiro e por isso eram mais valorizados. No fim, a demanda do público e a uniformização da produção para exportações quase mataram os fenda mira.
Quase, porque os taxistas continuaram preferindo os retrovisores nos para-lamas e até hoje os carros nascidos para levar pessoas em troca de dinheiro têm esse tipo de retrovisor. Os motivos são variados: um deles é a melhor visibilidade para o tráfego urbano — eles reduzem significativamente os pontos cegos.
Outro é que eles não se projetam tanto para fora como os retrovisores nas portas, auxiliando as manobras no trânsito apertado das grandes cidades japonesas como a capital Tóquio. Ainda há uma suposta maior privacidade dos passageiros — com os retrovisores na frente do carro, o motorista não precisa virar-se tanto para o lado como faria com um espelho na porta, o que para alguns pode ser confundido como uma tentativa de espiar o banco traseiro.
Mas aos poucos os táxis com retrovisores “japoneses” também estão diminuindo, uma vez que o Toyota Prius vem conquistando os taxistas e ele não tem retrovisores nos para-lamas, e os tradicionais Nissan Cedric e Nissan Crew já não são mais produzidos. Os últimos carros japoneses que restaram com os fenda mira são as versões feitas para taxistas.