Saudações, FlatOuters! Apresentamos aqui a quinta parte do Project Cars #102, o projeto e construção do Baja SAE da Equipe Imperador UTFPR – Câmpus Curitiba. Em complemento às apresentações referentes ao projeto de design, suspensão e direção e transmissão, vamos falar sobre o processo de concepção da estrutura tubular, abordando o desenvolvimento do nosso atual protótipo, o Jaguara 9 (J9). Trata-se de uma seara que, ao mesmo tempo que requer sintonia entre os diferentes subsistemas do veículo, permite aos envolvidos adquirir noções valiosas em etapas como projeto (principalmente afinidade com softwares de CAD e CAE) e manufatura.
Em linhas gerais, a estrutura de um veículo deve, primeiramente, proteger os ocupantes, combinando resistência e rigidez, atendendo simultaneamente às condições de funcionamento dos demais subsistemas do veículo, como garantir desempenho dinâmico e facilidade de acesso e manutenção, zelando também pela ergonomia. Em sequência, o projeto pode ser melhorado buscando reduzir massa e aumentar sua resistência e rigidez. Não obstante, outras considerações podem ser relevadas, como aliar à fabricação e manutenção facilidade, rapidez, redução de custos e controle de qualidade. Isso pode parecer exagerado, mas são critérios que, sem dúvida, viabilizam o lançamento de qualquer veículo por qualquer grande fabricante e, portanto, são visões bastante preciosas aos engenheirandos!
Seria bom se todos os critérios pudessem ser satisfeitos simultaneamente. Porém isso nem sempre é possível. Pode-se dizer que isto é um dos primeiros aprendizados dos integrantes: “não existe almoço grátis”. Ou, de um modo mais rebuscado, os engenheirandos são cada vez mais habituados à adoção de soluções de compromisso – ora atender a uma linha de protótipos econômicos, ora apresentar versões de alto desempenho – tudo de modo a atender ao seu público-alvo, o que também requer sintonia. Por fim, ter todos esses critérios em mente não irá trazer um veículo perfeito, mas aumenta as chances de se consolidar um veículo bom.
Convém ressaltar também que, dada a dependência das definições dos demais subsistemas, dificilmente se atinge um projeto bom na primeira tentativa. Trata-se, sem dúvida, de um processo iterativo. Logo, quanto melhor a comunicação entre os setores, maiores as chances de se atingir as metas desejadas e menos iterações serão necessárias.
Sem mais delongas, prossigamos a um maior detalhamento do projeto da estrutura!
“Sigam-me os bons!” Jaguarim Colorado…
O primeiro passo (que nunca termina) é consultar e atender às prerrogativas do regulamento da competição Baja SAE BRASIL. Nela constam, por exemplo, a relação de componentes estruturais obrigatórios, dimensões mínimas e máximas e materiais permitidos. Por si só, já consiste em um bom início para o projeto de um novo modelo. Tais pré-requisitos visam o cumprimento de condições mínimas de segurança.
Das várias etapas, iremos destacar três que podem resumir o projeto da estrutura: estudos de ergonomia, definição dos pontos de ancoragem do subsistema de suspensão e direção e fabricação.
Um veículo mini-baja deve ser concebido para operação fora de estrada, em condições severas ao veículo e, claro, ao piloto. Agora, imagine conduzir durante quatro horas o protótipo em uma pista repleta de costelas, rampas, fossos, curvas, lado a lado com colegas na mesma situação… Este é o cenário do enduro, uma das provas com a maior pontuação, o que já permite observar que qualquer ganho em conforto, visibilidade e acessibilidade ao piloto pode fazer a diferença no seu desempenho e na pontuação da equipe toda.
Piloto de baja não tem vida fácil…
Para definir um layout ergonômico, trabalha-se em conjunto com o subprojeto de design. Utiliza-se tanto referências bibliográficas, com as quais é possível identificar as faixas apropriadas de ângulos e distâncias para carros de corrida (conforme comentado no terceiro post), assim como estudos experimentais, por meio de dispositivos que permitem ajustes a gosto do piloto. Porém o estudo de ergonomia não para por aí. Nada como testes, utilizando protótipos anteriores, para complementar o embasamento teórico e as avaliações estáticas, realimentando o projeto. Durante todo o processo, os resultados gerados alimentam um modelo da estrutura em Solidworks. Aí entram os trunfos do CAD (Computer Aided Design), que permite corrigir e observar de maneira bastante clara o impacto dessas alterações na estrutura proposta e prever correções nela ou em outros subsistemas.
O mock-up, utilizado para o estudo ergonômico, é um ótimo ponto de partida. Os testes dinâmicos, por sua vez, são essenciais para os ajustes finais. Até porque a teoria, na prática, é outra.
Conforme já exposto na última publicação da equipe, a geometria da suspensão é definida em CAD, tal que possa atingir as metas de desempenho dinâmico estabelecidas pela equipe. Definido este layout, adequa-se a estrutura tubular inicialmente concebida, inserindo os tubos para ancoragem. Aí surgem desafios e oportunidades tanto para, por exemplo, facilitar a fabricação, quanto garantir a integridade estrutural: resistência, para garantir que a gaiola não sofra deformações permanentes ou falhas catastróficas, e rigidez, para garantir que a geometria de suspensão proposta para as condições de operação previstas seja mantida e o piloto tenha a devida resposta de seu veículo. Como consequência, ambos os projetos são realimentados e reavaliados até se atingir a combinação desejada. Segue um exemplo.
Para a concepção do protótipo J9, buscou-se preservar algumas vantagens de desempenho dinâmico pertencentes à geometria de suspensão do J8, porém priorizou-se reduzir a massa da gaiola sem perder a integridade da estrutura. Observou-se que o conjunto mola-amortecedor era ancorado em uma posição estruturalmente desfavorável tanto na gaiola quanto nos links arrastados da suspensão traseira.
Perceba que, como o conjunto mola-amortecedor é o principal responsável pela absorção das forças provenientes da pista, ele transmite grandes esforços à estrutura, o que torna imperativo aumentar a resistência local (à primeira vista, adicionando tubos ou aumentando sua espessura), caso contrário, pode falhar ou se deslocar excessivamente. Para isso, a triangulação é uma prática essencial, que consiste em aumentar a rigidez de uma forma geométrica, geralmente dividindo-a em triângulos, formas mais resistentes.
As ilustrações demonstram a vantagem de travar ou triangular estruturas.
Tanto na estrutura quanto no link, pode-se dizer que o amortecedor estava apoiado bem no meio de um tubo. O comportamento desse tipo de arranjo se assemelha, a grosso modo, a uma viga bi-apoiada e submetida a uma força aplicada entre seus apoios. Essa condição, além de causar tensões localmente elevadas nos tubos, causa grandes deslocamentos, o que pode reduzir a rigidez do sistema necessária para garantir a geometria de suspensão projetada. Desse modo, ambos os componentes foram reforçados com mais tubos e triangulados, de modo a aumentar a integridade.
As imagens acima aproximam o condicionamento dos apoios e dos componentes a uma viga carregada em seu meio. Os apoios, no caso do tubo da gaiola, são as soldas, enquanto no link, são a junta rotular com a estrutura e a roda.
Também há outras abordagens que podem dispensar aumento de massa… Por que não transladar o amortecedor (causador da força “F”) para onde já deve existir bastante tubos, no caso da estrutura, e para mais próximo da roda (um dos apoios), no caso do “link” arrastado? Assim poderia aliviar o estado de tensões e reduzir os deslocamentos.
Isso deveria ser feito de modo a respeitar a geometria da suspensão traseira. Dito e feito! Foi reavaliada uma nova disposição do amortecedor, a qual permitiu preservar as vantagens da geometria desejada, o que efetivou o rearranjo dos pontos de fixação. Como consequência, foi possível reduzir massa tanto da estrutura quanto do link arrastado! E melhor: foi possível aumentar o coeficiente de segurança da estrutura, ou seja, poderia suportar esforços do amortecedor traseiro ainda maiores!
Observem a mudança do ponto de ancoragem do amortecedor na gaiola. Agora, ao invés de dois tubos, os esforços são amortecidos em quatro.
Tá, mas como pode dizer isso? A resistência de qualquer componente mecânico às condições de operação precisa ser mensurada. Ela pode ser estimada tanto pela ocorrência ou não de uma falha (uma fratura, um empenamento) ou por outros indicadores (tensões, deformações, deslocamentos). A forma mais simples e eficiente é o bom e velho teste em campo ou estudos experimentais. Todo e qualquer produto precisa ser testado, quem dirá nosso protótipo.
Por outro lado, caso haja interesse em avaliar diferentes formas de estrutura ou de um componente estrutural, será que compensa fazer um teste para CADA variedade? Imagine a quantidade de recursos financeiros, humanos, protótipos e o tempo dedicado a isso… Para poder adquirir esse conhecimento, cai muito bem o cálculo estrutural! A partir dos conhecimentos de mecânica dos sólidos, empregando modelos matemáticos e empíricos, tem-se a chance de escolher a melhor configuração para o seu componente. Aí podemos ver que aqueles períodos entupidos de cálculos e físicas passam a valer a pena para o engenheirando.
Nada como uma prova real de que seu protótipo está pronto para detonar!
Ainda assim, esse cálculo estrutural pode ser realizado de duas formas. O dimensionamento pode ser analítico, ou seja, por meio de uma calculadora, lápis, borracha, papéis e tempo (e abrir mão de alguns fios de cabelo). Por outro lado, o dimensionamento analítico pode ser limitado a geometrias simples, como vigas, cilindros, esferas ou alguns elementos de máquinas… E uma estrutura tubular, tridimensional?
Como disse outrora Silvio Santos, “Moisés! Não consegue, né?”…
Consegue SIM! Mas a diferença é que não dá mais pra fazer na ponta do lápis, mas no botão esquerdo do mouse. Ou seja, passam a tomar parte os métodos numéricos, resolvidos com o auxílio de um computador. Aí ganham espaço os softwares CAE (Computer Aided Engineering), que, a partir de qualquer componente modelado em CAD, requer apenas que o usuário, a grosso modo, insira as condições de contorno (forças, fixações) e as variáveis a serem monitoradas (tensões, deformações), retornando-os em “um passe de mágica”.
E no que consiste esse “passe de mágica”? A abordagem mais utilizada é a seguinte: a geometria complexa é decomposta – discretizada – em elementos muito pequenos, de geometria simples (como comentado), compondo uma malha, sendo então as equações governantes resolvidas para cada elemento de modo que as soluções de todos os elementos estejam relacionadas entre si. Este, a grosso modo, é o Método dos Elementos Finitos (MEF, FEM, FEA).
Eis um exemplo de discretização: o conjunto disco de freio traseiro – pastilhas é dividido em pequenos elementos (tetraedros), de modo a resolver as equações governantes para encontrar as tensões causadas pelo torque de frenagem em uma análise estática.
Indo direto ao ponto, este recurso computacional permite também estimar a integridade estrutural de seu componente sem precisar experimentar todas as configurações. Basta gerar a geometria para cada configuração a ser testada, aplicar corretamente as condições de contorno e… Voilá! Poderá verificar qual configuração para um componente é melhor e qual deve ser evitada.
Do mesmo modo, fez-se o mesmo para nossa estrutura, com o auxílio da ferramenta Solidworks Simulation. Foram analisadas duas estruturas, a do J8 e a do J9, submetidas a forças causadas pelos conjuntos mola-amortecedor, aplicadas na fixação que sofreu a referida mudança, tanto do lado esquerdo quanto direito do veículo. Como resultado, foi verificado o estado de tensões da estrutura, justificando a afirmação acima.
Análise numérica das duas estruturas para esforços do amortecedor traseiro. Notem que o Jaguara 8 (centro) possui uma coloração avermelhada no ponto de carregamento, indicando maior solicitação. No Jaguara 9 (direita), essas tensões são deslocadas e, se reparar nas legendas, a tensão máxima reduz!
Beleza, mas de nada adianta um baita projeto se ele não for factível, não puder sair do papel. Desse modo, dedica-se também atenção aos processos de fabricação, de modo a tentar atender àqueles critérios já mencionados, adotando soluções de compromisso.
Um dos objetivos definidos para o protótipo foi manter a facilidade de fabricação e a precisão dimensional. Trata-se de uma estrutura no espaço, com tubos dobrados e cuja união é feita por soldagem… Parece ser um prato cheio pra resultar num veículo todo torto!
“Palma, palma! Não priemos cânico!”. É possível adotar algumas boas práticas que permitem minimizar os malefícios desses processos. Primeiramente, toda a estrutura tubular é concebida em planos, ou seja, quase todos os tubos são contidos por algum plano. Isso permite, posteriormente, transformar cada plano em um gabarito. Cada gabarito possui uma folha de papel onde estão impressos os tubos e nele são fixadas cantoneiras, ao redor dos tubos, para garantir que permaneçam no lugar durante a soldagem. Em seguida, cada gabarito pode receber seus tubos que, a grosso modo, são soldados separadamente e, em seguida, unidos para finalizar a estrutura. Desse modo, a estrutura “sai do papel”.
Eis parte da sequência de fabricação da estrutura. Primeiramente, são definidos os planos. Em seguida, são feitos os gabaritos e os primeiros conjuntos, para então fechar soldando tudo. Tá saindo do papel o monstro, p*%%a!
Levando em conta também a proposta de um veículo que pudesse ser fabricado em série, adotamos o processo de soldagem MAG, conhecido sua alta velocidade de soldagem e seu baixo custo.
Com vistas também para a execução das conexões, buscou-se simplificar o máximo possível as conexões empregando ângulos mais adequados, que permitam, por exemplo, fabricar em tornos mecânicos, minimizando o uso de esmerilhadeiras em aparas mais orgânicas.
Enfim, o assunto rende, mas nossa publicação termina por aqui. É isso que, no momento, compartilhamos convosco! Agradecemos a atenção dos leitores e agradecemos publicamente, mais uma vez, a todos os professores, integrantes, amigos, patrocinadores e ao FlatOut! por nos permitir divulgar e compartilhar informações sobre nosso projeto.
Esperamos que tenham apreciado e sintam-se à vontade para sugestões e críticas construtivas! Lembrem-se que se trata de um programa estudantil, sempre há o que aprender, o que melhorar, e qualquer conhecimento trocado vale muito a pena!
Aproveitamos também para divulgar nossa página no facebook e nosso site. Curta e fique por dentro do nosso projeto!
“That’s all, folks!”
Por Deivid Pastore, Project Cars #102