Olá, FlatOuters! Estamos de volta para contar a segunda parte do Project Cars #102, o Baja SAE da equipe Imperador da UTFPR. No primeiro post vocês viram a apresentação geral do modelo. Agora, vamos falar sobre o processo de projeto e construção da transmissão. Vamos nessa?
O trem-de-força de um veículo tipo Baja usualmente é composto pelo motor, um conjunto de redução por Transmissão Continuamente Variável (CVT), e uma caixa de redução com relação fixa. O nosso novo projeto, assim como os anteriores, continuará seguindo este layout. Descreveremos neste post algumas decisões e atividades relacionadas ao dimensionamento deste conjunto, para descrever a fabricação nos posts seguintes.
Layout de transmissão, do motor aos pneus
Começando pelo começo, o motor utilizado é o mais potente permitido na categoria – sem modificações, despeja invejáveis 10 cv num puxar de cordinha! Trata-se do motor estacionário monocilíndrico da Briggs & Stratton, Série 20. Na realidade é o único permitido no regulamento da competição Baja SAE, e mínimas modificações são toleradas. Embora seja pouco, investindo na otimização do sistema de transmissão é possível obter velocidades acima dos 60km/h, algo bem expressivo para este tipo de veículo.
O conjunto de CVT fornece uma ampla gama de vantagens, tanto para o conforto do piloto, que não precisa se preocupar com a troca de marchas, quanto para o desempenho do veículo. Além disso, as polias expansivas utilizadas (Gaged GX9) permitem total personalização dos seus componentes, permitindo a otimização do comportamento da CVT para que as trocas de relações ocorram nos momentos ideais, e a potência disponível seja aproveitada ao máximo. No gráfico abaixo se pode verificar este aspecto do CVT, em relação à troca manual de marchas.
Comparação do comportamento da CVT e uma caixa de 5 marchas. Em cinza, a faixa de rotação do motor de máxima potência.
A caixa de redução pode adquirir inúmeras soluções, tendo uma ou mais relações, ter diferencial ou não, etc. Neste novo projeto será utilizada uma caixa de transmissão com uma única relação, principalmente pela CVT utilizada já oferecer uma gama de reduções bem variada (4:1 a 0,77:1), e como o principal meio é o off-road, será utilizado o eixo traseiro blocado. A definição desta relação de transmissão é de importância fundamental para o sucesso na competição.
Representação da teoria básica por trás do desenvolvimento do sistema de transmissão do novo veículo
No gráfico acima, há uma região em verde que representa a força máxima disponível para o veículo acelerar, e as curvas azul e laranja representam dois veículos com relações diferentes. O objetivo do conjunto de transmissão é cobrir a maior área possível desta área verde. Utilizando uma relação muito alta (curva azul), ganha-se aceleração em baixas velocidades ao preencher a área à esquerda, mas perde-se velocidade final; em contra partida, uma relação muito baixa (curva laranja) perde-se em aceleração, mas ganha-se em velocidade final (preenchendo a área à direita).
Outra abordagem é buscar a redução da curva 3 (aumentando a área verde), ou seja, reduzir a força resistiva imposta ao veículo investindo em otimização aerodinâmica, redução de massa dos componentes, e até ajustando a pressão dos pneus. Na mesma linha de raciocínio, almeja-se o aumento da aderência dos pneus (elevar a curva 2), e aumentar a eficiência ou reduzir as perdas do sistema (elevar a curva 1).
Sendo assim, o primeiro passo para o projeto de transmissão foi determinar qual é esta região de máxima força, ou seja, quantificar as forças trativas e resistivas. Para tal, é necessário determinar experimentalmente dados como a curva de potência do motor, coeficientes de atrito dos pneus, forças de arrasto aerodinâmico, forças de resistência à rolagem dos pneus, massas e inércias do sistema de transmissão e do veículo, e diversos outros fatores envolvidos. Coletadas estas informações através de testes práticos, os dados são inseridos em um modelo analítico de todo sistema de transmissão, desenvolvido pela própria equipe em Matlab, e o sistema é resolvido para obter o melhor desempenho dinâmico possível.
Parece um bom plano, mas tem uma pequena falha: como determinar os parâmetros (como arrasto aerodinâmico, peso, etc) de um veículo que ainda não existe? Simples: viajando para o futuro, fazendo os ensaios necessários, e retornando ao presente (ou passado, como se diz no futuro). Repetir o processo várias vezes para criar o protótipo perfeito! É, parece um bom plano, mas há soluções mais viáveis. A estratégia adotada pela equipe é utilizar o carro atual (J5) como bancada de testes para o próximo, e assim sucessivamente. Assim, obtemos os dados reais do J5, comparamos com o esperado pelos modelos matemáticos, e determinamos as discrepâncias entre o modelo analítico e o real. Com o modelo validado, dimensionamos o novo protótipo com eficiência.
Pronto, definida a estratégia, hora de botar em prática! Foram realizados ensaios desde os extremamente simples (como pesagem e medição das inércias rotativas) até mais complexos, como o ensaio de coast down, que vamos descrever como exemplo.
Protótipo anterior, em seu lugar ao sol num dia de testes para coleta de dados.
O ensaio tem o objetivo de auxiliar na caracterização das forças resistivas (curva 3 no gráfico anterior) e consiste, em linhas gerais, em fazer o veículo atingir determinada velocidade em trajeto retilíneo e plano e liberá-lo. Assim, sem interferência do piloto, o veículo é desacelerado apenas pelas forças resistivas ao movimento. Por meio de um sistema de aquisição de dados onboard, são coletadas informações de aceleração, velocidade e deslocamento em função do tempo, que após tratamento estatístico são interpretadas para obter as forças resistivas atuando sobre o veículo em cada instante. A figura a seguir ilustra os resultados deste tipo de ensaio.
Representação dos resultados obtidos em ensaio de coast down com mudanças na carenagem
As curvas mostram o efeito da alteração da geometria da carenagem (para formas mais ou menos aerodinâmicas) nas forças resistivas do protótipo anterior. Estes dados são muito úteis para avaliar a efetividade das alterações aerodinâmicas e justificar a sua implementação. Pode-se também comparar estes resultados com simulações de arrasto aerodinâmico auxiliadas por computador, por exemplo, como meio de validação.
Exemplo de simulação aerodinâmica
Feitos diversos ensaios e análises como esta, concluíram-se os dimensionamentos: agora é só fazer! Já iniciamos a etapa de fabricação e os primeiros componentes já estão saindo do forno, nos próximos posts sobre o assunto podem esperar por menos conversa e mais ação! Até breve!
Proteção do conjunto CVT em fibra de carbono do novo protótipo logo após desmoldagem
Por Eric Tenius, Project Cars #102