Era um dia de semana comum. Perto do natal de 2009, a faculdade tinha entrado na rotineira folga de fim de ano, que sugeria que depois de um semestre apertado, um descanso em casa fosse merecido e obrigatório. No entanto, um convite descompromissado naquela tarde acabaria colocando mais um carro velho na minha vida.
Velho mesmo, e explico o porquê. Antes, como muitos aqui, era fã do antigo, mas infelizmente o antigo virou “vintage” e, por isso, ficou caro. Muitas vezes surreal. Eu, como não sou o tipo de gente que diria se orgulhar de ter pago R$ 120 mil em um Maverick com ar de 1977 nos pneus, passei a me interessar cada vez mais pelos velhos: aqueles às vezes parados há um tempo, com a pintura ruim e alguma mecânica pra fazer, feios e bem rodados, mas que tivessem um preço razoável e pudessem ficar bom com algum capricho. Algo como uma adoção. Daí a consciência fica tranqüila por não ter alimentado a especulação do mercado de “clássicos” e ainda aprendo um monte consertando o carro. Mas voltemos.
Naquele ano, um amigo havia ganhado do avô um Fusca que estava na família havia vários anos e o estava restaurando ao seu estado original de 1975 (quem não conhece uma história dessas?) e, sabendo que eu estava de folga, me chamou pra ir a um ferro velho procurar alguns detalhes pro Fusca. “Tô fazendo nada, bora lá”.
Chegando lá, enquanto ele procurava o que precisava com o dono do local, fiquei passeando pelo local “assuntando” o que havia de interessante por ali, quando minha visão periférica pensou ter registrado algo diferente.
Comecei o diálogo comigo mesmo:
“Uai, é um S/R? Peraí…”
Me aproximei.
“Rodinhas originais, bancos originais, aerofólio, frisos… ‘cê’ tá bem liso também, hein meu filho? Meio largado, mas bem inteiro… gostei de você!”
Voltei ao balcão da oficina.
“Paulinho, e aquele Monza lá atrás, é teu?”
“É sim, gostou dele?”
“Depende… quanto ‘cê’ tá pedindo?”
“Quero 4.500, com tudo resolvido, ou quatro e você resolve os documentos.”
“Hummm… e ele tá rodando?”
“Tá sim, mas falta uma revisão boa pra ficar rodando legal. Tem bastante coisa pra fazer.”
Olhei o carro de novo. Uma roda traseira parecia ter “mais cambagem” que a outra. Alguns amassados, faróis com os refletores queimados, um ponto de ferrugem na tampa traseira… mas aparentemente nada que condenasse o carro ou não fizesse valer o que se pedia. Aquela bigodada e o cérebro pensando:
“Ele tem potencial…”
Voltei pra casa com o carro na cabeça e, assim que encontrei com meu pai, contei do Monza e ele deu uma suspendida na sombrancelha. Era um bom sinal.
Contextualizando: no final da década de 1980 o carro da minha infância tinha sido um hatch SL/E 1984 azul, um carro que nos trouxe muitas alegrias e histórias legais, acabando por nos fazer criar uma afeição pelo modelo. Além disso, pouco tempo atrás, os dois tinham deixado escapar um outro hatch muito inteiro por módicos R$2.800,00, que seria o primeiro carro de um moleque de 18 anos, “conquistado” por passar no vestibular. A dor de cotovelo que ardia nos dois ainda precisava de outro hatch pra ser curada.
Fora isso, havia um tempo que eu tinha começado a restauração completa de um Kadett GSi e o meu “daily driver” passara a ser um Karmann Ghia 1969 vermelho montana. O carrinho é uma simpatia só, cura qualquer depressão com o tanto de sorrisos e acenos que você ganha na rua, mas definitivamente não é um carro pro dia-a-dia: é duro, barulhento, tem medo de chuva, não pode ser deixado em qualquer lugar… ou seja, pra continuar a restauração com algum conforto, precisava de um segundo carro: havia encontrado mais um argumento em favor do Monza.
Voltei no dia seguinte e pedi pra dar uma volta no carro, ali por perto mesmo. Com muito custo, o 1.8/S a álcool com carburador de corpo duplo ligou e eu pude colocar o bicho pra andar. O hodômetro marcava 95.000km, mas provavelmente já tinha zerado umas três vezes. Uma das rodas dianteiras estava empenada, fazendo o volante ir de 11h à 1h com uma velocidade proporcional à que eu chegava com o carro. Pra manobrar em uma rua, faltou freio e quase fomos barranco a baixo. Na volta pra loja, porém, meu senso “lógico” deu o lance final: “nada de errado, pode ficar com ele!”
Uma semana de aluguel de ouvido foi o suficiente: dia 22 de dezembro de 2009 fomos buscá-lo. Já considerando como um presente de natal, a ansiedade não me deixou dormir direito na noite de véspera: com 22 anos, eu teria dois carros, e o segundo era finalmente um Monza hatch. E ainda era um S/R!
No entanto, a ida pra casa me trouxe de volta à realidade: fui do céu ao inferno em poucos metros de asfalto.
Indo pra casa no meio do trânsito das 17:00, mesmo andando com o afogador no talo, o motor não passava de 3000rpm, com o carro chegando a uma velocidade máxima de 40km/h. O volante sacudia forte para uma lado para o outro, a direção só era hidráulica pra virar pra esquerda, o freio devia ter 20% do seu potencial original… alguns dos quilômetros mais longos da minha vida, certamente. Até que, a poucos metros de casa, já com o sentimento de vitória por ter conseguido levar o carro naquele estado, começou a sair fumaça do capô.
“Agora f*deu mesmo, o carro tá pegando fogo…”
Parei no meio da rua, abri o capô e no meio da fumaça vi um algo incandescente: o cabo do afogador havia escapado e fechou curto com o positivo do alternador e a lataria. Tirei o chinelo, dei um tapa no cabo e a fumaça parou. Esperando ela se dissipar pra tentar seguir viagem, pensei: “começamos bem, hein, meu filho?”
Terminei de chegar em casa e imediatamente levei ele em um lava-jato pra poder entender melhor o que havia debaixo de tanto barro. Depois de limpo, uma revisão básica na elétrica e no carburador com algumas chaves e amigos curiosos já o deixava um pouco mais disposto.
Pra finalizar o dia e melhorar um pouco mais o carro, trocamos as rodas empenadas com os “pneus” que estavam nelas pelo jogo de rodas do Kadett, que tinham sido recém-reformadas e estavam fora do carro enquanto ele ia pra pintura. Feito isso, sem gastar muita coisa, o que ficou na garagem já era algo bem melhor que o que tinha chegado em casa.
Como o antigo proprietário havia dito, o carro precisava de uma revisão bem servida ao menos em freio e suspensão pra ficar ao menos seguro de se dirigir. O próximo passo seria esse, mas já havia começado a pensar no futuro dele. Como estava no meio de um processo de restauração all-stock, a lombriga já sentia fome de modificações estéticas e mecânicas, terminantemente proibidas pra um caso de placa preta, como era o do Kadett.
Comecei a olhar o carro com maldade nos olhos. O PokeMonza teria de evoluir.
Meu nome é Sherman Vito e o Project Cars #112 é o meu primeiro projeto aqui no Flatout. Nos próximos posts, contarei o que já foi revisado no carro, o que já foi modificado e o processo de escolha do swap para o V6 3.6 LY7. Até lá!
Por Sherman Vito, Project Cars #112