Olá a todos! Antes de tudo, quero agradecer aos doidos Flatouters que votaram no meu projeto. Juro que não acreditava que seria escolhido, mas já que aconteceu, o jeito é contar essa história.
Se você espera uma transformação radical de uma lata velha em um carro mega-ultra-super preparado, devastador da natureza e devorador de gasolina, sinto muito desapontá-lo, mas aqui o objetivo é outro: mostrar o quanto me diverti socorrendo este carro com um orçamento bem baixo.
A Aquisição
Sou fieteiro de carteirinha. Motores pequenos e giradores me encantam desde sempre. Se vierem acompanhados de uma dinâmica arrebatadora, me levam ao nirvana. Por isso curto os Fiat. Tenho um raro exemplar de Uno Cabriolet Sulam, um dos poucos mais de 400 exemplares fabricados entre 1985 e 1991, o qual conservo com muito carinho (e ódio às vezes), mas que se encontra temporariamente fora de serviço.
Sempre li que o Chevette é um carrinho divertido, mas manco e sem vergonha quando original, mas com um potencial imenso de proporcionar prazer graças à sua abençoada tração traseira. Havia muitos anos que dirigira um Chevas, um bicudo do pai de um amigo, que usava no trabalho e volta e meia nós o pegávamos “emprestado” para umas voltas. Imagine, dois moleques de 15 anos dando rolê de Chevette com faixas de autoescola… E passávamos pelos homens da Lei sem ser incomodados e ainda os cumprimentava! Claro, nos conheciam de vista, sabiam que não aprontávamos. Coisas de cidade pequena.
Diante disso, decidi que um dia teria algo de tração traseira.
Estava com um trocado na conta juntando mofo e fico sabendo pela TV que o DETRAN iria leiloar alguns veículos apreendidos. Olhei o edital sem muito interesse. Havia um Uno S 1986, e achando que seria um 1050, que é um dos mais divertidos, fui ao pátio de retenção “dar uma olhada”.
Um dos encarregados do pátio me disse que o Uno não fora levado ao pátio de visitação de tão ruim que estava. A outra coisa interessante era um Chevette 1987, mas… O carro era tão ruim quanto o Uno.
O encarregado me contou que havia 2 carros na linha que buscava: uma Chevy 500 DL 1991 e uma Marajó SL/E 1988. Olhei os dois e o melhor era a picapinha. A peruinha estava com a capa do estepe no lugar e outros detalhes. A picapinha era bem inteira e não apresentava ferrugens aparentes, enquanto que a perua tinha uns podrinhos visíveis, que julguei serem de fácil solução. Com os dois carros na cabeça, voltei pra casa e o fim de semana foi de pesquisa, buscando entender como funciona esse mundo da tração traseira e informações técnicas sobre a linha Chevette.
O leilão ocorreria na próxima semana, durante 4 dias. Os dois carros seriam leiloados no último dia. Assim, fui à sessão no dia 27/06/2014.
Ao chegar, o pregão tinha terminado. Alguns lotes não haviam sido arrematados e outros retirados do leilão. A Chevy havia sido retirada e sobrou só a Marajó. Nisso, o leiloeiro me pergunta:
– O senhor quer ficar com ele? Baixou o preço, agora só R$ 400,00.
De R$ 950,00 que o DETRAN pedia no edital, foi um belo desconto. Não resisti e abracei a causa. E traí o movimento Fieteiro.
Fechei negócio, peguei o comprovante de arrematação e fui ao balcão do DETRAN. Rapidamente atenderam-me, somente confirmando a aquisição. Mas como nem tudo é perfeito, deu zebra. No edital, nas planilhas, em todas as informações, a Marajó estava como recuperável. Mas no banco de dados do Departamento, estava como sucata! Bateu o desespero com essa situação inesperada. Corre daqui, dali, fala com um, com outro e me levaram a um dos diretores. Explico a situação e logo de cara o sujeito diz que o DETRAN se reserva ao direito de mudar o que achar necessário no leilão, sem dar explicações. O sangue subiu aos olhos, quase bati no cara. Tinha que bater em alguém, e o próximo da lista seria o leiloeiro…
Mas num lampejo de lucidez, o diretor me pede para ter calma que iria resolver o problema. Simplesmente, mudaram o status do carro pra sucata e não alteraram na planilha fornecida ao leiloeiro. Ou seja, erraram, reconheceram e consertaram na hora, mediante uma olhadinha nas fotos que o Departamento tinha do carro e chegaram à conclusão de que o carro tinha condições de voltar a circular, desde que fossem feitos os reparos necessários.
Renasceu de novo a Marajó. Quase vira sucata! Fui pra casa feliz, planejando o que viria pela frente.
Agora era pagar o ICMS, pegar a Nota Fiscal Avulsa na Secretaria Estadual da Fazenda, voltar ao DETRAN e pegar a liberação do pátio. Duro foi pagar imposto de uma coisa velha… Burocracia cumprida numa quarta feira e na sexta fui pegar a liberação na agência de atendimento.
Na agência, me chamaram no cantinho:
– O senhor que arrematou o lote 1041?
– Sim. O que houve? – perguntei, tremendo as pernas.
– O motor do carro não está cadastrado. Mas já pesquisamos e ele está baixado, pode ser instalado sem problemas. Quando for fazer a vistoria de transferência, faça um anexo II (declaração informando a propriedade do motor) e será legalizado.
– Ainda bem! – Respirei aliviado.
Peguei a liberação e fui ao pátio de retenção. Ao chegar, avisto um guincho vazio. Acerto com o sujeito o frete e ele entra com o caminhão. Mas antes, iria tirar um Celta. Nisso, o Cargo atola na grama molhada e fica esperando vir outro guincho puxar… Como tinha um monte de coisas pra fazer, fui embora. Voltaria na segunda.
Segunda, 07/07/2014 fui buscar a Marajó. Cheguei umas 11h30min e não tinha guincho na porta. Quando um apareceu, catei logo pelo braço pra tirar o carro. Com cuidado pra não atolar na grama, puxamos a peruinha. Como veio sem chaves e o volante estava travado, à medida que o carro subia na plataforma, tínhamos que parar e alinhar o carro. Um belo exercício sob o sol de meio dia. Quando a vi em cima do caminhão, veio um momento de lucidez: “Que merda que eu fiz. Essa bosta só tem ferrugem! Agora não tem mais jeito, é levar essa bicheira pra casa.”.
Assim surgiu o apelido da Marajó: “Bichera”
Quatro pneus murchos, sem carga na bateria, um monte de mato, lama, lodo e mofo num carro com 50% de ferrugem. Não tenho juízo mesmo…
Já em casa, arrumei a garagem pra abrigar o carro. O guincheiro encheu os quatro pneus. Fizemos um pouco de força pra bichera descer da plataforma, pois estava muito pesada. A roda TD travou no tambor de freio.
O guincho foi embora, me deixando R$ 120,00 mais pobre, ou menos rico… O jeito foi catar dentro dela o que um dia recebeu o pomposo nome de macaco, todo carcomido pela ferrugem, mas não é que funcionou direitinho? Saquei a roda fora e com vigorosas marteladas tirei o tambor de freio. Montei a roda e pude enfim empurrar o carro pra vaga da garagem. Coloquei-a no seu cantinho, ao lado do Uno, num espaço cedido pelo meu vizinho, protegida de sol e chuva, que tomou por tanto tempo, coitada. Devia estar com insolação.
Para completar a “doideira”, tenho todos os custos contabilizados. Até colocar na garagem, o gasto foi:
A posse a primeira volta
Responda rápido: você se lembra do 7×1? Eu lembro, mas não foi por causa do jogo. Nessa hora estava na garagem, inspecionando em detalhes o que tinha comprado.
O porta malas não trancava. Nele, encontrei três molas a gás, um estepe murcho, um macaco, duas chaves de roda, duas chapas de Duratex, um monte de cisco de ferrugem e muitas pétalas e folhas secas. No interior havia extintor de incêndio, um som sem frente, um estojo com dois controles, vários papéis e muitas pétalas e folhas secas.
O vidro do quebra vento/ventarola/janela ventilante da porta direita estava quebrada. A tampa traseira era só massa, e quando abria corria cisco de ferrugem por dentro da tampa. As portas arriam quando abertas. O capô quando abre escorre ferrugem… As “churrasqueiras” da ventilação foram vedadas. Os pneus dianteiros eram novos e os traseiros meia vida, calçam um jogo de rodas de liga leve de época, mas já algo finos por uma criminosa diamantação Os tambores dos freios foram pintados de vermelho.
No motor a coisa estava linda: arrefecimento enferrujado, o radiador original todo remendado com epóxi e a tampa desintegrou sozinha. Óleo no nível máximo, carburador de fusca adaptado, cabeçote cinza e motor azul, fora os pontos de ferrugem e buracos na parede corta fogo. Uma lástima. Agora era descobrir o que a bichera bebia. Pelo cheiro, era gasolina. Que legal! Um misto quente! Cabeçote de 1.6/S, com carburador de fusca cobrindo um bloco 1.4!
Rir pra não chorar. Agora era ver se o motor funcionava e, em caso positivo, como ela cumpriria essa tarefa.
Com uma chave 19 mm, girei o virabrequim pra ver se o motor estava travado. Com pouco esforço, girou. Dei mais algumas voltas pra fazer o óleo circular. Comprei 2 litros de gasolina aditivada, desliguei a mangueira da bomba ao tanque e a garrafa de guaraná virou reservatório. Como não tem chave, desmontei o miolo da ignição e usei uma chave de fenda para ligar o motor Joguei combustível na admissão, e dei partida com bateria auxiliar. Miolo girado, nada acontece. Insisto um pouco e o arranque começa a girar. Insisto um pouco mais e logo o motor começa a funcionar de forma precária. Morre algumas vezes, mas continuo a insistir. Após várias partidas a marcha lenta estabiliza e passa a funcionar tranquilamente. Agora sei que o motor funciona! Eba! Mas… A unidade de força de todo Chevette, a máquina de costura Singer, trabalhava com força, indicando que precisava de uma regulagem urgente de válvulas.
Agora era lavar e dar uma volta na rua.
Na lavagem, descobri outras coisas interessantes: duas capas nos bancos do tipo picolé (encosto alto e apoio de cabeça integrado) e seus suportes podres, um moderno e eficiente ventilador no painel, muitas peças quebradas, rachadas ou trincadas e até mesmo os buracos de ferrugem das colunas dianteiras foram tapadas com fibra de vidro e que um dia seu interior foi surpreendentemente azul.
No cofre a visão era animadora: um belo buraco de ferrugem na parede corta fogo, permitia o ingresso de ar quente na cabine, contribuindo para o conforto à bordo. E nas caixas de ar, belos buracos de ventilação…
Lodo retirado, parte do mato e interior limpo deram outra cara à bichera:
Para rodar, precisava dar uma geral no carburador de fusca: limpeza, novo kit de juntas e arrumar o freio. Troquei o cilindro de roda da TD e ficou tudo em ordem para a primeira volta.
Tudo certo com a carburação. Motor girando e funcionando redondo. Acelerava e o giro subia. Mas… O motor tá rajando e fazendo um tec tec tec e junto começou um piado de rolamento, acho que do alternador. Terá diagnóstico. Tirei a chupeta e medi a tensão da bateria. 13,8V, alternador funcionando. Aceleradas esporádicas e sempre subindo de giro certinho. Acertei a marcha lenta que estava um pouco baixa e ficou um relógio.
As 12h05min h de 02/08/2014 engatei a primeira marcha e saí com o carro da garagem. Cada pneu com uma calibragem diferente, sambando todo e ainda meio quadrados pelo tempo que ficaram murchos, mas até que foi bem. Logo estariam redondos novamente. Uma pequena esticada de 2ª e o ronco subia, mas a velocidade não acompanhava na mesma proporção… Falta costume com o rodar do Marajó. Consegui atingir a incrível velocidade de 60 km/h e aos 40, um leve ronco surge e some em seguida, acho que do diferencial. Preciso trocar o óleo. O eixo rígido manda lembranças, sempre flutuando em descompasso com a carroceria. Esse movimento era vivo na minha memória pelo Opala, mas não o imaginava no Chevette, claro que em menor proporção, mas ele está lá.
Essa era uma característica que nunca gostei do Opala. Gosto de suspensões mais modernas como a independente do Uno ou um eixo de torção como o do Logan. Preciso me acostumar. A volta foi curta, uns 3 km, mas deu pra sentir que a Bichera tem certa saúde. Não rodei mais por medo de cair em blitz ou dar de cara com os meganha. Voltar ao depósito não dá… Velocímetro funcionando, embreagem precisando regular o curso, pois está muito baixa em relação ao freio e patinando levemente, levantar um pouco o pedal do acelerador, são necessários para deixar o carro em ordem. O tempo me mostrou que estava enganado.
Ah, a planilha de gastos até agora:
Por Aécio Martinho, Project Cars #359