Assim que coloquei o motor V6 no Tempra, vi que realmente seria impossível instalar aquele motor ali. Ele estava encostando em todos os lugares possíveis. Mesmo assim não sobrou espaço nem para o radiador, quanto mais para o resto. Daí surgiu a grande pergunta: por que não entrou?
Antes de comprar a sucata de Alfa pesquisei na internet a aplicação desse motor em outros carros. Vi um Brava V6 prata europeu, e também achei o vídeo de um Tempra prata com Fivetech na Turquia. Assim, meu raciocínio lógico foi: se o Fivetech que era do Brava/Marea cabia no Tempra, e o V6 cabia no Brava, então o V6 caberia no Tempra. Então por que não coube?
Tempra turco com Fivetech turbo e 720 cv
Após o fracasso no encaixe do V6 voltei a pesquisar mais sobre o motivo. Passei quase um mês pesquisando sobre a parte estrutural do Tempra e Brava/Marea. Foi nessas pesquisas que eu descobri por que no Tempra turco o FiveTech coube perfeitamente.
O Tempra surgiu na Europa em 1990, derivado de seu irmão Tipo que foi lançado em 1988. Em 1991 a Fiat lançou o Tempra SW — todos compartilhando a mesma plataforma Tipo Due, inaugurada pelo hatchback.
Nesta mesma plataforma foram feitos outros dois carros do grupo Fiat: o Alfa Romeo 155 e o Lancia Dedra. Mais tarde, para substituir a família Tempra/Tipo, a Fiat lançou a dupla de hatches Bravo e Brava e o sedã/perua Marea usando a mesma plataforma originaria do Tipo.
Portanto Alfa 155, Tipo, Tempra, Tempra SW, Brava, Marea e Marea Weekend compartilham a mesma plataforma.
Até aí estava explicado por que o Tempra turco estava usando o Fivetech numa boa. Faltava descobrir porque no meu Tempra o V6 não se encaixava.
Pesquisando mais, acabei descobrindo que, na verdade, o Tempra brasileiro é um projeto exclusivo da Fiat Brasil — ele apenas se parece com o Tempra europeu. A Fiat Brasil modificou significativamente o Tempra nacional, e por isso poucas peças são intercambiáveis entre o nosso modelo e o estrangeiro.
A Fiat até melhorou alguns aspectos do carro, como a inclusão de novos pontos de solda no chassi e a suspensão retrabalhada para se adaptar as estradas brasileiras. A suspensão traseira era idêntica à suspensão traseira do Alfa 164, que usava o sistema McPherson. Por aqui o Tempra só usou motores 2.0 herdados dos Lancia — enquanto na Europa era mais comum o 1.6.
Mas por que tantas mudanças? Porque a Fiat queria dominar o mercado de sedãs do Brasil. O detalhe curioso é que somente no Brasil existiu o Tempra duas portas e o Tempra Turbo (2.0 8v) que usava uma variação do mesmo motor que as Lancias usavam, mas com 16v e 220 cv.
Sabendo disso concluí que realmente o meu Temprinha não poderia receber o novo coração italiano. Mas não podia acabar assim; lembrem-se: sou brasileiro e não desisto nunca!
Pois bem. Comecei a matutar uma solução plausível. Foi então que me veio a seguinte ideia: se no Brava/Marea o V6 coube, eu só precisava da frente deles para isso.
Mas se o design é diferente, eu poderia achar uma frente da plataforma Tipo Due que tivesse o design igual ao do nosso Tempra? Isso mesmo que vocês estão pensando: no Fiat Tempra SW. A perua foi importada entre 1994 e 1997 e teve 9.204 unidades vendidas. Era só correr atrás de uma frente de Tempra SW nos ferros-velhos de Belo Horizonte.
Aí começou o transtorno: todos os ferros-velhos da cidade pareciam ter adivinhado que eu estava atrás da frente, pois todos estavam cobrando pequenas fortunas por ela.
Solução? Voltei aos leilões atrás de um Tempra SW com a frente intacta. Àquela altura eu já conhecia dois leiloeiros de Belo Horizonte além do leilão do Detran de Minas Gerais — esse mais complicado porque os leilões ocorriam de tempos em tempos. Os outros dois, contudo, realizavam leilões uma vez por semana, ou seja: minhas chances eram maiores de encontrar uma SW.
Essa espera por um Tempra SW demorou mais cinco meses. Todo o projeto ficou parado até então. Depois desses meses de espera, finalmente apareceu uma Tempra SW do jeito que eu precisava.
O leilão seria no sábado às 10 da manhã, mas cheguei mais cedo pra fazer a visitação. Por incrível que pareça ela estava perfeita (para o que eu precisava).
De repente, toda aquela situação vivida com o Alfa estava de volta: concorrentes atrapalhando e comecei a suar frio, mas novamente eu fui o vencedor. Eu era um feliz proprietário de mais uma sucata. A parte boa desse leilão é que pagando o carro na segunda-feira eu já poderia retirar no mesmo dia. Contudo só consegui retirar na terça-feira, mas já estava muito bom. O Alfa levou 40 dias de espera.
Depois que a SW chegou foi hora de tentar reviver o carro novamente. Na análise preliminar cheguei à conclusão que o antigo proprietário não tinha condições de mantê-la. Por exemplo: a ventoinha era armada com um fio de eletricidade comum que saía da ventoinha até o interior do carro onde ele armava manualmente, entre outras coisas.
O passo seguinte foi fazer o motor ligar, e por incrível que pareça foi mais fácil que o Alfa. Precisei apenas de uma bateria nova, óleo novo e pronto: SW funcionando redonda e com um barulho encorpado (só tinha descarga até o meio do carro).
Depois de fazê-la funcionar comecei a procurar um funileiro que aceitasse o que eu estava propondo, que seria soldar partes diferentes de dois carros. Como de praxe, o serviço custava os olhos da cara ou eu era chamado de louco.
Até que, por coincidência, fui ao funileiro que fazia os retoques nos carros do meu pai e ele topou a tarefa por um valor honesto. Eu só tinha que aguardar em torno de duas semanas para chegar a minha vez.
Desde que passei o perrengue para desmontar o Tempra com ferramentas emprestadas, decidi comprar as minhas próprias ferramentas para não ficar dependendo de ninguém e até mesmo para baratear a mão de obra.
Não comprei tudo de uma vez. Aos poucos fui comprando o que precisava: o macaco jacaré e quatro cavaletes quando comprei o Alfa, e agora com o Tempra SW comprei a girafa hidráulica. Depois acabei comprando o estojo da Mahle de 195 peças. Com estas ferramentas é possível desmanchar um carro inteiro sem muitas dificuldades.
Enquanto eu esperava a data para mandar os carros para a funilaria resolvi agilizar o processo e cortei os carros. Primeiro foi o Tempra sedã — foi muito tranquilo, só tinha a lata para cortar. Depois foi a vez da SW, que deu mais trabalho por estar praticamente inteira (eu só havia tirado o motor).
Levei as duas partes já separadas para o funileiro. A traseira do Tempra foi de caminhão e a dianteira da SW foi empurrada em uma cena hilária: três homens empurrando metade de um carro, sendo que um deles ainda estava manobrando o volante. Com as duas metades dos carros na funilaria, era hora de juntá-los, mas não foi assim fácil…
Por Diógenes Moreira, Project Cars #36