Fala pessoal! Esse é o terceiro e último post da preparação da TR4 R para o Rali dos Sertões (Se ainda não viu as outras partes aqui está a parte 1 e aqui a parte 2 da história). Neste texto vou falar um pouco dos ajustes finais e claro, contar alguns “causos” sobre como é participar e subir ao pódio do maior rali da américa latina. Guardei o melhor para o final. Se você curte uma boa história não deixe de ler! Vamos lá!
Os últimos ajustes e a escolha da cor
A última importante modificação que fizemos foi a instalação do kit easy traction. Este kit funciona liberando o eixo dianteiro através de uma alavanca manual (procedimento que normalmente é feito através de sensores) e permite além do desligamento do eixo e caixa de transferência dianteiros em momentos desnecessários um ganho extra de potência, sem falar que é uma dor de cabeça a menos, já que o sistema é mecânico e extremamente robusto.
Bom, vocês já devem ter visto, a cor escolhida foi laranja, mas tem uma história por trás disso. Em 2015 corri com o carro branco e azul e realmente não gostei da combinação de cores. No meio do rali o carro já estava sujo e com cara de velho.
Já pensando na cor pro ano de 2016, vi meu filho de 14 anos, o Tamer, jogando com uma caminhonete laranja em jogo de corrida no seu x-box, pedi na hora ele dar um pause no jogo e me mostrar aquele carro, nós dois curtimos a ideia e foi assim que ficou definida a cor da TR4. O carro do video game era a Ford F150 Raptor.
Carro Laranja e o cenário que combinava perfeitamente
Eu acho que foi uma escolha muito boa de cores, a cobertura da ralli também adorou o carro e prova disso era que todo dia tinha foto nossa nos sites e na cobertura oficial do rali.
Carro pronto, é aí que a verdadeira aventura começa, pra dividir com vocês um pouco do que realmente é participar de um Rally dos Sertões, vou contar um pouco sobre o ano de 2016, algumas histórias são engraçadas, outras mostram como é duro participar deste rali e o que é realmente preciso para subir ao pódio. Prontos para começar?
Rali dos Sertões 2016: um começo ou um balde de água fria?
Quando a gente vai pro sertões, já chegamos com certa antecedência, tempo suficiente para se organizar e deixar tudo no ponto de começar o Rali. Antes do início, todos nós temos a chance de conhecer outros competidores, conversar, vai como vai ser a disputa. Nesse momento foi que eu tomei meu primeiro de muitos baldes de água fria. A primeira conversa que eu tive com outros pilotos da minha categoria foi:
“- Quanto tá extraindo do carro?”
-”Eu: Estamos puxando 135cv”
– “Qual o ano do teu carro?’
– “Eu: 2008.’
-”Então não é flex? Não converteu pra álcool?”
– “Eu: Não deu…E o teu? Tá puxando quanto?”
– “200cv”
Ai eu fiquei triste, já pensei comigo mesmo: não vai dar. Depois de olhar pra concorrência que me aguardava, não tinha outra, nosso carro era o mais velho, não estávamos ao nível de todo mundo. Mesmo assim, era hora de me preocupar com o prólogo, primeiro evento do Rali que define a largada. Esse evento é feito em um circuito fechado onde dois carros partem de pontos diferentes, vencendo quem cruza a linha de chegada na frente.
Na minha cabeça, eu já estava em desvantagem, mas resolvi tentar deixar isso de lado e fui para o prólogo com um intuito: eu ia mostrar para que eu tinha vindo…Na minha cabeça eu pensei, agora eu vou com tudo. 3,2,1 e largada: Saí a mil e já comecei a contornar as curvas com toda velocidade, eu só via o meu objetivo, “eu vou ganhar de quem quer que esteja do meu lado”, no limite, algumas vezes botei o carro de lado e outras eu até andei de duas rodas, enquanto eu corria já não via nem a poeira do meu companheiro de prova, o outro carro já havia sumido, devia estar muito atrás aquela altura…
Foto do Prólogo: No limite, as vezes em 2 rodas…
Devia… porque o que se sucedeu foi o seguinte:
“Eu: Cara, você tá vendo? A gente acabou com o outro carro!”
“João Afro (copiloto): Fábio…”
“Eu: Não deu pra ver nem a poeira do cara!”
“João: Fábio…”
“Eu: É isso aí! (comemorando)”
“João: Fábio, olha ali na frente…ele já chegou”
“Eu: O que? Ele já parou? Já chegou? A gente não ganhou?”
Agora, lembrando da situação até que é bem engraçado, mas na hora, a realidade foi que eu perdi, fiquei para trás, muito para trás…Esse foi o resultado daquele prólogo.
Resultado do Prólogo – Categoria Production T2 (3/9) – Rali dos Sertões 2016
1) 330 Celso Macedo/Belén Macedo, TR4 ER, 2m20s0
2) 344 Sven Fischer/João Luis Stal, Pajero, 2m23s6
3) 342 Frederico da Silva/José Tomich Jr., TR4 ER, 2m25s1
4) 340 Flavio Lunarde/Fred Silva, S 10 LS, 2m25s2
5) 341 Vilson Thomas/Rafael da Luz, TR4 ER, 2m25s7
6) 339 Nadimir de Oliveira/Ricardo Silva, TR4 ER, 2m26s2
7) 318 Daltro Maronezi/Guilherme Rezende, TR4, 2m30s0
8) 345 Fábio Cadasso/João Afro, TR4, 2m32s4
Último colocado, confiança mais do que abalada. Eu cheguei a ligar para minha esposa Yda e disse: Não tenho carro, não dá. Depois de me dizer que aquilo ainda não significava muita coisa e que eu tinha muito chão pela frente, resolvi escutá-la e já comecei a deixar esse pensamento de lado, era hora de mudar de estratégia.
Mudando de estratégia
Chamei toda minha equipe e falei: “Gente nós já estamos aqui, nós já chegamos aqui, nós já não temos o que fazer, a não ser correr, e se a gente vai ficar em último que a gente participe de todos os dias e que consiga chegar até o fim”. Então essa era minha estratégia, eu ia tirar o pé e ia focar sempre em completar a etapa e a chegar no fim do rali.
Muito cuidado, o foco é chegar!
Primeiro dia, vamos largar, eu virei para o meu navegador e disse: “Cumpade, não me deixa pular uma lombada, não deixa eu sair com as quatro que a gente não tem suspensão e outra coisa, onde tiver trial a gente pisa forte”. Os trials são as trilhas bem fechadas, onde eu particularmente consigo carregar mais velocidade.
Todo mundo passava pela gente naquela altura, nosso carro não estava no mesmo nível mesmo… Porém, andando um pouco mais e eu já via outras equipes passado reto nas curvas, outros se perdendo… Em resumo, eles me passavam, depois eu passava deles e depois eles voltavam e me passavam com tudo de novo… Quando alguém já caia fora da prova, eu pensava, “já ganhei desse!”.
Resultado do primeiro dia: de 12° chegamos em 7°, o que se repetiu por vários dias. Essa era minha estratégia. Para se ter uma ideia, dos 12 carros da nossa categoria, apenas 8 completaram a prova. E eu fui avançando.
Uma penalidade
Já era o terceiro dia do Rali, estávamos mantendo a estratégia, éramos quinto lugar na categoria. O dia ia ser longo. Entre dois trechos, nós temos uma área neutra, nesse ponto a gente para e larga novamente para a próximo trecho. O horário limite de chegada para aquele dia era às 20h da noite e a gente já estava indo para o último percurso, era por volta de 17h30 da tarde. Nós demoramos um pouco para sair, mas como a gente estava cansado e meu navegador começava a sentir o efeito da poeira, foi necessário um tempo pra tomar uma água e se preparar para sair novamente. Quando eu saí, o meu navegador disse pra eu ir com calma que ia dar, aí foi que eu resolvi perguntar pra ele quantos quilômetros faltavam e ele me disse: 250km.
Na hora eu pensei, não tem como, não dá. A gente discutiu um pouco, mas ao ver que o trecho era pior do que a gente estava imaginando, não deu outra, ou a gente andava muito, ou não ia dar tempo mesmo de chegar e adeus chance de pódio. Desliguei a tração dianteira liberando mais potência pra trás e acelerei, foi uma loucura, chegamos em alguns trechos a 170 km/h, isso em um carro de rali por quase 3 horas, é no mínimo insano.
Em determinado momento, eu encontrei alguns outros carros de outras categorias na mesma situação que a gente. Quando o navegador começa a dizer pra ir mais devagar, é porque as coisas já estão saindo do controle. É que na poeira atrás de outros carros, de noite eu só me guiava pela luz de freio do carro da frente, a uma distância mínima, depois eu botava de lado e passava. Realmente já estava pensando, é tudo ou nada agora.
Velocidade máxima
Mas a agonia não parava por aí, já era muito próximo das 20h da noite, a gente finalmente havia chegado no asfalto, foi quando percebi que não tinha mais gasolina pra chegar. O que a gente fez? Correu para um posto de gasolina e fez o que deve ter sido o “pit stop” mais rápido da história daquele posto. Enquanto eu parava, meu navegador enchia o tanque e pagava o frentista, quando a bomba parou e a gasolina estava no tanque, ele entrou no carro bateu a porta e eu já saí acelerando.
Chegamos às 19h55m naquele dia, e pegamos um penal de 40 minutos, é que a gente não tinha se atentado para o tempo de parada em um determinado local, que era de 30 minutos para todos os competidores e nós passamos direto. Mesmo assim continuamos competitivos, estávamos lutando muito, até que veio a etapa mais difícil…
Maratona – a etapa mais dura do Rali dos Sertões
Maratona ou maraton é uma parada entre duas etapas do Rali em que não podemos mexer no carro, é bem assim: bateu, quebrou? Só quem pode consertar é o piloto e o navegador, até o combustível é colocado antes. Não há margem para erros. Nesta etapa, o trecho era de 530 km, um dos mais longos do Rali. O dia começou pra gente as 9:00 da manhã e só ia terminar às 23:00 da noite. O que aconteceu nesse intervalo foi o seguinte:
Meu navegador, João Afro, estava mal, ao ponto de quase a prova não liberá-lo para competir, é que ele tinha respirado tanta poeira durante os dias do Rali, que já não conseguia respirar direito e tossia muito. Mais uma vez eu virei para ele e disse: “Cumpade, não tosse, por que se a gente for largar e você tossir vão barrar a gente da etapa” e ele segurava como podia! Com isso “resolvido” finalmente largamos e já furamos o pneu a primeira vez naquele dia…
Já era 17:30 da tarde, estávamos correndo o dia todo, quando a nossa roda da frente decide sair sozinha e saca de uma vez do nosso carro, eu havia acabado de entrar em um trecho de areia, a roda sacou e o carro parou sem danificar nada, hoje eu me lembro que a gente tinha acabado de sair de um trecho de piçarra em que eu me lembro de ter atingido 140km/h. Se a nossa roda tivesse sacado ali, nosso rali tinha acabado, e eu podia nem estar escrevendo esse texto hoje. Nós tivemos sorte.
A esse ponto já estávamos exaustos, não tinha mais força que fizesse a gente continuar, não tinha mais água pra gente tomar, mas no rali não existe “não chegar” tem que dar de algum jeito. E aquela altura, só existia a chance da gente ficar ali ou arrumar o carro, porque ninguém ia passar ali no meio do nada pra ajudar a gente. Outros competidores que passam por nós são obrigados a parar e verificar se nós estamos em uma situação séria, caso contrário eles podem ir embora, e era isso que acontecia com a gente.
Enquanto o meu navegador procurava a roda, eu levantava o carro na areia com nosso equipamento (uma prancha e um macaco), depois que achamos a roda perdida, vimos que das roscas que haviam restado apenas 2 ainda tinham parafusos, o jeito foi tirar um parafuso de outra roda e depois da outra “Seja o que Deus quiser e vamos lá”. Saímos, nessa altura o dia já havia virado noite, meu navegador já não aguentava mais, a tosse estava pior e não tinha água a muito tempo. A gente precisava parar. Quando a gente viu uma casa, já paramos e encontramos mais 2 outros carros quebrados.
Assim que chegamos, alguém já deu pra gente um pouco de água, era uma garrafa de 2 litros de coca cola com uma água, um tanto quanto…amarelada. Mesmo assim, matamos a sede e não temos como agradecer as pessoas daquela casa que não só nos ajudaram mas, ajudaram também outros pilotos e outras equipes. Depois disso nós decidimos continuar, mas eu confesso que eu já tinha perdido a cabeça. Em um momento de indecisão eu optei por escolher um caminho diferente do que meu navegador havia dito, fui literalmente navegando e pilotando, só que aí foi a vez dele falar: “Cumpade, ou você para ou nós vamos brigar aqui, nós estamos 30km fora da rota, nós estamos ficando sem combustível, se o carro parar aqui ninguém acha a gente”. Nervos à flor da pele, isso acontece em rali, o desgaste físico e mental dificulta o raciocínio.
Ele já estava me falando a um tempo, mas eu não estava ouvindo, eu só queria acabar com aquilo ali. Quando ele me chamou a atenção, ele me disse que o melhor a se fazer era voltar os 30 km e recomeçar do ponto que a gente havia saído. Eu finalmente concordei e voltei todo o percurso. Se eu disser que não teve palavrão e discussão naquele dia, eu estaria mentindo, mas esse é o espírito do sertões, acontece de tudo. Voltamos para a mesma casa que a gente tinha acabado de sair 2 horas antes!
Chegando lá, novamente outros competidores com problemas, só que o dessa vez eram muitos carros, alguns destruídos…Pilotos cansados, o sertões tinha derrotado muita gente. E a gente não estava tão mal, afinal nosso carro ainda andava! O problema dessa vez era gasolina, não ia dar mal pra sair dali. Um piloto de UTV me doou 6 litros de combustível a essa altura, mas a única condição era que a gente saísse em comboio por que o seu UTV estava quebrado. Eu disse que ajudaria e assim nós saímos. Quando chegamos ao último trecho em direção à chegada, eles nos ultrapassaram, e foram embora, a gente não podia mais passar de 80km/h, nossas rodas estavam todas muito próximas de sacar. Chegamos finalmente na cidade de destino, era o penúltimo dia de competição, estávamos em 2° lugar na nossa categoria, todo aquele sufoco estava valendo a pena. De 39 carros naquele dia, só chegaram 12.
Último dia de prova
O cenário era o seguinte no último dia de prova: estávamos em segundo lugar, conseguimos fazer a manutenção básica para a próxima etapa, o carro já estava chegando no limite. Quando largamos, mais uma vez o objetivo era chegar, nada de forçar e quebrar mas, existe uma coisa chamada “Pratrásfobia” e eu sofro disso, a gente estava a 10 minutos do primeiro e se eu forçasse, quem sabe!
Assim que largamos, depois de 3 km o carro que saiu em quarto lugar naquele dia nos ultrapassou, capotando logo depois bem na nossa frente…era um indício de que era melhor manter o ritmo e chegar até o fim. E foi o que a gente fez. Chegamos e éramos simplesmente vice campeões da categoria TR4 e terceiro lugar na Production T2. Dois pódios! Muita alegria, muita felicidade por chegar até ali. Superação, esse foi o combustível para tudo aquilo.
Satisfação, Reconhecimento e Futuro
Quando a gente chegou, a nossa equipe era a mais modesta, meu carro é 2008, meu motor não é o mais forte e minha equipe conta apenas com quatro pessoas, além de mim e do meu navegador. Nós não éramos fortes, mas tínhamos um objetivo, foi a nossa consistência que fez a gente chegar tão longe. A maior satisfação foi quando simplesmente quase todos os pilotos das categorias que nós corremos, ou seja, nossos competidores, nós carregaram até o pódio, nos deram parabéns, olharam pra gente e reconheceram o nosso esforço, foi incrível. A nossa equipe virou exemplo para outras e isso foi demais!
De antemão já agradeço a todos do FlatOut pela votação para participar do Project Cars, quero dizer que contar a minha história é minha forma de mostrar que tudo é possível quando se quer alguma coisa. Agradeço também a minha família e aos meus patrocinadores. E a nossa missão continua! Além de outros Rali dos Sertões, no futuro nosso objetivo é ainda maior: queremos um dia chegar até o Dakar.
Além da nossa equipe, a Cadasso Racing, participamos e apoiamos o projeto Ralyteca, que leva livros para famílias em regiões isoladas onde a educação ainda não chegou. Se você curte a nossa história, continue conosco e também apoie essa iniciativa!
Um grande abraço e até a próxima!
Por Fábio Cadasso e Fernando Neto, Project Cars #396
Uma mensagem do FlatOut!
Fábio, sem dúvida esta é uma das grandes aventuras do FlatOut — e também de uma vida, não? Montar seu próprio carro, sua própria equipe e partir para disputar o Rali dos Sertões é, sem dúvida, uma das grandes realizações que alguém pode ter na vida. Parabéns pela trajetória, pelo projeto e pelo sucesso no rali. E quando um dia você voltar do Dakar, queremos sua história aqui!