E aí, galera! Chegamos ao quarto post do Project Cars #46 e para tirar o gosto meio amargo do último post agora vamos nos deliciar com óleo e graxa. Vamos falar do comando de válvulas, as características e o porquê da sua escolha, além de um guia completo da troca do comando. Prontos?
A história do codinome Rocam já deve ser bem conhecida por alguns, mas aos que ainda não foram apresentados, é a abreviatura de Rollerfinger Camshaft. Trata-se do modo de operação do comando de válvulas, que tem seus cames de comando apoiados em balancins roletados, enquanto o eixo base se apoia em mancais de deslizamento. Esse tipo de acionamento traz o seguinte conjunto de vantagens:
- Menor desgaste por atrito, pois o contato se da por uma peça móvel, o rolete.
- Menor perda parasita, por haver menor atrito e menor.
- Menor altura de lobe, pelo fator de multiplicação do balancim (aproximadamente 1,85:1 no caso do RoCam)
Mas nem só de vantagens é feito esse sistema. Seu calcanhar-de-Aquiles está na maior massa em movimento devido à presença de um balancim. Para compensar essa desvantagem faz-se necessária uma mola de maior carga. Com base nisso a Ford utiliza um conjunto duplo de molas tanto na admissão quanto no escape. O uso de molas duplas também é vantajoso quando se pensa em evitar a flutuação das válvulas, pois trabalhando com diâmetro de arame e passo de cruzamento diferente as molas terão frequências de saturação diferentes.
O principal objetivo com a mudança do comando de válvulas, no caso desse projeto, é deslocar a curva de torque favorecendo a faixa de médias e altas rotações. Característica que melhor casa com a relação de câmbio usada (a maior queda de rotação será de 3.310 RPM). E assim, favorecemos as acelerações e retomadas. Trabalhando em conjunto com o compressor (se você ainda não viu veja!) e sistema de escape redimensionado espero conseguir bons resultados.
Para encontrar o melhor perfil do comando é importante analisar a razão entre áreas do pistão e válvula da admissão, razão entre as áreas das válvulas de admissão e escape, a velocidade de fluxo e ângulo de inclinação das válvulas. Com esses dados em mãos encontrei os seguintes perfis da imagem abaixo.
O primeiro perfil (parte superior da imagem) beneficia a distribuição de torque numa faixa entre 2500 e 7000 RPM. O segundo perfil (porção inferior) tem como alvo os ganhos próximos ao pico de potência.
Como a “personalidade” que eu desejo para o motor se encaixa entre esses dois perfis, estreitei ainda mais o leque. Chegando a configuração da imagem seguinte.
Esse é um perfil assimétrico com maior duração de escape para compensar a diferença de áreas entre válvulas (aproximadamente 26%) e overlap mediano. Observando os perfis de comando oferecidos por vários fabricantes para motores diversos sobrealimentados de configuração parecida que a que estou montando. Encontrei valores muito próximos, então esse provavelmente é o caminho a se seguir.
Acima temos o perfil do comando original. Bastante conservador, com overlap curto. Fatores que beneficiam o uso cotidiano em cidades, pois a maior necessidade é de torque numa faixa de baixas e médias rotações.
Legal, perfil ideal nas mãos e agora é só procurar quem aceite a minha encomenda e fabrique algo lindo, maravilhoso e… Caro! Um perfil de comando customizado (assim como qualquer outra peça feita sob medida) custa mais que meu rim no mercado de pulgas! Depois dessa bordoada no escutador de radiola resolvi procurar algo que se encaixasse no meu orçamento e que mais se aproximasse no perfil que eu pretendia usar. Os Rocam 1.0 e 1.6, assim como inúmeros outros motores no mundo, possuem diversas medidas iguais. Isso permite que determinadas peças sejam compartilhadas entre eles. Os mancais de assentamento do comando de válvulas, além das molas, pratos e travas de válvulas possuem as mesmas dimensões para os dois motores. O que torna a troca de comandos de válvulas (bem como a utilização de perfis aftermarket) possível.
Quando o Zetec Rocam foi projetado optou-se pela utilização de um sistema de injeção sequencial, e para que isso seja possível é necessário utilizar um sensor de fase do comando de válvulas. Este sensor informa a ECU o momento em que o primeiro cilindro está no Ponto Morto Superior (PMS), para que isso ocorra o comando de válvulas possui um pequeno lobe que, ao passar próximo ao sensor de fase altera o campo magnético induzido por este. A mudança do campo gera uma variação de tensão entre os terminais do sensor que é interpretada pela ECU como a indicação do PMS. A partir da combinação das informações de posição do virabrequim e do comando de válvulas são determinados os intervalos máximos de injeção e ignição. Os motores Zetec Rocam fabricados entre 1999 e 2009 são chamados de fase I, por possuírem apenas um lobe de posição. Os motores produzidos a partir de 2009, chamados de fase II, possuem dois lobes de posição sendo um dos lobes maior que o outro. Dessa forma a programão para a leitura dos sinais do sensor de fase é diferente entre as ECUs, não sendo possível então utilizar um comando “fase I” em um motor “fase II” bem como o contrário. Mas se a estratégia de controle for modificada ou se centralina for substituída por uma programável, a troca pode ocorrer sem maiores dificuldades. A foto abaixo mostra a diferença entre os dois comandos colocados lado a lado.
Como eu já conhecia os fabricantes e perfis de comandos produzidos para os Rocam 1.6, eles seriam talvez a minha tábua de salvação. No nosso país temos a Carlini Competizione, que é a única a produzir comandos para os motores Rocam fases I e II, com quatro perfis de comandos diferentes. E a Samacar que até produz (ou produzia) comando com o perfil usado nas Courier DTM, mas que é adequado somente para os Rocam fase I. Fora do país temos, na África do Sul temos a Steve Wyndhan Racing, que produz dois perfis de comando para os Rocam, também fase I somente. Além de coletores de escape e cat backs para os Rocam.
Os comandos que mais se aproximavam do ideal eram o SWR I da Steve Wyndhan Racing e o FOR I da Carlini Competizione, ambos possuíam o perfil mostrado na imagem acima. Cotei os valores, como o SWR I teria de ser importado (e consequentemente sobretaxado por nossa amiga a Receita Federal), o valor deste seria mais alto. Havia tomado a minha decisão. Mas por uma sorte inesperada, passeando pelas comunidades da vida encontrei um comando SWR I a venda por um preço muito interessante, hoje eles estão sendo considerados moscas brancas. Pois quem possui um não quer se desfazer dele e quando se desfaz… Bem, tudo tem um preço não é? Assim acabei comprando um SWR I. E essas foram as razões de escolha, espero bons resultados dela.
Então vamos por a mão na massa graxa? Vou apresentar agora um passo a passo para a troca do comando de válvulas do Zetec Rocam.
Antes de começar a fuçar, uma lista das ferramentas não faz mal a ninguém. Vamos precisar de:
- Chave combinada de 13 mm
- Soquete hexagonal de 27 mm
- Soquete hexagonal de 8 mm
- Soquete Torx T-55
- Torquímetro 5 – 80 N.m
- Imobilizador
- Abraçadeira Hellerman
- Lubrificante de montagem
Agora o procedimento:
Usando a chave combinada de 13 milímetros, desconecte o polo positivo da bateria, e depois dele desconecte o polo negativo.
Remova o ressonador da caixa de filtragem de ar.
Desconecte os cabos de ignição das velas, girando levemente e puxando pelo conector (não puxe pelos cabos, você não vai gostar do resultado). Se preferir, numere os cabos de ignição para não se perder durante a montagem.
Desconecte o terminal da ignição eletrônica, ligado à bobina. Para soltá-lo pressione levemente o grampo metálico do conector.
Solte a mangueira de ventilação do bloco e a válvula de evaporações (EVAP). Ela fica na parte frontal e superior da tampa.
Desconecte o terminal do sensor de posição do comando de válvulas. Este conector utiliza o mesmo tipo de trava encontrado no conector de ignição.
Remova os parafusos da tampa do cabeçote. A remoção dos parafusos deve ser feita em vários estágios e de forma cruzada do centro para as extremidades, como demonstra a imagem acima.
Gire o motor (por favor, gire somente no sentido de rotação natural do motor, horário) a patir do parafuso de fixação da polia de distribuição do virabrequim.
O motor deve ser girado até que a seta de marcação da roda dentada esteja posicionada às 12 horas, exatamente entre dois elos cobreados da corrente. A depender do tempo de vida do motor a face cobreada dos elos pode não ser visível com facilidade. Caso isso tenha acontecido, estes elos são os maiores (de maior espessura) na corrente e são consecutivos.
Remova o tensionador da corrente de comando utilizando o soquete hexagonal de 27 mm.
Usando a abraçadeira ou fio, prenda a roda dentada à corrente de comando, evitando assim que ela caia quando o comando for desconectado.
Imobilize a roda dentada e use o soquete Torx para retirar o parafuso central da roda dentada.
Folgue as capas de mancais utilizando o soquete hexagonal de 8 mm. Inicie o procedimento do centro para as extremidades, folgando duas voltas por vez, em cada mancal. Assim não haverá danos às capas nem ao comando. Organize as capas de mancal em sequência para não se atrapalhar na montagem.
Lubrifique os mancais de apoio e lobes do novo comando para a instalação
Aperte as capas de mancal, das extremidades para o centro.
O mesmo procedimento de aperto das extremidades para o centro deve ser aplicado aos parafusos da tampa do cabeçote, porém de forma cruzada, para garantir o assentamento correto da junta de vedação.
Continue com a sequência de montagem em ordem inversa para finalizar o trabalho. Utilizando o torquímetro aplique os valores de torque da tabela abaixo:
É isso, pessoal! Acabamos de trocar o comando do Rocam! Espero que vocês tenham curtido essa, pois na próxima teremos mais mão na graxa! Até lá!
Por Rodrigo Passos, Project Cars #46