Olá, pessoal do Flatout! Nesse segundo post vamos contar um pouco sobre o funcionamento do nosso motor e os desafios que encontramos para adaptar uma injeção eletrônica a um motor de roçadeira.
Como o propósito da Equipe Ecocar é construir um protótipo que consuma o mínimo de combustível possível, o motor tem um papel muito importante nessa tarefa. O que é usado no nosso carro é o Honda GX-35 que, apesar de ser um motor comprado pronto para ser usado, há vários parâmetros nele que podem ser alterados para se minimizar o consumo de combustível.
Dessa forma, visando aumentar a eficiência de nosso motor, a equipe decidiu trocar o carburador original de fábrica por um sistema de injeção eletrônica. Primeiramente, posicionamos e instalamos todos os sensores. Os sensores utilizados foram: Sensor de temperatura do ar (ar da admissão), sensor de temperatura do líquido refrigerante, sensor Hall, Sensor MAP e sensor TPS. Além destes, foi instalada uma bobina e um injetor feito sob medida, para baixas vazões de combustível. Abaixo, é possível conferir quais os componentes mais importantes no ajuste do consumo e funcionamento do motor.
Sensor Hall
É o sensor responsável por captar a rotação do motor. Como o virabrequim do nosso motor possui um imã, instalamos um Sensor Hall magnético. A cada rotação do motor, o imã passa uma vez pelo sensor, que envia um sinal à Unidade de Controle do Motor (ECU), contabilizando 1 rotação. A ECU então utiliza este dado para o cálculo da RPM do motor e para acionar o injetor e a vela no tempo correto.
Sensor MAP
É responsável por medir a pressão absoluta no coletor de admissão. Com o motor em funcionamento e o corpo de borboleta inteiramente aberto, a pressão do coletor é igual à atmosférica de cerca de 100kPa ao nível do mar. Já quando o motor está em cargas parciais, ou seja, com o corpo de borboleta parcialmente aberto e devido ao motor forçar o ar para dentro do cilindro, o coletor de admissão apresenta um certo vácuo indicando uma pressão menor que a atmosférica. Por nosso motor de uso e estudo ser monocilíndrico, há uma grande pulsação no coletor de admissão que impede a leitura correta do MAP na maior parte do seu regime de funcionamento. Quanto mais cilindros tem o motor, mais atenuada fica a pressão no coletor de admissão e o uso do MAP se torna mais fácil.
Sensores de temperatura
São utilizados para medir a temperatura do ar na admissão (IAT) e do fluído refrigerante (ECT). Com estes dados, a ECU controla diversos parâmetros de funcionamento do motor, como enriquecimentos para facilitar a partida e o aquecimento do motor, além de correções na quantidade de combustível injetado.
Sensor TPS
É montado no coletor de admissão, junto à borboleta do acelerador. É responsável por detectar a porcentagem de abertura da borboleta, informando à ECU que o acelerador foi acionado.
Linha de combustível
Para a linha de combustível, foi adotado um sistema de retorno para ela mesma. Há uma restrição de regulamento na Maratona da Eficiência Energética que impede o retorno de combustível diretamente ao tanque para impedir fraudes na medição. No sistema, há a utilização de uma bomba de combustível, um regulador de pressão e um filtro de combustível.
Como a bomba de combustível não possui regulagem de fluxo, ela está, quando ligada, bombeando combustível em sua máxima capacidade. Porém, quando o motor está em funcionamento, apenas uma parte deste é necessária, parte esta que é descarregada pelo bico injetor. Como a bomba fornece muito mais combustível que o injetor consegue expulsar, ocorre um aumento de pressão na linha. Quando essa pressão ultrapassa um certo limite, o regulador de pressão é ativado, desviando parte do fluxo de volta para a linha (promovendo alívio de pressão na linha do injetor).
Corpo de Borboleta
Basicamente, o corpo de borboleta é a peça onde se encontra a válvula de admissão de ar chamada de borboleta. Além disso, é nele que se encontram o mecanismo de recolho do acelerador que conta com uma mola de torção, o TPS e, no nosso caso, o bico injetor.
Bico Injetor
O bico injetor é responsável pela entrada da quantidade certa de combustível dentro do cilindro. A gasolina do linha de combustível pressurizada aguarda o momento em que a central de injeção eletrônica manda um pulso para o injetor que abre a válvula solenóide e permite a saída de combustível pelo bico. Por fim, a quantidade de combustível que o bico insere no cilindro depende da quantidade de tempo que ele fica aberto. A seção de saída do bico injetor é de extrema importância, pois ela faz a parte de atomização do combustível que consiste na separação do jato em minúsculas gotas de combustível que podem facilmente evaporar e queimar. Apenas vapor de gasolina queima no cilindro, por isso este processo se torna tão importante.
Por mais que a central controle o bico injetor, este ainda possui um certo atraso de resposta tanto para o início da vazão de combustível quanto para o seu cessar. É por este motivo que deve ser determinado o “dead time” do bico injetor, parâmetro importante para o bom funcionamento do motor principalmente em baixas rotações onde qualquer variação pode parar o motor.
Na figura acima temos o pulso que a central manda para o injetor que começa no ponto (a). Depois de certo tempo, temos o início da vazão que atinge o ponto máximo constante de (c) até (d). No ponto (e) o pulso encerra e a vazão de combustível ainda leva o tempo de (e) até (f) para cessar.
O “dead time” é a correção desse atraso na vazão. Se temos um atraso no início de 1,2ms de (a) até (b) e outro no cessar de (e) até (f) de 0,4ms, temos um dead time de 0,8ms. Isso quer dizer que se eu preciso no motor de uma quantidade de 6,0ms de combustível, eu devo realizar adicionar a esse tempo 0,8ms de dead time para que a central mande um pulso de 7,8ms. Durante 0,8ms portanto, nenhum volume de combustível será injetado.
Conforme se sabe a vazão máxima do injetor junto do seu dead time, os parâmetros básicos estão setados. Pode-se então começar a definir os tempos de pulso para cada condição de rotação e adequando a cada cenário enriquecimentos ou empobrecimentos da mistura ar-combustível.
Desafios
Por se tratar de um motor monocilíndrico e de pequena cilindrada, foram necessárias muitas adaptações e peças especiais, como o injetor, por exemplo. Como o motor é pequeno, a vazão de combustível que passa pelo injetor deve ser pequena. É possível obter esta pequena vazão de duas formas: diminuindo o tempo de abertura do injetor ou usando injetores menores. Cada injetor, porém, possui um limite mínimo de tempo de abertura. Conforme nos aproximamos deste limite, entramos em uma zona não linear de funcionamento do injetor. Nesta região, não é possível predizer exatamente qual será o comportamento do injetor, causando instabilidade nos tempos de abertura e perda de controle sobre a injeção de combustível.
Para contornar este problema, a equipe optou por usar injetores especialmente dimensionados para este tipo de uso.
Além do injetor, a equipe enfrentou diversos problemas quanto a entradas de ar falsas no motor. A presença de entradas de ar no motor inviabilizam o controle de aceleração do mesmo, pois a quantidade de ar que entra para a camara de combustão é maior do que aquela que passa pelo corpo de borboleta. Com isso, a ECU da injeção computa a quantidade errada de ar que entra no coletor, causando instabilidade no funcionamento do motor e dificultando o ajuste fino dos parâmetros de injeção de combustível do motor. Para corrigir as entradas de ar, foi necessária a construção de um coletor de admissão que atendesse às demandas do projeto. Deveria ser compacto, oferecer espaço para todos os sensores e ser completamente vedado contra a entrada de ar.
Por último, precisávamos fabricar um corpo de borboleta pequeno o suficiente para o nosso motor e que garantisse que não haveriam falsas entradas de ar. Tentamos fabricar um corpo de borboleta similar ao modelo do carburador original, porém não obtivemos sucesso na vedação contra o ar. Decidimos então usar o próprio carburador do motor como corpo de borboleta, desabilitando suas vias de injeção de combustível e adaptando seu acoplamento para o encaixe do sensor TPS. Com isto, eliminamos todas as falsas entradas de ar e conseguímos leituras concisas do sensor TPS, o que possibilitou o início das configurações dos parâmetros da injeção eletrônica.
Configurações
Para a configuração dos parâmetros de injeção, foi usado o software TunerStudio. Ele oferece uma interface simples e intuitiva para o uso, além de oferecer leitura de dados em tempo real e a gravação de logs de funcionamento do motor. Os parâmetros mais utilizados pela equipe foram os dados básico do motor, parâmetros de partida, enriquecimento pós-partida, assistente de aquecimento, tabela de eficiência volumétrica e mapa de ponto.
- Dados básicos do motor: fornece à injeção os parâmetros básicos do motor, como o número de cilindros, cilindrada, número de injetores, etc…
- Parâmetros de partida: Seta os tempos de pulso para o(s) injetor(es) durante a partida do motor
- Enriquecimento pós-partida: Informa o enriquecimento dado em cima da tabela de eficiência volumétrica durante o período posterior à partida, sendo a duração deste período configurável em ciclos ou em segundos.
- Assistente de aquecimento: É o enriquecimento dado, também na forma de porcentagem em cima da tabela de eficiência volumétrica, que é utilizado para que o motor atinja a temperatura de funcionamento mais rapidamente. Este enriquecimento permanece ativa até que o motor atinja esta temperatura.
- Tabela de eficiência volumétrica: É a tabela que serve de base para todos os cálculos de tempos de pulso usados. A quantidade de combustível a ser injetado dependerá dos valores contidos nesta tabela, sendo que estes valores são obtidos de forma experimental (tentativa e erro). Cada lacuna da tabela é dependente de 2 parâmetros: porcentagem de abertura do sensor TPS (configuração em Alpha-N) e rotação do motor. Alternativamente à configuração Alpha-N, há também o Speed Density, que utiliza a leitura de pressão do sensor MAP, alternativamente à porcentagem de abertura do TPS. Em motores monocilíndricos, a leitura de pressão é muito instável, dificultando seu uso. Por este motivo, adotamos o uso do Alpha-N.
- Mapa de ponto: Define o quão antes do ponto morto superior a vela irá emitir faísca. Para extrair o máximo de energia do combustível, deve ocorrer a queima total na câmara de combustão, fornecendo o máximo de energia durante o ciclo de explosão. Para isto é ideal que a faísca seja dada um pouco antes do início deste ciclo, ou seja, antes do pistão atingir o ponto morto superior, pois desta forma, há tempo suficiente para a formação de uma frente de chama uniforme que consiga queimar a maior quantidade de combustível antes do fim do ciclo de expansão, ocorrendo assim o melhor aproveitamento da energia disponível no combustível.
Após a instalação dos sensores, as informações básicas sobre o motor, sensores e injetor foram fornecidas à ECU e os parâmetros de partida foram estabelecidos. Após algumas tentativas e ajustes, conseguimos dar partida no motor.
O próximo passo foi estabilizar o funcionamento do motor. Na primeira partida, o motor encontrava-se muito instável em marcha lenta, com uma RPM muito alta e inconstante, oscilando entre 2500 e 4000 RPM, além de morrer em determinados momentos. Durante o processo de estabilização, mudamos alguns parâmetros da tabela de eficiência volumétrica e do mapa de ponto, até que a RPM do motor se estabilizasse em uma faixa de rotação arbitrária para a marcha lenta. Após isto, empobrecemos os valores contidos na tabela de eficiência volumétrica a fim de reduzir a faixa de rotações do motor até o mínimo possível.Primeiramente, conseguimos reduzir a velocidade de marcha lenta para valores próximos a 1700 RPM.
Depois, conseguimos uma melhor estabilização um pouco mais concisa na faixa das 1200 RPM
Após o acerto da marcha lenta e a configuração dos enriquecimentos de pós partida e de aquecimento, acoplamos o motor a um dinamômetro, a fim de conseguir oferecer resistência à rotação e, com isso, conseguir atingir e configurar todas as regiões da tabela de eficiência volumétrica e do mapa de ponto.
Foi utilizado um dinamômetro hidráulico de bancada, com acoplamento direto no eixo do motor. O maior problema encontrado foi o fato de o dinamômetro em questão ser dimensionado para motores entre 3,5 e 10 hp. Como nosso motor possui apenas 1,5 hp, precisamos fazer algumas adaptações. Para isso, pesquisamos e aprendemos um pouco mais sobre o funcionamento do dinamômetro.
Primeiramente, deve se entender o princípio de funcionamento de um dinamômetro qualquer. Esse equipamento deve ser acoplado diretamente ao motor, aplicando uma carga sobre o mesmo e reduzindo sua rotação. Por exemplo, se queremos estudar o comportamento do motor com uma determinada abertura na borboleta e uma rotação especificada, é aplicada uma carga no motor de modo a controlar a rotação até obter o desejado. Os dinamômetros também medem o torque transmitido pelo motor, sendo que alguns modelos conseguem até medir a vazão da entrada de ar, consumo de combustível, entre outras coisas. No caso do dinamômetro hidráulico, a carga é aplicada pelo uso de água.
A figura acima ilustra melhor esse conceito, quando abrimos a válvula de entrada de água, o dinamômetro vai enchendo lentamente, e é justamente a altura do nível de água que regula a carga dada ao motor. Conforme o motor rotaciona, ele gira pás internas que expulsam a água por pequenos furos que existem na parte superior, dessa forma, é possível abrir a válvula de modo a equilibrar a entrada e a saída de água. Para dinamômetros hidráulicos, a água ainda ajuda a resfriar todo o sistema, evitando o super aquecimento do sistema. Devido à grande capacidade de carga oferecida, precisão nos dados e robustez, esse modelo de dinamômetro é um dos mais duráveis e mais confiáveis até hoje.
Conhecendo um pouco mais sobre o funcionamento do dinamômetro, concluímos que era possível fornecer uma vazão intermitente de água, de forma a reduzir a carga oferecida a um nível utilizável para a potência do nosso motor.
A primeira configuração foi feita de forma a conseguirmos um funcionamento estável e confiável do motor, oferecendo cargas baixas com o dinamômetro e ajustando parâmetros de eficiência volumétrica e mapas de ponto. O comportamento obtido com a primeira configuração foi satisfatória, apesar de estar ainda muito rica em combustível. A faixa de corte de rpm foi setada para 6.500 rpm
Em seguida, várias outras configurações foram feitas, de forma a reduzir cada vez mais o consumo de combustível. A montagem de bancada do motor acoplado ao dinamômetro ficou como abaixo.
Para o futuro, a equipe irá adquirir uma sonda lamba de banda larga (wideband, de cinco fios), que permitirá o monitoramento constante em relação aos gases de combustão e, por consequência, obter dados sobre como a combustão está ocorrendo (de maneira rica ou pobre, além de informar o quão rica ou pobre ela se encontra). Isto oferece também mais formas de correção e controle durante o funcionamento do motor, possibilitando maior economia de combustível.
Por enquanto, estas são as novidades. Até o próximo post!
Por Carlos Eduardo Ramponi, Project Cars #98