Olá, galera do FlatOut. Estamos de volta para continuar com a história da Suzuki GT550 Cafe Racer. Após toda a saga contada na parte 1 e enfim ter comprado a moto de volta, (momento curiosidade: a compra foi feita seis dias antes do aniversário da minha esposa. Pensou na treta? Pois pense numa treta!), parti para a desmontagem total.
Já estava com o projeto pensado, tinha em mente que aquela moto se tornaria uma Cafe Racer, com alguns traços da GT550 original, então sabia que praticamente nada daquela moto me serviria no futuro. Seria um trabalho bem detalhado retirar todas as customizações que o Higashi havia feito, e começar uma moto toda do zero. E era justamente esta parte do trabalho que me deixava mais empolgado!
Logo pela manhã liberei um espaço na garagem e comecei a desmontagem, metendo a chave em tudo e separando as peças. Quase nada foi reaproveitado.
O que vocês acharam do retificador/regulador de voltagem? Deu pra notar o nível do “workaround” que a GT sofreu?
Como todo o trabalho de criação e adaptação da nova estrutura deveriam ser feitos após a aquisição de novos itens a serem instalados, parti para a recuperação do motor, que não teria alterações, mas seria totalmente revisado. Desmontei calmamente o motor que, por sinal, estava com quase todos os parafusos frouxos. O proprietário anterior disse que havia retificado o motor e que desde então nunca mais havia sido colocado em funcionamento. Deu pra perceber, pois a “retífica” foi feita bem nas coxas, típico trabalho pra deixar em uma mínima condição de uso, e se transformar em uma bomba relógio para o próximo dono. Por sorte, não era minha intenção usar o motor como estava, queria ter certeza que tudo fosse feito com o máximo cuidado.
O que é aquele furo centralizador no pistão 3? Retificaram o pistão? Não duvide! E a borra no fundo das câmaras? Sem comentários…
O coração da moto demostrava todos os anos de surras que ela levou no lapso entre a venda da moto em 2002 e a recompra em 2014. A moto foi bem maltratada e com consertos que foram feitos apenas com a intenção de que voltasse a funcionar, sem a mínima preocupação com a qualidade das peças ou serviços.
Aqui vale uma breve explicação de alguns pontos desse motor. Os “triple” são motores que primam pelo torque em giros mais baixos, que é o ponto deficitário do motor 2T, causado pelo dimensionamento e diagramação da janela de escape. Porém, estes motores, com um tempo de câmara relativamente alto (janela de escape baixo) e uma explosão a cada 120° do virabrequim, tem um empurrão quase constante, tornando a sua condução muito mais agradável em baixos giros que os motores 2T mono ou bi cilíndricos, que requerem uma subida de giro para que tenham algum torque. Em contrapartida, os triples são motores que tem um alto índice de vibração, o que torna um pouco desconfortável a condução da moto por períodos prolongados. A solução da Suzuki foi montar o motor sobre coxins de borracha, suavizando, dentro do possível, a vibração gerada.
Além da vibração, outra característica destes motores é facilidade de aquecimento do cilindro central, pela sua posição que prejudica o arrefecimento a ar. Pensando nisso, a Suzuki inventou o Ram Air System, um sistema de indução de ar frio feito por uma capa sobre o cabeçote, que conduz o fluxo de ar por cima deste, melhorando sua refrigeração. Ainda não instalei a capa do RAM Air System na moto, a peça está em restauração.
Suzuki Ram Air System
Essa característica de temperatura e giro pedem uma lubrificação de qualidade, e a Suzuki não fez feio em seu projeto chamado CCI – Crankshaft Cylinder Injection. Dotado de uma bomba de óleo com seis terminais, o motor leva o óleo diretamente para os pontos de maior necessidade de lubrificação. Veja na foto que há seis terminais de óleo abaixo da base dos cilindros:
Suzuki CCI- Crankshaft Cylinder Injection
Os terminais superiores levam o óleo do bloco até o cilindro, em um duto colocado na janela de admissão, na entrada da câmara, onde é aspirado juntamente com a mistura ar/gasolina:
Dispenser de óleo 2T na entrada da janela de admissão
Até aí nada de anormal, segue o padrão da maioria das motos 2T existentes, apesar destas colocarem o dispenser diretamente no carburador.
Já os terminais inferiores levam o óleo aos rolamentos do virabrequim, através do bloco. O rolamento direito do virabrequim é lubrificado pelo óleo de câmbio, apenas o esquerdo e os centrais são lubrificados por óleo 2T:
Orifícios de condução de óleo no bloco do motor
Aqui a coisa começa a ficar interessante. O retentor é colocado na ponta, e o(s) rolamento(s) fica(m) ao lado do virabrequim. Como um dos lados está fechado com o retentor, o óleo preenche todo o espaço, passa pelo separador e é forçado a sair pela lateral do rolamento da outra extremidade, colocado junto à bolacha do virabrequim. Este rolamento tem uma calha de condução de óleo, que projeta o óleo um pouco além da sua borda limite:
Calha de condução do óleo 2T recebido através do bloco
O óleo que sai do rolamento é captado por uma coifa que fica na bolacha do virabrequim, com bordas cônicas:
Coifas coletoras de óleo nas bolachas do virabrequim
Estas coifas estão girando, encaixadas nas bolachas, então criam uma força centrífuga, que impele o óleo para um duto colocado na extremidade, para dentro do pino inferior do virabrequim. O pino inferior por sua vez tem um orifício apontando para fora, que leva o óleo diretamente ao rolamento de agulhas inferior da biela. Só então o óleo 2T injetado se junta à mistura ar/gasolina e vai para a câmara de combustão:
Condução do óleo do até o rolamento de agulhas inferior da biela
Interessante, não? Porém, como diria o cara das televendas, MAS NÃO É SÓ ISSO!!! Hahahaha… Ainda tem o sistema de recuperação chamado SRIS – Suzuki Recycle Injection System, que recupera o óleo 2T que acumula no inferior da câmara por gravidade, quando a moto fica parada. É composto de três dutos, colocados no inferior das câmaras, que são ligados por terminais e tubos às janelas de admissão do próximo cilindro, fazendo que estes aspirem o óleo 2T que se depositou por gravidade no cilindro anterior, quando a moto ficou parada por um tempo:
SRIS – Suzuki Recycle Injection System
E agora uma dica, para quem já tem, ou pretende ter uma Suzuki Triple. A bomba de óleo 2T é ligada ao câmbio! Sim, para ser mais exato ela é ligada ao eixo do pedal de partida por uma rosca-sem-fim, que por sua vez é conectado à engrenagem movida da 1ª marcha. Portanto, se você for ficar parado por mais que algumas dezenas de segundos com o motor ligado, DESENGATE E SOLTE A EMBREAGEM! Ou você irá parar a bomba de óleo. Também não fique acelerando à toa com o motor engrenado e embreagem acionada.
Aliás, nada deve ser acelerado à toa! Nenhum veículo, e principalmente esta moto, foram feitos para ficar funcionando engrenados com a embreagem acionada, por mais que umas dezenas de segundos. Completando a informação, como se pode ver, o pedal de partida também passa pela embreagem para funcionar, portanto, não é possível ligar a moto com a embreagem acionada. Desengate e solte a embreagem, para dar a partida no pedal. Repararam no tamanho das engrenagens de câmbio? Indestrutível:
Rosca sem fim do óleo, ligada ao eixo da partida, que está conectado à engrenagem movida da primeira marcha
Então, esse motorzinho é interessante, não? Merece um tratamento digno. Comprei um conjunto de pistões forjados Wiseco, kits de biela, retentores novos em viton, discos de embreagem, rolamentos inferiores do virabrequim, jogo de juntas, demais retentores, tudo novo. Refiz os prisioneiros de cabeçote e escape, a fresa da campana da embreagem, tirei folgas, alinhei novamente as aletas de arrefecimento dos cilindros e cabeçote, enfim, fiz tudo o que era possível ser feito.
Queria fazer o acabamento externo em alumínio polido, como é originalmente, porém havia muitos amassados e pontos de solda nas tampas laterais, iria ficar parecendo uma panela velha polida, então decidi pintá-lo de alumínio e envernizá-lo. Eu mesmo fiz o serviço de pintura e verniz, junto com a montagem. Recondicionei o motor da partida elétrica, ficou totalmente funcional:
Alguns meses de trabalho, e o motor nem parecia o mesmo. Tudo novo, parafusos, terminais, tudo. Se tivesse um pedestal iria para o centro da sala de casa (certamente, sob os protestos da patroa):
Motor Montado – Os Air Cooleds não são maravilhosos?
Paralelamente a isso, começamos a limpar o quadro. E nesse momento tenho que apresentar meu amigo Luciano Oliveira, que foi mais que um parceiro de projeto, ele foi o cara que fez acontecer todas as ideias malucas que eu tinha. O cara fazia e refazia tudo o que eu pedia, com seu torno de correia de estimação! Habilidade monstro com metais, usinagens e soldas! Foram dias e dias, finais de semanas à fio, neste trabalho. Além de tudo, ainda ganhei um amigo! Sou muito feliz em ter conhecido o Luciano e sua família.
Começamos por retirar do quadro da moto todos os itens modificados. Ficou no lugar o berço do motor apenas. Estava dado o início de uma fase bastante trabalhosa.
Mete a serra, sem dó!
Comprei um tanque original de GT550, uma balança traseira, um par de amortecedores traseiros e os garfos telescópicos da CB500 modelo 1998. Escolhi essa moto em específico por ter peso e porte compatíveis com a GT550, então achei que seria tranquila sua adaptação. Neste ponto vale uma ressalva: como a GT550 tem o peso mais concentrado na frente, pois seu motor é mais pesado, os telescópicos da CB500 tiveram que ser calçados, para que não trabalhassem já mergulhados.
Mesmo que as motos tenham pesos parecidos, a distribuição de peso conta muito na hora de escolher as suspensões. Se eu tivesse essa informação anteriormente, talvez tivesse partido para uma suspensão mais robusta na dianteira. Mas após o ajuste de pré-carga da mola com os calços, tudo ficou perfeito.
Também tivemos que diminuir a largura da balança traseira em 2mm e então passamos a nos preocupar com a fixação dos amortecedores, ângulo de trabalho da balança traseira e curso de amortecimento. Neste momento já desenhamos a solução de acondicionamento da bateria e reservatório de óleo 2T. As Cafe Racer têm por característica o alívio de peso e a liberação do espaço do quadro atrás do motor, então queríamos utilizar a rabeta para acondicionar e esconder estes itens. A bateria da GT550 tem originalmente 11AH pelo fato da partida elétrica, e ocupa um espaço razoável.
Também queria um reservatório de óleo com mais de um litro, pois queria poder abastecer com um litro inteiro em caso de necessidade e não ter que ficar guardando frascos começados em viagens. Além disso, precisava de um espaço para colocar a parte elétrica da moto.
Com muita calma, fomos bolando os ângulos necessários e depois de muito trabalho, chegamos à forma que o quadro tem hoje. A rabeta receberia a bateria e o reservatório de óleo 2T, enquanto uma caixa discreta embaixo do banco receberia toda a parte elétrica. Terminada a construção do quadro, ele foi preparado para pintura:
Evolução do quadro da moto
Neste ponto, outras coisas que eu comprei foram chegando. As compras do eBay estão demorando meses, então foi muito bom saber o que iria ser necessário, e ter comprado estes itens no começo do projeto, pois quando chegaram já estavam em momento de serem utilizados. Os cubos chegaram, junto com os aros, pinças de freio e semi-guidões. Fiz a raiação das rodas no Rei da Roda, em SP, com ambos os aros 17’, dianteiro 2’ e traseiro 3,5’. Também fiz o banco em couro, no Pedrinho Bancos, em SP. Os cubos são originais da GT550, porém no cubo dianteiro eu adaptei dois discos de CB600F Hornet, com as respectivas pinças. O cubo traseiro eu deixei o velho tambor original:
Terminada a pintura do quadro, chegou a hora de colocar o motor no lugar. Assim poderíamos alinhar o cubo traseiro usando a corrente/coroa/pinhão como referências, e fabricar os espaçadores dos cubos. Neste momento descobri o peso do motor. Ao encaixar o motor no quadro, ele caiu sobre meu dedo e prensou contra o tubo inferior do berço do quadro. Resultado: fratura tripla da falangeta. Dica: se estiver apenas com o quadro e o motor em mãos, tombe o motor de lado, devidamente protegido, e encaixe o quadro nele, é muito mais fácil!
No final deu certo, tínhamos uma estrutura montada, um quadro, motor, suspensão, rodas e freios no lugar! E a aparência agradava!
Neste ponto ainda faltava muita coisa, mas a forma da moto já estava definida. A adrenalina estava alta, ansiedade à mil. Queria montar, terminar, ligar o motor… Mas estes são assuntos para a próxima parte.
Abraços, e obrigado pela leitura até agora.
Por Eduardo Pantoja, Project Cars #330