Os chefs de cozinha dizem que é possível conhecer a cultura de um local simplesmente comendo a comida de rua daquele lugar. A lógica por trás desta ideia é que a comida de rua é feita por cozinheiros comuns para pessoas comuns, coisas que as pessoas procuram quando não podem estar em casa e, por isso, não é muito diferente do que se serve diariamente nas salas de jantar. As dezenas de programas que combinam viagens à gastronomia estão aí para provar.
Eu não sou chef, nem tenho a coragem (e o estômago) de um Anthony Bourdain, para sair comendo coisas que não parecem comida, por isso prefiro me envolver com a cultura local de outra forma: dirigindo até o destino. Esse, aliás, é o verdadeiro apelo das grandes viagens de carro (ou moto): o envolvimento com o ambiente por onde você está passando — e não a velocidade, ou o prazer de dominar a máquina. Isso são efeitos colaterais.
Quando você viaja de avião, enclausurado num cilindro de alumínio a 11 km do chão, o isolamento do restante do mundo é tão grande que você nem percebe estar a quase 800 km/h. Não há referências visuais de posição e distância. Não há uma variação gradual do relevo, da temperatura, do panorama como nas viagens por terra. Você chega ao destino como se tivesse “caído de para-quedas” no lugar. Foi quase isso, não?
Essa sensação de deslocamento também é acentuada nas viagens de ônibus ou trem, mas é somente com um veículo particular que você tem a possibilidade de se envolver verdadeiramente com o ambiente ao seu redor. De carro ou de moto você pode parar quando, onde e como quiser, por quanto tempo quiser. Pode estender a conversa, descobrir comida boa (ou ruim), encontrar uma estradinha secreta. É por isso que a Route 66 se tornou um ícone das viagens sem destino. É uma rodovia que atravessa os EUA cortando cidades. O que poderia ser mais envolvente que isso?
É por isso que minhas viagens dos sonhos envolvem um longo roteiro terrestre, ao volante de um carro. E aposto que a sua também. E isso nos traz à pergunta que é o verdadeiro objetivo deste post: qual a “road trip” dos seus sonhos?
Como de costume, o primeiro palpite é nosso. Entre os destinos que pretendo conhecer no futuro estão Le Mans durante as 24 Horas e Indianápolis durante as 500 Milhas. Mas há um outro destino que pretendo conhecer, e faço questão de ir de carro por três razões: o Cabo de Kintyre, na Escócia.
O primeiro motivo é que antes de chegar lá, tenho quatro pontos de parada: uma faixa de pedestres em Londres, um autódromo, uma cidade portuária mais ao norte e uma ilha. O segundo motivo é que o caminho desse jeito é mais longo e mais demorado: eu poderia embarcar em um avião, usar o metrô, pegar um trem e depois outros dois voos. Mas que graça teria? O terceiro, é que o caminho na segunda metade da viagem de ida são aquelas estradas sinuosas e desertas que vemos nos testes e viagens de Top Gear.
A viagem é um roteiro “alternativo”, com cerca de 1.300 km, para um fã de carros que gosta de Beatles e da cultura britânica em si. Agora que você sabe, já deve ter deduzido que a faixa de pedestres em Londres é a famosa travessia em frente aos estúdios da EMI na Abbey Road, onde foi fotografada a capa de seu último disco. Aliás, que outra faixa de pedestres merece uma viagem?
Dali são mais 100 km até um lugar chamado Towcester, onde fica o circuito de Silverstone — convenientemente no caminho para Liverpool, a 260 km do autódromo. Em Liverpool vem a primeira parte da viagem em que não posso dirigir: a balsa para a Ilha de Man. Depois de passar pela Ilha, a viagem volta a Liverpool para mais 600 km de estrada até Campbeltown, já em Kintyre.
O destino exótico é o local onde Paul McCartney se refugiou em sua casa de campo após o fim dos Beatles, quando estava processando seus ex-companheiros de banda e com seus bens (e sua grana) congelados durante esse período. Foi onde ele compôs e gravou seus primeiros discos solo, e também foi a inspiração para um de seus maiores hits pós-Beatles, uma valsa com violão e gaitas de fole chamada “Mull of Kintyre”. Sempre me fascinou a capacidade de McCartney transformar em hit uma valsa com gaitas de fole — e em plena era disco e durante o boom do punk rock britânico (1977).
Como se não bastasse, as estradas são perfeitas e desertas, exatamente como vemos nos quadros dos programas britânicos e em alguns filmes, como “Skyfall” e a paisagem é de tirar o fôlego, misturando o relevo elevado da Escócia com vistas panorâmicas do Atlântico Norte.
Agora é com vocês: deixe nos comentários seu roteiro perfeito de road trip — de onde, para onde, por onde e, se quiser, com qual carro, claro.