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Car Culture

Quando a nova geração é pior que a anterior…

É muito comum usarmos a palavra “evolução” no sentido de melhoria ao longo do tempo. Deve ter a ver com a teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin, segundo a qual, as diferentes espécies de seres vivos são fruto de adaptações para sobrevivência através de gerações — o que, na prática, torna as gerações mais novas mais aptas à sobrevivência que as anteriores. Sendo mais aptas a sobreviver, elas são simplesmente melhores.

O sentido original do verbo “evoluir” contudo, não carrega essa conotação positiva de melhoramento ou aprimoramento. Seu significado original tem a ver com mudança, um desenvolvimento progressivo, sair de um estado para um novo estado. E esta mudança pode resultar em uma piora ou regressão. É por isso que faz sentido dizer que algo “evoluiu para pior”, ainda que seja preferível se dizer “involuiu”, que traz consigo a ideia de regressão.

Essa ideia de involução me veio à mente no início desta semana, quando o chefão da Mercedes-AMG, Michael Schiebe, fez a declaração mais óbvia da história recente do automóvel: a AMG perdeu clientes com o C63 AMG: ”

“Vemos que alguns de nossos clientes muito fiéis tem problemas com o conceito. Claro, sem dúvida também perdemos alguns clientes que gostam apenas de V8. Mas você têm de dirigir este carro. É um produto muito convincente”, disse ele, tentando se convencer de que o C63 AMG de quatro cilindros foi uma boa ideia, tecnicamente falando.

Ao menos a Mercedes parece ter aprendido com o erro. O futuro CLE63, que deveria vir com o mesmo quatro-cilindros do C63, agora irá usar um V8 como o E63 AMG. E, justiça seja feita, a Mercedes não foi a primeira a “evoluir para pior” na história dos esportivos.

Se voltarmos aos anos 1970, vamos encontrar o…

 

Ford Mustang II

Mesmo quem se esforça para enxergar qualidades em todo e qualquer automóvel, sem exceção é incapaz de enxergar alguma coisa boa no Ford Pinto travestido de Mustang que a Ford começou a vender em 1974. É inaceitável ao ponto de nem mesmo a versão V8 salvar a honra do Mustang.

Aqui é importante lembrar que até 1973 o Mustang teve o V8 351 Cleveland com 270 cv — já recalibrado para a crise do petróleo, mas ainda imponente. Em 1974, a crise do petróleo e os preços das apólices de seguro se tornaram um fardo para quem queria o desempenho de antes. No início dos anos 1970, o público até queria comprar carros potentes, mas não era um bom negócio. Bom negócio, ao menos para aquele momento, era ser compacto e econômico  — só que a Ford achou que, para isso, o carro também precisava ser sem-graça.

Por isso, a Ford teve a “brilhante” ideia de usar a plataforma do compacto Pinto para o novo Mustang, que era um carro de visual pouco inspirado, com motores de desempenho pífio. Para começar, de cara não havia V8: apenas um quatro-cilindros 2,3 litros e 83 cv (o mesmo motor “Taubaté” do nosso Maverick) e um V6 de 2,8 litros e 97 cv.

O V8 só veio no fim de 1974 – um V8 Windsor com carburador de corpo simples e risíveis 140 cv que, segundo a imprensa americana da época, simplesmente não combinava com a plataforma do carro em termos dinâmicos.

Apesar da sambada da Ford, o Mustang II até que vendeu bem, com pouco mais de um milhão de unidades vendidas entre 1974 e 1978. Já no final dos anos 1970, a situação melhorou e o Mustang chegou a sua terceira geração, a Fox Body, que começou aos poucos a recuperar a reputação do pony car entre os entusiastas, e até começa a ganhar espaço como novo-clássico.

 

Porsche 996

Em 2025 é fácil se convencer de que o Porsche 911 é uma unanimidade entre os entusiastas desde que foi lançado em setembro de 1964. Afinal, faz quase 30 anos que ele assumiu as formas atuais e se tornou o esportivo a ser batido nas pistas. Mas houve uma geração que causou problemas na reputação do carro: a 996, lançada em 1997.

O 996 representou uma ruptura radical com uma tradição que já durava mais de três décadas: seu antecessor, o 993, ainda trazia um flat-six arrefecido a ar na traseira. E, por mais que tivesse visual atualizado com novos para-choques, para-lamas mais largos, farois integrados e interior bem mais moderno, ele ainda usava estrutura básica do primeiro 911, lá de 1964 – algo que se torna evidente quando você observa o formato do para-brisa e das portas.

Imagine: o cliente do 911 estava acostumado a um modelo que evoluía gradualmente a cada geração. A G-Series ainda é muito parecida com a geração 964. O 993 traz uma pitada de modernidade a um carro já muito familiar. Mas o 996 se tornou um carro completamente diferente: os para-lamas salientes foram abrandados, os faróis circulares foram abandonados, o motor arrefecido a ar foi trocado por outro com arrefecimento líquido. Um Porsche 911 com radiadores. Não houve uma transição suave. O carro mudou completamente. Pior: as mudanças não foram bem-sucedidas. Ao menos não na primeira fase daquela nova geração.

Primeiro: ele era claramente um carro de custo reduzido. A Porsche, para economizar, compartilhou toda a dianteira do Boxster com o novo 911. Os carros usavam os mesmos para-lamas, capô e faróis, mudando apenas os elementos do para-choques.

Os compradores do 911 não gostaram de ver a grande estrela da Porsche com a mesma cara de um modelo mais barato. Em 1999, a Porsche percebeu a cag… o erro e promoveu uma ligeira reestilização, com novos faróis. Eles ainda não eram circulares como os entusiastas queriam, mas ao menos eram diferentes dos faróis do Boxster e lembravam mais os faróis ovalados do 993.

A pior parte, contudo, foi o novo motor. Se já havia o problema da quebra de tradição, imagine substituir um motor que, embora não fosse perfeito, era confiável e conhecido, por um motor que nasceu com defeitos crônicos. Os modelos equipados com os motores M96.01 e M96.02 (3.4) e M96.03 e M96.04 (3.6) produzidos entre 1998 e 2005 têm problemas na vedação posterior do motor, propensão a fissuras nos cilindros, ao deslocamento de camisas, ao arranhamento das paredes dos cilindros e falha do rolamento do eixo intermediário de sincronização. Em alguns casos, o motor era substituído por um novo, já com os problemas corrigidos. É claro que isso maculou a reputação do carro, que até hoje não “pegou preço” nas versões equipadas com estes motores.

A geração seguinte, lançada em 2005 e chamada de 997, é considerada uma das melhores de todos os tempos. E trouxe de volta os faróis redondos. Com isto, atualmente, o 996 é uma geração esquecida também por ficar entre duas gerações verdadeiramente aclamadas. Ao menos isto também a torna a geração mais acessível do 911.

 

Chevrolet Camaro 4ª geração

Antes de assumir o visual retrô em sua quinta geração, a exemplo do que o Ford Mustang fez em 2005, o Chevrolet Camaro passou por uma fase ruim.

Diferentemente do Mustang II, o Camaro II até que era um carro legal, com desenho criativo (especialmente na identidade visual da dianteira, com a enorme grade entre dois pequenos para-choques) e dotado de motores V8. O Camaro de terceira geração, apesar de retilíneo, também foi melhor aceito que o Mustang correspondente, o Fox body. Sem contar que o carro já virou um clássico.

A fase ruim do Camaro veio em 1992, com o lançamento da quarta geração. Por conta de suas formas aerodinâmicas e quase futuristas, o quarto Camaro costuma ser comparado aos esportivos japoneses da época, exceto que ainda tinha um V8 de 280 cv, uma potência razoável para 25 anos atrás.

Seu visual, contudo, era diluído, com proporções estranhas, linhas pouco agressivas e quase nenhum carisma. Era um carro sem graça. Além disso, também era diluído dinamicamente. Era como se, para a década de 1990, a Chevrolet tivesse decidido que o Camaro precisava ser mais confortável e luxuoso. E a carroceria era muito alta e estreita, o que só prejudicava a estabilidade nas curvas.

Em 1998, a Chevrolet reestilizou a dianteira, substituindo os quatro faróis recuados (que ainda eram uma forte ligação com os anos 80) por peças de formato meio indefinido, com grossas lentes de acrílico. Há quem compare a frente do Camaro desta época a uma cabeça de bagre — tanto que ele é conhecido como “catfish Camaro”, literalmente o “Camaro bagre”

Vendido até 2002, o Camaro de quarta geração precedeu um hiato de oito anos na linhagem. Neste meio tempo, a Chevrolet conseguiu trazer de volta o espírito do Camaro original, aperfeiçoando a receita na quinta geração, que viu o lançamento do primeiro Camaro ZL1 oficial e o retorno do Z28 com a pegada original — um verdadeiro monstro de pistas.

Na sexta geração a GM adotou uma plataforma mais compacta que elevou o Camaro a um novo patamar, transformando-o em um carro capaz de completar os 20 km de Nürburgring Nordschleife em 7:16 — superando monstros como o Nissan GT-R e empatando com o BMW M4 CSL.

 

Jeep Cherokee KL

Um Jeep é um Jeep e todo Jeep é um carro minimamente competente – mesmo o Jeep Renegade, que é pouco mais que um Fiat 500X com carroceria de “Jeep”, consegue se virar em uma trilha leve na versão Trailhawk (que é “trail rated” pela fabricante — leia aqui o que isso significa). O Cherokee de quinta geração (KL) não é diferente, exceto pelo fato de que o mesmo o novato Renegade consegue ter mais cara de Jeep do que ele.

Há um bom motivo para isso: o primeiro Cherokee, lançado lá em 1974, era simplesmente uma versão de duas portas do Jeep Wagoneer, que por sua vez era uma perua construída sobre a plataforma do Jeep original.

A segunda geração do Cherokee abandonava a carroceria sobre chassi e apostava na construção monobloco (não há mal nenhum nisso em si, vide o Lada Niva, que introduziu o conceito de off-roader monobloco em 1977) mas ainda era quadradão e másculo. Parecia um Grand Cherokee em miniatura, de fato, e sem dúvida era tão capaz quanto um de encarar a ausência de pavimento.

As gerações seguintes, terceira e quarta, assumiram um pouco da vocação prática destes carros – andar na cidade –, mas também tinham “cara de Jeep”.

O mais recente dos Cherokee fez mais do que romper o visual tradicional de um Jeep: além de abandonar as linhas retas e se assumir aerodinâmico, o Cherokee sequer tem a estrutura visual tradicional de um automóvel: seguindo uma tendência recente de design, ele deixa de lado as formas antropomórficas, que posicionam os elementos da dianteira de acordo com os elementos do rosto humano – onde os faróis seriam os dois olhos, o emblema seria o nariz e a grade seria a boca. Em vez disso, a Jeep decidiu simplesmente pelo design que achava mais bonito e prático, independentemente de não enxergarmos um rosto na dianteira.

O facelift de 2019 corrigiu isso, mas o carro durou só mais quatro anos e saiu de linha em 2023 sem deixar um sucessor.

 

Honda Civic 9

O Honda Civic de nona geração não era um carro ruim, mas que tendo em vista a geração anterior (New Civic) e a posterior (Civic 10), é nítido que o Civic de nona geração, vendido entre 2012 e 2016, estava aquém do esperado.

A evolução do Honda Civic é marcada por um padrão a cada duas gerações há uma renovação completa. Repare como, em relação à geração anterior, o oitavo Honda Civic (conhecido como New Civic) lançado em 2007 foi um carro revolucionário em termos de design, assumindo uma identidade visual futurista e o já icônico painel digital de “dois andares”. A nona geração foi evolutiva — uma evolução para pior…

Embora mantivesse as linhas gerais, o Civic lançado em 2012 parecia ter menos personalidade. Não era um carro ruim (na verdade, continuava sendo um dos melhores do segmento), mas na rua era “só mais um”, e era claramente inferior ao antecessor no acabamento interno e no isolamento acústico, e seu visual já não era mais tão inovador quanto o “New Civic”. E os fãs sentiram a mudança – incluindo os entusiastas, que perceberam que o Honda Civic Si coupé, com motor de 2,4 litros, não era um carro tão especial quanto o Si da oitava geração: girava menos, tinha suspensão mais alta e macia e comportamento mais subesterçante.

Com a décima geração, o Civic se reinventou mais uma vez, assumindo um visual mais agressivo e imponente e apostando no turbo e refinando sua rodagem e seu acabamento.

 

Chevrolet Vectra C

Este é um caso endêmico do Brasil, mas é legítimo. Em 2005, o idolatrado Chevrolet Vectra B saiu de linha. Desde seu lançamento, o Vectra B era aclamado por seu design acertadíssimo (há quem diga que é atemporal), pelo seu comportamento dinâmico, pelo bom espaço interno e pela confiabilidade do conjunto mecânico – mesmo as versões com cabeçote de 16 válvulas têm boa reputação entre seus admiradores, que só não falam mais do motor “quase C20XE”, porque os espelhos retrovisores que “brotam” do capô roubam sua atenção.

Quando veio o substituto, os mais entendidos ficaram decepcionados. O “novo Vectra” lançado em 2006 era na verdade a versão sedã o Astra vendido na Europa, que pertencia a um segmento inferior ao do Vectra no Velho Mundo. Com isso, o Vectra perdeu refinamento, embora seu porte não tenha mudado muito. Além disso, os motores ainda eram derivados do Família II, que equipava o Monza desde o início dos anos 1980.

Para piorar, o modelo hatch — o Astra rebatizado como Vectra — teve uma série de mudanças para o Brasil, que resultaram em elementos inadmissíveis para um carro de seu porte, caso das rodas de quase 20 quilos na versão GT-X. Massa não-suspensa pesada demais, um câmbio descasado com a curva de torque/potência do motor e o próprio motor antiquado fizeram dele um carro muito inferior ao seu antecessor. Tanto que ele não conseguiu conter a prevalência dos japoneses, que mesmo sem o acabamento mais refinado da GM, tinham desempenho, economia e confiabilidade que o Vectra deixava de ter naquela geração.

 

Volkswagen Gol G4

 

A Volkswagen acertou em cheio quando lançou o novo Gol em 1999. O carro tinha um visual moderno, alinhado com os modelos europeus da marca — caso do Passat e do Bora — tanto dentro quanto fora. Linhas sóbrias, iluminação azul e vermelha no painel traziam um ar de modernidade. Os motores 16v e turbo também mostravam que o Gol chegava à maturidade, sem contar que ele ainda era oferecido na versão GTI 2.0 16v.

Em 2005, a Volkswagen tentava substituir o Gol pelo Fox (em mais uma tentativa de matar o Gol por parte da matriz europeia). O Fox não havia emplacado como sucessor do Gol e a Volkswagen decidiu convencer o público não melhorando o Fox, mas piorando o Gol. E assim nasceu o Gol G4.

O carro tinha um design desajeitado, em descompasso com os modelos da época, extremamente simplificado, assim como seu interior, que adotou um minimalismo pobre, com plásticos de menor qualidade, superfícies simplificadas, menos opcionais e cada vez menos versões. Até que restou somente o motor AT 1.0.

Não preciso dizer que o Fox nunca decolou como substituto do Gol. A Volkswagen se viu forçada a desenvolver uma nova geração do Gol, ironicamente compartilhando elementos da plataforma do Fox, e, em 2010, transformou o Fox em um compacto premium, dando a ele retoques visuais que o deixaram mais próximo do Golf, do Jetta e do Passat, um novo acabamento interno bem mais refinado, e uma lista de equipamentos que incluiu até mesmo teto solar. No fim das contas, o Fox durou nessa posição até o final de 2021, enquanto o Gol permaneceu até o ano seguinte, quando ambos foram finalmente substituídos pelo Polo de sexta geração.

 


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