Poucos carros são tão preciosos quanto a Ferrari 250 — especialmente a versão GTO, modelo do qual só existem 39 exemplares que, quando trocam de mãos, raramente levantam menos de US$ 30 milhões (quase R$ 120 milhões em conversão direta). Isto porque, além de ter ser muito raras e ter pedigree de competição, a Ferrari 250 é um carro absurdamente belo, graças à carroceria projetada pela Pininfarina; e também muito veloz, graças ao V12 de três litros e 300 cv e à leveza da estrutura de alumínio.
Dito isto, a 250 GTO não é a única versão que existe da Ferrari 250: a estrutura tubular com suspensão independente dianteira e traseira (braços sobrepostos do tipo duplo-A nos quatro cantos) recebeu outras configurações de carroceria, para as ruas e para as pistas — algumas, com entre-eixos alongado e visual mais sóbrio, mas ainda assim muito bonitas e valiosas.
É o caso da Ferrari 250 GTE, versão cupê 2+2 (com quatro bancos individuais) com carroceria de três volumes que teve cerca de 1.000 exemplares fabricados entre 1959 e 1963. O motor V12 de três litros era amansado para entregar 240 cv, que ainda garantiam que a 250 GTE fosse um grand tourer de respeito. No entanto, sendo um carro mais comum do que a 250 GTO, ela costuma custar bem menos — normalmente, os exemplares vendidos em leilões são arrematados por algo na casa dos US$ 500 mil, ou R$ 1,9 milhão. O que, de qualquer forma, ainda é muita grana.
Mas não é só isto: como são mais comuns, as 250 GTE costumam ser modificadas para se transformarem em réplicas da 250 GTO — que, se forem bem feitas, podem custar muito mais caro do que uma 250 GTE imaculada e original. O processo envolve pegar um exemplar, remover a carroceria e encurtar o entre-eixos. Dependendo de quem executa, o trabalho pode ficar bem convincente, e a comunidade de colecionadores e entusiastas da marca italiana parece não se incomodar com este tipo de sacrifício.
Considerando que a 250 GTO acima é uma réplica, até dá para entender o motivo, não?
Normalmente as carrocerias são descartadas ou, na melhor das hipóteses, doam alguns painéis para a restauração de outros carros. Uma 250 GTE em especial, contudo, teve um destino bem mais interessante: se transformou em um hot rod com direito a motor V8 Chevrolet!
Antes que você comece a apontar o herege (OK, fizemos isto no título deste post, mas foi de forma irônica, beleza?), não esqueça: a carroceria do carro iria parar no ferro velho, ou pior, em um triturador de carros. O que o dono deste carro fez foi dar a ele uma nova vida — ainda que, da Ferrari original, só tenha sobrado mesmo a carroceria. Para nós, é o bastante para dizer que esta é uma Ferrari hot rod.
Joe Alessandrino é o criador da máquina, que ele batizou como “Joerrari” porque, bem, é a Ferrari do Joe. E quando dizemos que ele construiu, não estamos exagerando: partindo da carroceria da 250 GTE, Joe projetou um chassi tubular feito sob medida para acomodar um coração americano. E o motor escolhido não foi qualquer um não, mas o V8 small block 302 (4,9 litros) vindo de um Camaro Z/28 de primeira geração.
Com coletor de alumínio, dois carburadores Holley e 360 cv (ainda que a Chevrolet jurasse de pés juntos que ele tinha só 290 cv), o motor do Camaro Z/28 de primeira geração havia sido criado com a Trans-Am em mente e, por isto, tinha um imenso potencial de preparação para as pistas. Além disso, o carro já vinha de fábrica com freios maiores e suspensão mais firme — por isso, não era raro que seus donos disputassem arrancadas com eles sem maiores modificações.
Assim sendo, dá para dizer que o coração desta Ferrari é nobre. Joe não dá detalhes da preparação do motor, infelizmente, mas só o fato de não haver capô e de um enorme blower estar instalado sobre os carburadores denuncia que há alguma pimenta ali. O ronco do motor na Ferrari também é fantástico:
O câmbio manual de quatro marchas original do Camaro foi trocado por algo mais robusto: a caixa manual Tremec T56 de seis marchas de um Dodge Viper. Para alguns, pode até ser mais uma heresia, mas o fato é que a transmissão do Viper é mais moderna, resistente e confiável.
Para completar o sacrilégio, a potência é levada para as rodas de trás através de um eixo rígido Ford com diferencial de 9”. Além de hot rod, a Joerrari também é (o monstro de) Frankenstein. Ah, e a cor vermelha metálica veio direto do catálogo da Mitsubishi.
Como somos caras de mente aberta, não podemos fazer outra coisa senão aplaudir a iniciativa do nosso amigo Joe, que pode ter cometido alguns pecados para os puristas, mas certamente já foi perdoado por todos eles ao dar uma segunda chance a uma bela carroceria.
Fotos: Dsscats
Claro, talvez gostássemos ainda mais se ele tivesse seguido uma linha estética mais tradicional — a falta do capô, as lanternas traseiras com molduras cromadas e o interior depenado (os bancos são de couro, mas faltam revestimentos nas portas e outros acabamentos) dão à Ferrari um visual rústico que pode não cair bem para todo mundo.
Dito isto, estamos falando de um hot rod, pombas! E um dos mais criativos que já vimos, diga-se.