Não parece, mas a era de ouro dos muscle cars já aconteceu há meio século – quando “não havia melhoramento como mais deslocamento”, como dizia Carroll Shelby. Quando, para vender um carro esportivo, bastava dar a ele uma bela seleção de motores V8, grandes ou maiores ainda, arranjar um nome bacana e colocá-lo para vencer corridas — nas mãos de profissionais, ou de semáforo em semáforo com pilotos de rua.
A demanda era grande, a gasolina era barata e a concorrência, feroz – o cenário perfeito para que as fabricantes explorassem formas criativas de tornar seus muscle cars e pony cars ainda mais atraentes para seu público, que já era apaixonado e fiel. O mercado era um terreno fértil para versões especiais, programas de preparação e campanhas de marketing divertidas, irreverentes e bem humoradas.
Os carros da Plymouth são um bom exemplo disso. A Dodge tinha o Charger B-Body como representante dos muscle cars maiores, um carro cujo nome significava “cavalo de batalha” em tradução literal, e que tinha desenho agressivo – maléfico, até, se a carroceria fosse pintada de preto. A versão da Plymouth, por outro lado, se chamava Road Runner e trazia o pássaro homônimo da Hanna-Barbera, o Papa-Léguas, como mascote. Ainda que a Dodge tenha se empenhado em resgatar esta faceta lúdica (já que a Plymouth não existe mais), quantos carros modernos inspirados em desenhos animados você conhece?
Mas a Plymouth também foi bem humorada na hora de batizar seu programa de acessórios e itens de preparação – o Rapid Transit System. É uma tirada bastante sutil, e que só faz : rapid transit system é o nome que se dá, em inglês, aos trens elétricos e metrôs usados no transporte público nos EUA e no Reino Unido, que teoricamente oferecem uma alternativa mais rápida aos outros meios, como táxi ou ônibus. O pessoal do site Allpar.com suspeita que possa ter sido, também, uma referência à linha R/T (de Road & Track, Rua e Pista”) da Dodge, mas isso não se confirma.
A Plymouth decidiu lançar seu próprio programa de preparação alguns anos depois de a ideia ter sido colocada em prática pela Dodge, em 1968, com o Scat Pack – um programa que, na época, resumia-se a itens estéticos, como adesivos e emblemas, além de um clube de proprietários e de uma linha de roupas e acessórios.
A Plymouth quis levar a ideia além com o Rapid Transit System, ou apenas RTS – oferecendo, além dos acessórios e componentes estéticos, kits completos de preparação, manuais de instruções, consultoria e suvenires. Além de uma série de eventos e exposições para atrair o público e divulgar todos os produtos. O Rapid Transit System teve vida curta, foi oferecido em 1970 e 1971, e em 1972 já foi reduzido ao programa de peças. Mesmo assim ele entrou para a história dos muscle cars como uma das ações mais interessantes feitas por uma fabricante: simples, eficaz e direta.
Os três primeiros parágrafos do catálogo distribuído aos concessionários e ao público em 1970 definem bem o que era o Rapid Transit System:
Aqui na Plymouth, os responsáveis por construir carros de alta performance se inspiraram a ir além de apenas oferecer carros com motores grandes, suspensão boa, ótimos freios e pneus gorduchos.
Agora nós temos um sistema. Um programa integral… É um conceito totalmente focado em transporte de alto desempenho, combinando as lições aprendidas nas competições, uma rede de informação, pessoas que entendem de alta performance, peças de preparação e excelentes produtos. O Rapid Transit System são anos de experiência em corridas em [circuitos como] Daytona, Indianapolis, Riverside, Irwindale, Cecil County. São os próprios carros de corrida, de arrancada, da Nascar, de rali e de turismo.
O Rapid Transit System é informação – nossos segredos revelados diretamente a você – sobre como ajustar e preparar seu carro, qual equipamento usar, e como configurar tudo para correr. (…) O sistema são peças de alto desempenho – comandos especiais, coletores, pistões, rolamentos, etc. – que agora estão mais prontamente disponíveis através de nossos centros de peças estrategicamente posicionados por todo o país.
E basicamente era este o núcleo do Rapid Transit System. Quase toda a linha de cupês V8 da Plymouth estava inclusa no programa: GTX, Road Runner, Barracuda, Duster e Fury. Todos eles estão representados no flyer abaixo, uma das várias peças publicitárias psicodélicas e/ou descoladas que a Plymouth apresentou naqueles anos.
A verdade é que, naquela época, era comum que as fabricantes americanas oferecessem conjuntos mecânicos como opcionais na hora da compra – motores mais fortes, câmbios mais reforçados, diferenciais mais robustos, e por aí vai. No caso do Rapid Transit System, a ideia era oferecer componentes de preparação, incluindo motores e transmissões, através de um catálogo organizado, com uma experiência mais pessoal e envolvente.
Para se ter uma ideia, para três modelos – o Road Runner, o GTX e o ‘Cuda – era possível adquirir o lendário Hemi 426, o “elefante laranja”, com dois carburadores quadrijet Carter, 430 cv e 67,7 kgfm de torque. E para todos eles, exceto o Duster, era possível comprar o motor V8 440 (7,2 litros) com três carburadores de corpo duplo, 390 cv e 66,3 kgfm de torque.




Além destes, todos os carros podiam receber o V8 340, com 275 hp (SAE) o 383, com 335 hp; e uma versão com apenas um carburador de corpo quádruplo do motor 440, capaz de entregar 390 hp. Também era possível optar por diferentes relações de diferencial e escolher comandos de válvulas mais bravos, componentes internos reforçados, juntas, cabeçotes, carburadores, e até mesmo peças mais sofisticadas como carcaças de câmbio à prova de estilhaços.
Também eram oferecidos livros com instruções para instalação, acerto e reparo de todos os componentes, bem como clínicas e workshops para aprender a usar tudo de forma correta e eficaz. As clínicas eram realizadas nas próprias concessionárias da Plymouth, com data marcada – e o Rapid Transit System viajou por todos os Estados Unidos, visitando mais de 100 revendas ao longo daqueles três anos.
Para isso, foi montada uma caravana itinerante, a Rapid Transit System Caravan. Era uma grande equipe com mecânicos, preparadores, engenheiros e pilotos, acompanhados de amostras dos componentes e muito material licenciado, como adesivos, miniaturas, jaquetas, camisetas, pôsteres e outras lembranças.
No entanto, a maior atração eram os carros que acompanhavam a caravana – conceitos feitos para demonstrar as peças e também atrair o público. Em 1970 e 1971, dois conceitos foram feitos com base no Plymouth Road Runner – da primeira e da segunda gerações, respectivamente.
O primeiro usava o motor V8 340 Wedge, com 280 cv, câmbio manual de três marchas e uma carroceria redesenhada, com uma asa traseira integrada e pintura branca e dourada – além de um desenho do Papa-Léguas nas laterais, com sua característica trilha de poeira.
Em 1971, foi criado o segundo Rapid Transit System, desta vez usando a segunda geração como base, e usando o motor 383 de 300 cv – e dando a ele novos conjuntos dianteiro e traseiro, com um aspecto mais futurista e, ao mesmo tempo, descolado.
Também foram feitos outros dois conceitos: um Plymouth Barracuda, com os faróis ocultos sob a grade dianteira cromada, pintura verde em dois tons e bitolas mais largas na traseira…
…e o Duster RTS, com um desenho radical na traseira e pintura verde e preta, além de um V8 340 debaixo do capô (o carro do meio na foto abaixo).
Fora os conceitos, uma presença ilustre era a do piloto de arrancada Don Prudhomme, o “Snake” da dupla “Snake & Mongoose” – eles próprios responsáveis por criar uma equipe itinerante de arrancada e popularizar a modalidade nos EUA no começo dos anos 1970. O Plymouth ‘Cuda funny car de Snake também era uma das atrações da Rapid Transit System Caravan.
Com a crise do petróleo, que estourou em outubro de 1973, o segmento dos muscle e pony cars tomou um golpe duro e repentino – mas antes mesmo a Plymouth decidiu encerrar o programa por conta do custo elevado, e também porque o fator novidade já havia desvanecido.
Talvez por ter durado tão pouco, porém, o Rapid Transit System não tem a mesma fama de outros programas de acessórios e preparação de fábrica que existiram naquela época, como a parceria da Ford com a Shelby, o próprio Scat Pack da Dodge ou mesmo o programa RPO (Regular Production Option) da GM – sendo que este último, na verdade, nem era um programa per se, e sim uma espécie de “código secreto” para comprar itens de preparação da GM.