Você sabe, minivans não foram feitas exatamente para entusiastas. Elas miram nos caras que já constituíram família e precisam de espaço para compras, bagagem e o time de futebol dos filhos e não se importam muito com o prazer de dirigir. Nos EUA, minivans são vistas como o símbolo da morte de um gearhead e o nascimento de um novo homem — um cara mais maduro, que tem outras prioridades muito maiores do que dirigir carros bacanas.
A Renault Espace sempre foi uma típica minivan. Seu projeto começou a ser desenvolvido na década de 1970 pelo designer britânico Fergus Pollock, que na época trabalhava para a Chrysler. A partir daí, várias outras empresas se envolveram com o projeto antes do lançamento do modelo de produção, em 1984.
Renault Espace de primeira e segunda gerações (1984 e 1991, respectivamente)
Primeiro foi a Matra (afiliada da Simca, que por sua vez era subsidiária da Chrysler na França), cujo designer grego Antonis Volanis ajudou a aperfeiçoar o projeto. Em 1978 a Chrysler e a Simca foram compradas pelo grupo PSA, das marcas Peugeot e Citroën, e o projeto foi para as mãos da Matra. Como a PSA achou que o carro não faria sucesso, a Matra voltou-se em 1982 à Renault, que decidiu arriscar lançando a Renault Espace dois anos depois.
O resultado: a Espace se tornou uma das primeiras minivans modernas bem sucedidas do mercado — e gerou até mesmo um “clone” nacional, a Grancar Futura, projetada por Toni Bianco e feita sobre a mecânica do Ford Del Rey (que tinha motor 1.8 de origen Volkswagen).
Contudo, a Espace de que vamos falar hoje é bem diferente daquela lançada em 1984. Na verdade, ela foi criada exatamente dez anos depois, em 1994, e foi feita justamente para comemorar os dez anos da Espace original. Mas não foi só isso…
Naquele 1994 a Williams conquistou seu terceiro título no campeonato de construtores da Fórmula 1 desde que passou a usar motores V10 Renault, em 1989. Eles eram o complemento perfeito para os avançadíssimos FW14 e FW15 projetados por Adrian Newey, e que competiram de 1991 a 1993, e para o FW16, que já não era tão avançado porque a FIA baniu várias tecnologias empregadas por seus antecessores, como suspensão ativa, controle de tração e freios ABS, mas ainda foi capaz de garantir o título de construtores em 1994. Você pode ler mais sobre esta história neste post.
Era a oportunidade perfeita para juntar as duas coisas — e assim nasceu a Renault Espace F1, que da minivan só tinha o nome e as formas básicas, pois tinha muito mais em comum com um monoposto de Fórmula 1 — mais precisamente, o motor do FW15C, chamado Renault RS5.
Trata-se de um V10 de 3,5 litros (3.493 cm³) e 67° entre as bancadas de cilindros, com aspiração natural, comando duplo nos cabeçotes e 40 válvulas. Sua potência variava entre 700 e 780 cv durante as corridas de Fórmula 1 mas, para a Espace F1, a Renault decidiu adotar a calibragem usada nos treinos de classificação — o que garantiu uma potência de absurdos 820 cv e torque de 71 mkgf.
O motor era acoplado à caixa semiautomática sequencial de seis velocidades, também idêntica à do carro de F1. O resultado era uma minivan capaz de chegar aos 100 km/h em 2,8 segundos, aos 200 km/h em 6,9 segundos, e atingir os 312 km/h de velocidade máxima.
Mas, como dissemos, esta minivan tem muito mais a ver com um carro de Fórmula 1 do que com a Espace de segunda geração original. Sua carroceria, projetada por Thierry Metroz e Axel Breun, mantinha alguns componentes de fibra de vidro do carro original (a Espace de segunda geração, lançada em 1991), como teto, capô e tampa do porta-malas, além dos vidros. Contudo, boa parte dos painéis deu lugar a componentes de fibra de carbono, mais rígidos e leves — além de terem suas formas retrabalhadas para melhorar a aerodinâmica.
Contudo, esta carroceria era praticamente uma bolha — a é drasticamente diferente: enquanto a Espace de rua tinha motor dianteiro, tração dianteira ou integral e até sete lugares, a F1 usava um chassi de fibra de carbono com o motor V10 em posição central-traseira, servindo de componente estrutural. É quase como pegar um carro de F1 e colocar uma carroceria de minivan por cima dele.
O próprio Frank Williams apoiou e ajudou a financiar o projeto, além de fornecer a expertise de sua equipe de mecânicos. Depois de dar algumas voltas como passageiro — antes mesmo de a super minivan ficar pronta —, ele disse que apreciava ainda mais a habilidade e a disposição exigidas por um carro de Fórmula 1.
O mais legal é que não há qualquer tipo de isolamento entre o motor e os ocupantes do carro — dois na frente e dois atrás, um de cada lado do motor. Imagine como era infernal e maravilhoso o ronco furioso dos dez cilindros, a quase 14 mil rpm, a centímetros do seu ouvido. Os freios de carbono-cerâmica garantiam que, em menos de 600 metros, o carro conseguisse ir de zero a 270 km/h e parar completamente.
O vídeo abaixo é um dos mais famosos a estrelar a Renault Espace F1, trazendo uma volta rápida com ninguém menos que “O Professor” Alain Prost. Dizem até que ele se divertia fazendo hot laps furiosas para judiar dos jornalistas que não iam muito com a sua cara. A ação de verdade começa aos 1:30:
Enquanto isso, a gente precisava se contentar com a Espace F1 em Gran Turismo 2…
A Espace F1 é, sem dúvida, mais uma prova de que são loucos esses gauleses — e que isto está longe de ser algo ruim.