Bem-vindo à mais nova série de posts do FlatOut! No “Curvas Desafiadoras”, vamos detalhar algumas das variantes mais apimentadas que existem em autódromos do Brasil e do mundo. Será uma forma interessante de conciliarmos dicas de pilotagem com guias de traçado – esperamos que seja útil!
Para estrear, escolhemos um dos trechos mais técnicos que existem no País – o famoso saca-rolha do Velo Città (Mogi Guaçu, SP), cujo nome oficial é “Curva do Guiga”, em homenagem ao piloto de rali Guilherme Spinelli, que também é diretor da Ralliart Brasil. O nome “saca-rolha” acabou sendo adotado por seus frequentadores devido à semelhança de conceito com a variante Corkscrew do autódromo norte-americano Laguna Seca (Monterey, CA).
Trata-se de uma sequência de três curvas de baixa velocidade em descida feita em níveis, antecedida por uma forte freada – também em descida. O declive assusta, dificulta a frenagem, deixa a sequência cega e induz ao sub-esterço (saída de frente) por sobrecarregar os pneus dianteiros, enquanto o traçado complexo combinando três pontos de tangência exige muita técnica e uma abordagem de sangue frio, cerebral.
Por estas razões, o trecho ficou bastante famoso, provando que nem toda curva precisa ser de alta para ser desafiadora. O saca-rolha é um dos principais pontos de ultrapassagem do circuito e, apesar da forte freada, entrada cega e topografia acidentada, não chega a ser um trecho perigoso.
Construído ao longo de seis anos entre o projeto e a inauguração, feita no dia 16 de junho de 2012, o Velo Città é um autódromo de média-baixa velocidade homologado pela CBA e pela FIA para provas de Turismo e Gran Turismo. Seu traçado original tem 14 curvas distribuídas na topografia natural do terreno, com variação de altura de 45 metros e extensão de traçado de 3.493 metros. Neste ano foi inaugurado um traçado alternativo de 12 curvas e 3.443 m – por enquanto, de uso exclusivo da Lancer Cup –, que apresenta a curva “Caipirinha”, um “S” de média que substitui as curvas 3 e 4; e a “Ferradura”, uma versão de raio ampliado da última curva que dá acesso à reta dos boxes.
Passo a passo
Você se aproxima do saca-rolha pelo retão após o grampo do Museu, em uma longa descida que fica um pouco mais íngreme justamente no ponto de frenagem. Como é tradição no circuito, as placas com os macaquinhos são ótimas referências para frenagem, a 150, 100 e 50 metros antes do início da curva. Neste trecho em específico, há um bônus valiosíssimo: além das placas, há faixas brancas no asfalto demarcando as distâncias.
Em um esportivo equilibrado, você fará a frenagem nos 100 metros, a algo entre 160 e 170 km/h – velocidade e distância que podem ser maiores, no caso de rojões mais pesados, ou menores, no caso de um hot hatch original. O importante é você se programar para uma frenagem bastante técnica: você começará na extremidade direita da pista, com carga plena no pedal de freio, mas a cerca de 25 metros da entrada da curva (ponto 1 do infográfico abaixo) você começará a aliviar o pedal do freio e a iniciar o esterçamento simultaneamente. Coordenar esta ação com os punta-taccos – dependendo do carro, você precisará reduzir duas ou três marchas – pode ser outro desafio.
A progressividade do alívio do freio e do esterçamento precisam seguir a mesma proporção: você está convertendo aderência longitudinal em lateral, na técnica de pilotagem conhecida como trail braking entre os pontos 1 e 2. Se entrar com velocidade em excesso ou carregar demais no pedal de freio após o ponto 1, o carro tenderá a seguir reto, “embarrigando” a curva pra fora e perdendo o ponto de tangência, mas se soltar o pedal rápido demais, a traseira poderá derrapar. Precisa de sangue frio, pois além da frenagem forte e do trail braking, há um detalhe chato: você não vê direito a entrada da perna à esquerda por causa do declive. Mantenha seus sentidos afiados.
No ponto 2 você já deve estar livre dos freios, pois aqui está um dos grandes segredos do saca-rolha: precisamente no ponto 2 você acelera por um breve instante, voltando a aplicar os freios num golpe curto e suave para entrar na segunda perna (ponto 3). Note que para atacar esta segunda perna, para a direita, você não poderá ter espalhado o traçado na primeira curva: fique por dentro.
Atacar a segunda perna é um exercício gostoso, mas que requer um pouco de agressividade controlada. O raio é o mais apertado, você transferirá todo o apoio dos pneus que estava do lado direito para o esquerdo, precisará atacar a zebra interna com vontade – e, como na primeira perna, você não enxergará nada direito por causa de uma quebra de relevo bem na entrada, que pode ser visto na fotografia do Jaguar abaixo. Sendo bem franco, na hora do ataque à direita, você não estará vendo nem a zebra nem a bananinha (a zebra alta amarela).
Nesta segunda perna, seu objetivo é cortá-la o mais por dentro possível, usando toda a zebra e inclusive tocando a bananinha – com muita parcimônia no caso de carros de corrida com suspensão travada. Sim, muitos carros ficam em duas rodas por um breve instante, mas é essencial que você corte bem esta curva, pois a quebra de relevo já faz o veículo perder carga vertical e espalhar para fora naturalmente.
Se tudo der certo, você terá cortado esta segunda perna por dentro, atropelado a zebra e escorregado até cerca de 3/4 do lado de fora da pista (ponto 4). Busque o acelerador exatamente entre o ponto 3 e 4 – a agressividade vai mais depender do quanto de torque você tem. Num hot hatch você pode descer a lenha já próximo à zebra interna.
A última curva é extremamente longa e requer bastante controle emocional. Nela, é importante você entender três coisas: você vai frear dentro, tardio e com suavidade (ponto 5) pois já estará esterçando de leve, você vai ficar do lado de dentro da curva com aceleração baixa e constante por muito mais tempo que acha (ponto 6), e por fim, só vai aumentar a carga do acelerador progressivamente em direção a 100% no ponto 7, que é quando você conseguir visualizar a zebra externa que indica o fim da curva.
Use seu pescoço: nesta última perna é muito comum pilotos novatos ficarem com o pescoço duro, só olhando pra frente, como um Boneco de Olinda. Quando estiver passando pelo ponto 6, olhe para a esquerda na cabine que você verá exatamente o que precisará fazer! Se tudo der certo, seu carro terá escorregado até a zebra de fora, levando-o em direção à curva da entrada dos boxes. Às vezes, na busca do limite você acabará colocando duas rodas na grama, como ocorreu com o carro 54 na foto abaixo. É normal.
Agora, vamos ver tudo isso acontecendo na prática, começando com o amigo piloto e instrutor Eric Darwich a bordo do Mitsubishi Lancer Evo X. O saca-rolhas está aos 1:25 e 3:25 do vídeo.
Abaixo, temos este que vos fala, em um Mit Lancer R que usei no curso de pilotagem Premium Racing School. A curva aparece aos 1:45.
Novamente o manco aqui, agora no Renault Sandero RS. Veja o saca-rolha em primeira pessoa (1:43) e em câmera fixa (3:58).
Os erros mais típicos
No ponto 1, entrar com velocidade demais. Isso vai resultar num traçado espalhado: você vai perder a entrada (ponto 2), o que vai te prejudicar no posicionamento na pista para o ataque da segunda perna e vai te impedir de dar o golpe no acelerador entre os pontos 2 e 3. Acertar a frenagem mas passar longe da zebra interna no ponto 2 também é comum, pois há pouca visibilidade.
Não atacar a zebra interna entre os pontos 3 e 4, seja por falta de visibilidade ou por receio, também é um erro comum e que custa tempo. Frear antes da hora para a entrada da última perna longa é comum, mas não prejudica muito. Já acelerar antes da hora é prejuízo na certa: muitos novatos buscam aceleração plena já no ponto 6 (em vez de no ponto 7), resultando em um sub-esterço destruidor de pneus e sem nenhum lucro no cronômetro, muito pelo contrário – a velocidade de saída fica menor e a tendência é do carro ir parar na grama.
Se você não tem a oportunidade de acelerar na pista mas gosta de simuladores, a pedida é comprar e baixar o Stock Car Extreme, da Reiza: sua última atualização inclui reproduções inacreditavelmente fiéis do autódromo Velo Città e da categoria Lancer Cup!