A prefeitura de São Paulo anunciou ontem que planeja construir 400 km de ciclovias na cidade até o final de 2016. Elas serão segregadas dos carros por barreiras físicas, o que as tornam mais seguras do que as ciclofaixas. O projeto prevê a construção dessas novas ciclovias em grandes corredores da cidade, como a Avenida Paulista, e a Rua Vergueiro.
Atualmente a cidade tem apenas 63 quilômetros de ciclovias, e para a ampliação planejada será preciso desativar entre 30.000 e 40.000 vagas de estacionamento. As novas ciclovias terão 1,2 metros de largura, “mão dupla” e serão separadas do trânsito por tachões.
Como serão segregadas do trânsito e não podem tirar espaço das calçadas, nem circular pela direita, onde há pontos e faixas de ônibus, a prefeitura estima que será preciso desativar até 40.000 vagas de estacionamento de carros e motos para que as “canaletas” como são chamadas, sejam construídas no lado esquerdo das vias.
Segundo o secretário municipal dos Transportes, Jilmar Tato, a intenção é “tirar as vagas dos carros para ocupação do espaço público pelas bicicletas” e ele já espera conflitos a respeito das vagas de estacionamento, mas que esta é uma mudança “pra valer” e que “se fosse fácil de ser feita, já teriam feito antes”. A prefeitura já está construindo um projeto-piloto de 1,6 km na região central da cidade, que servirá de experiência inicial. O modelo deveria ficar pronto no próximo sábado, mas a obra atrasou.
A decisão de construir ciclovias é sempre uma boa iniciativa para oferecer novas opções de mobilidade nas cidades. Mas como vimos em outros países, elas não podem ser uma medida isolada, e sim parte de um plano abrangente de mobilidade urbana, que inclui soluções para todas as modalidades de transporte.
Os ônibus já receberam faixas exclusivas, e até tiveram sua velocidade média sensivelmente aumentada, mas ainda continuam relativamente caros, desconfortáveis e, principalmente, superlotados nos horários de pico. Além disso, as faixas não podem ser uma ação isolada — todo o sistema de transporte coletivo precisa ser repensado para que as mudanças sejam eficazes, e não sirvam apenas para fomentar uma “luta de classes” onde os dois lados perdem. Por que o discurso é segregador (“vamos tirar dos carros”) em vez de conciliador (“estamos criando alternativas que beneficiam motoristas que não usam bicicleta/ônibus por falta de rapidez/segurança”)?
Isso nos leva à questão: usamos carros e motos por que somos canalhas egoístas ou porque eles são o meio de transporte que melhor equilibra conforto, rapidez e custo para se locomover na cidade e resolver os problemas do dia a dia? A bicicleta pode, sim, ajudar a resolver as questões do trânsito, mas para cada necessidade de transporte há uma solução mais adequada. A simples remoção de 40.000 vagas de estacionamento não afeta somente os automóveis, mas também comerciantes cujos clientes estacionavam nesses espaços. Ele desloca o movimento para ruas que anteriormente não o tinham ou, estimulam a criação de estacionamentos privados, que concentram mais carros em uma rua do que vagas públicas rotativas.
Além disso, fala-se muito em “tirar o espaço público dos carros” (como se estes não tivessem direito de usufruto), mas não há uma eficiência estatal na ocupação do espaço urbano. Recentemente, o boom da construção civil, que depende de aprovações das prefeituras, adensou ainda mais regiões que já tinham trânsito crítico e que ainda não têm corredores de ônibus nem estações de metrô, e isso — em qualquer cidade brasileira. E ainda há a especulação imobiliária, que afastou os mais pobres dos centros econômicos, obrigando-os a fazer deslocamentos maiores. Não surpreende que a frota de motos triplicou no país desde 2002.
O Estado não acompanhou o progresso da sociedade, e age como se a culpa do caos urbano das metrópoles brasileiras fosse exclusivamente dos cidadãos que querem, ou precisam usar carros, motos e ônibus. É o excesso de pessoas ou a falta histórica de planejamento?