Paul Walker era a imagem de Brian O’Conner, provavelmente o primeiro “driver hero” de muitos entusiastas. Mas além de interpretar o policial fã de carros que se envolve com os gearheads de verdade e se torna um deles, Walker também era um entusiasta na vida real, dono de uma respeitável coleção de automóveis e, como todos nós, curtia dar suas esticadas de vez em quando.
E como “Velozes e Furiosos” teve um papel importantíssimo na formação de toda uma geração, Walker e O’Conner se tornaram indissociáveis para os fãs da franquia. A admiração pelo herói do filme se transformou em uma admiração pelo ator. E foi por isso que sua morte foi tão sentida. Walker era um de nós.
Claro, um pouco de computação gráfica ajuda
O caso é que, como acontece quando um ídolo morre, não demorou para que surgissem homenagens dos fãs. Encontros organizados em sua memória, páginas no Facebook e tributos em vídeo começaram a se proliferar. A comoção foi tamanha que até reacendeu o interesse dos entusiastas pela franquia. E também causou um fenômeno curioso.
Da mesma forma que nos inspiramos nas palavras de um piloto já falecido – no caso, a lenda do rali Colin McRae e seu célebre “if in doubt, flat out!“ –, os fãs de Paul Walker também pegaram uma de suas frases como inspiração. Pouco depois de sua morte, começaram a surgir imagens como esta:
Em tradução livre, fica algo como “se um dia eu morrer acelerando, não chore, porque eu estava sorrindo.” Walker não era um piloto de verdade, mas seu personagem, Brian O’Conner, poderia muito bem ter dito estas palavras. Pensando bem, é até uma forma de lidar melhor com a morte do ator: no fim das contas, ele morreu dentro de um superesportivo, ainda que estivesse no banco do carona, fazendo o que gostava. Se pararmos para pensar, também é um pouco mórbido, não? Mas isto é só um detalhe.
A questão é a seguinte: não é uma coincidência no mínimo, estranha? Claro, Paul Walker era entusiasta, mas ele praticamente previu a forma como morreria. Só tem uma coisa: é bem provável que Walker jamais tenha falado nada disto.
Quem levantou a bola foi o Jalopnik, há alguns dias, e fica fácil entender o porquê da dúvida: ninguém consegue confirmar que Walker tenha mesmo dito esta frase. A fonte original, fosse um vídeo ou uma entrevista para algum site ou revista, jamais foi encontrada. Ainda assim, no fim de 2013, os adesivos com a frase (normalmente acompanhada da silhueta de um esportivo) ficaram muito populares, sem falar em todas as imagens compartilhadas em fóruns e nas redes sociais.
Alguns sites dizem que a famosa citação foi dita durante uma entrevista para a MTV feita no fim de 2001. Um jovem Paul Walker, com o famoso Toyota Supra laranja ao fundo, fala sobre os carros de que mais gosta e sobre as filmagens, mas em nenhum momento diz as famosas palavras.
Outras fontes dizem que o autor da frase é desconhecido, como o The Guardian, enquanto o Mashable diz que ela “supostamente” foi dita por Paul Walker. No começo da semana o Jalopnik publicou uma notícia sobre um motorista que tinha a frase tatuada no braço e matou um pedestre atropelado em Manhattan. Diante disso, o advogado da família do ator entrou em contato e esclareceu que a frase não é dele – o que é compreensível, afinal associar a morte de Paul Walker e seu gosto por velocidade a outro acidente de trânsito fatal é, de fato desnecessário.
Como a origem da frase também nos intrigava há algum tempo, acabamos fazendo nossa investigação e descobrimos algumas coisas interessantes.
Começamos pelo Google. Usando o filtro de período de publicação procuramos por registros da frase anteriores a 30 de novembro de 2013. Nada. Nenhum link para uma eventual entrevista ou vídeo. Se Walker tivesse mesmo dito esta frase, certamente ela estaria por todo canto mesmo antes de sua morte, afinal, é uma frase de impacto — especialmente vinda de um entusiasta. E o veículo de comunicação no qual ela originalmente foi publicada não deixaria de lembrar dela ao noticiar sua morte. O timing era perfeito.
Então pensamos que, talvez, a frase tenha sido modificada — algo muito comum em citações famosas — e encontramos o trecho de uma suposta entrevista concedida a uma repórter do Los Angeles Times entre julho e dezembro de 2012, durante as gravações de “Velozes e Furiosos 6”. Nela Paul Walker falava sobre como, de vez em quando, corria em vias públicas, e acabou falando sobre o que aconteceria se morresse acelerando um carro.
Repórter: Nos filmes, você dirige bem rápido. Você gosta de dirigir rápido longe do set?
Paul Walker: Claro! Eu não consigo nem ir para a pardaria sem querer dar umas esticadas, não importa em que carro eu esteja.
R: Qual foi a maior velocidade que você já alcançou em uma rodovia?
PW: Bom, espero não ir preso nem nada por te contar (risos), mas já fui rápido o suficiente.
R: (risos) Não acho que você vá se encrencar. Pode me contar em off.
PW: Eu já passei um pouco dos 340 km/h em uma interestadual, na Ferrari do meu amigo.
R: Caramba, isto dá quase o triplo do limite, não?
PW: (risos)
R: Mas isto não te assusta? Qualquer errinho pode custar sua vida.
PW: Sim, me assusta demais! E isto é parte da diversão. Eu sei, da forma como eu gosto de correr, vou morrer um dia. Mas eu estarei fazendo o que eu amo fazer, e posso garantir que terei um sorriso no rosto, então é melhor que ninguém chore.
São perguntas meio esquisitas, é verdade, mas quantas vezes você não viu entrevistas absurdas feitas por repórteres despreparados? Mas o que importa é a última resposta: seria ela origem da famosa citação de Walker?
Poderia, porém também não encontramos esta entrevista na íntegra publicada em lugar algum. Nem mesmo no acervo de edições impressas do LA Times. Tudo o que existe é apenas este trecho, normalmente na seção de comentários de vídeos sobre Paul Walker, tumblrs ou blogs pessoais. Além disso, a entrevista foi feita pouco menos de um ano antes da morte do ator.
Entramos em contato com o LA Times para confirmar a veracidade da entrevista, mas até agora não obtivemos resposta. No entanto, também achamos que a frase foi imaginada por outra pessoa e atribuída a Paul Walker pouco depois de sua morte.
A primeira data em que a frase aparece quando se pesquisa com filtro de período no Google é o dia 1/12/2013, o dia seguinte à morte. E ela está sempre publicada por fãs nas redes sociais, nunca em algum veículo de comunicação.
Se Paul Walker realmente tivesse dito isso em alguma entrevista, a citação seria perfeita para manchetes sensacionalistas do tipo “Paul Walker falou sobre morrer em acidente um ano antes de sua morte”.
Assim, concluímos que é pouco provável que Paul Walker tenha dito sua famosa frase. Primeiro porque ela tem um caráter um tanto irresponsável para alguém com a influência de uma estrela de cinema. Além disso, é bem provável que ele não quisesse realmente morrer desse jeito, tão rápido e tão cedo.