O Salão de Paris está acontecendo neste momento e conta com uma presença inesperada: a Shelby American – a capital francesa não é exatamente prioridade das fabricantes norte-americanas, quem dirá então de uma fabricante underground famosa por seus muscle cars preparados.
O motivo para a ida da Shelby até a França é apresentar ao mundo seu novo superesportivo, totalmente desenvolvido in house. Quer dizer, “novo” não é a palavra certa. É melhor dizer que ele foi “renascido das cinzas”, embora seja uma metáfora, é uma expressão mais apropriada. Isto porque o Shelby Series 2 é nada menos que a versão atualizada do Shelby Series 1, desenvolvida quase vinte anos depois de o original sair de linha. O que é no mínimo surpreendente, considerando a trajetória tortuosa do Series 1 no fim da década de 1990.
É uma história que contamos há tempos no FlatOut, mas vale relembrar. Carroll Shelby já passava dos 70 anos de idade quando a Shelby começou a desenvolver aquele que seria seu primeiro modelo próprio, sem utilizar como base nenhum outro modelo já existente. Era de se imaginar que, com a experiência da companhia em preparações de alto nível e com seu histórico nas pistas, o resultado só poderia ser incrível em todos os aspectos.
O Shelby Series 1 era um carro no mínimo interessante: um roadster claramente inspirado pelos esportivos da década de 1960, incluindo o próprio Shelby Cobra, com estrutura do tipo favo-de-mel em alumínio extrudado e carroceria com painéis de fibra de vidro e fibra de carbono. O motor era um V8 de origem Oldsmobile, com quatro litros de deslocamento e 324 cv e ficava atrás do eixo dianteiro, proporcionando a ótima distribuição de peso de 49/51, o câmbio era manual de seis marchas e com 1.202 kg, o roadster era capaz de ir de zero a 100 km/h em 4,4 segundos, cumprir o quarto-de-milha em 12,8 segundos a 180 km/h e continuar acelerando até os 273 km/h – excelentes números há duas décadas. A suspensão tinha braços triangulares sobrepostos e amortecedores inboard, como em carros de competição, e com isto o Shelby Series 1 também fazia curvas muito bem, segundo testes da imprensa na época.
Não deu certo: a inexperiência com o processo de desenvolvimento, aperfeiçoamento, homologação e distribuição de um carro feito do zero levou a sucessivos atrasos na entrega dos exemplares, aumentos de preço inesperados e, inevitavelmente, ao fracasso. A Shelby conseguiu entregar apenas 249 exemplares do Series 1 entre 1998 e 1999, e depois disso o projeto foi cancelado.
Agora, quase vinte anos depois, a Shelby decidiu retomar a produção de seu primeiro esportivo. Que, à primeira vista, continua igual ao que era no fim dos anos 1990, exceto por alguns detalhes estéticos. Mas não é bem assim, e não estamos falando apenas dos pequenos detalhes, como as molduras dos faróis ou a nova traseira.
De acordo com a empresa, foi por volta de 2011 que a ideia começou a tomar forma. Um homem chamado Bob Wingard, proprietário de um dos Series 1 originais, foi até a Shelby American, em Paradise, Nevada, em busca de algumas peças. Uma vez lá, ele notou algumas dezenas de chassis que haviam sobrado do projeto original, e decidiu comprá-los – 77 deles, no total. Havia uma boa razão para isto: Bob é dono da Wingard Motorsports, fabricante de esportivos artesanais, e sua ideia era lançar um novo modelo inspirado no Shelby Cobra, o FII Roadster, utilizando a estrutura do Series 1 como base.
Segundo a Shelby, foi questão de tempo até que as duas empresas firmassem uma parceria para colocar no mercado uma versão atualizada do Series 1, batizada como Series 2. Os dois modelos – FII Roadster e Series 2 – são construídos na mesma linha de produção.
Mas afinal, o que o Series 2 tem de novo? Como se pode ver, o visual é praticamente o mesmo, tanto por dentro tanto por fora, exceto que o Series 2 recebeu uma central multimídia no painel e um novo desenho para a traseira.
A novidade está debaixo do capô: o Series 2 é oferecido primariamente com um V8 small block de sete litros com supercharger e 588 cv, mas há a opção por um big block, também de sete litros e supercharged, porém com potência de pelo menos 800 cv. O câmbio, em ambos os casos, é um transeixo manual de cinco marchas. Dados de desempenho não foram revelados, ainda.
A carroceria pode ser de fibra de carbono, alumínio ou, segundo a Shelby e a Wingard Motorsports, titânio. No primeiro caso o preço do carro partirá de US$ 349.995 (R$ 1,3 milhão em conversão direta), enquanto a carroceria de alumínio – que é feita de forma artesanal e, de acordo com as companhias, leva sozinha 4.000 horas de trabalho para ficar pronta – eleva este valor para US$ 849.995 (R$ 3,2 milhões). O preço para a versão com carroceria de titânio não foi divulgado.
A Shelby acredita que serão feito cerca de quatro exemplares por ano, com detalhes de acabamento e conjunto mecânico definidos pelo cliente.
É um carro caro, especialmente considerando, por exemplo, que a própria Shelby oferece o Mustang GT350 equipado com um V8 de 5,2 litros com virabrequim plano e 533 cv por US$ 58.000 (R$ 223.000 em conversão direta). Além disso, estamos falando de um desenho virtualmente idêntico a algo que foi apresentado 20 anos atrás. Talvez a Shelby esteja apelando para o “fator nostalgia” que pode ser despertado em quem, por exemplo, tinha o Shelby Series 1 na garagem virtual do Gran Turismo 2 (o que é o meu caso, aliás). Podemos aplaudir a iniciativa de colocar no mercado um roadster com motor V8, câmbio manual e tração traseira, e até torcer por seu sucesso, mas não apostaríamos todas as nossas fichas nele.